Dr. Marco Aurelio S. Viana

Advocacia Cível

ARTIGOS

Solo Urbano: critérios de distinção do solo rural. Constituição Federal: arts. 182 e 183. Estatuto da Cidade. Política de Desenvolvimento Urbano.

Marco Aurelio S. Viana
Doutor em Direito Civil (UFMG) – Advogado em Belo Horizonte

 11/10/2015

Resumo: O artigo desenvolve estudo a respeito da distinção entre solo urbano e solo rural, examinando os critérios adotados, esclarecendo não haver critério legal para tanto. Define o que seja solo urbano.

Palavras chave: solo, solo urbano, solo rural (critérios de distinção), limitações administrativas, parcelamento do solo, urbanização, política de desenvolvimento urbano, Estatuto da Cidade, Constituição Federal, artigos 182 e 183.

 

1- O solo é considerado bem imóvel, segundo a classificação adotada pelo Código civil, sob a epígrafe “dos bens considerados em si mesmos.” O art. 79 estatui que “são bens imóveis o solo…”.

O diploma civil não define o que seja solo, limitando-se a dizer que são bens imóveis o solo e tudo quanto nele seja incorporado natural ou artificialmente. A classificação não se esgota nesses limites, mas ela é o bastante para o estudo que se desenvolve.

O solo é imóvel por sua própria natureza, abrangendo sua superfície, sua profundidade e o seu espaço aéreo, segundo a limitação imposta pelo art. 1.230 do Código Civil.

Solo é o terreno, considerado em si mesmo, despido de qualquer edificação, plantas ou árvores. (De Plácido e Silva, apud VIANA, Marco Aurelio S., Comentários à Lei sobre Parcelamento do Solo Urbano. 2ª. Ed., São Paulo: Saraiva, pág.2, 1984)

2-A propriedade do solo oferece uma gama significa de serviços, que são assegurados ao proprietário, e que decorrem do seu conteúdo econômico, que o art. 1.228 do Código Civil define.

Na doutrina portuguesa fala-se que há, na raiz da propriedade, um núcleo qualitativo, de definição difícil, e que se deve entender como significativa reserva para o proprietário de todas as faculdades que decorrem da evolução da técnica, que esta torna possível. (ASCENSÃO, José de Oliveira. Direito Civil – Reais , Coimbra, Coimbra Editora Limitada, p. 348, nota 1,1987)

Ao lado desse conteúdo econômico, como já ficou dito, encontra-se a função social, e é dentro dos limites do econômico e social, que atua o proprietário, que exerce direito subjetivo relativo. O exercício do direito de propriedade se faz em razão de sua função social, também.

3- No estudo que desenvolve a respeito do parcelamento do solo, Sérgio A. Frazão do Couto adverte para a necessidade de entender o nascimento das cidades, ainda que de forma perfunctória. O jurista ensina que os aglomerados humanos, que os romanos denominavam como urb, urbs, surgem do “animus de mútua ajuda e defesa do homem, sentimentos de solidariedade esses aos quais se somaram outros fatores de interesse comum, tais como o comércio, a indústria e as vantagens de melhores e mais fáceis acessos aos meios culturais, religiosos, educacionais, de diversão, de facilidade de aquisição de bens e serviços, e, mais recentemente, por determinações governamentais.” (COUTO, Sérgio A. Frazão do. Manual Teórico e Prático do Parcelamento Urbano, Rio, Forense, 1981, p. 45, § 6º, 1981

O doutrinador pondera que a partir dessa união de esforços foi possível verificar que a agregação dos homens em núcleos urbanos levava a uma melhora na qualidade de vida dos grupos, o que acabou por atrair os homens do campo. O êxodo rural para a urbe ganha maior importância após a Primeira Guerra Mundial, como efeito da destruição das cidades europeias. Os campos, atingidos duramente pelos bombardeios, “tornaram-se praticamente imprestáveis ao cultivo.” (ob. Cit. p. 7, § 10)

O deslocamento do homem do campo para a cidade provocou um aumento de população, havendo um “fenômeno sociológico de acelerada expansão.” (ob. cit. p. 8, § 12)

FRANCISCO CARDOZO OLIVEIRA entende que a urbanização intensifica-se com o processo de migração do campo em direção à cidade, “decorrente da correlação entre a economia agrícola e a economia urbana”. (OLIVEIRA, Francisco Cardozo, Hermenêutica e Tutela da Posse e da Propriedade. Rio, Forense, p. 138, 2006)

O estado de coisas criado repercutiu no tráfico social, criando zonas de turbulência, gerando conflitos que decorrem naturalmente da “convivência sob tensão social, entre os habitantes das grandes metrópoles”. (Sérgio A. Frazão do Couto, ob. cit. p. 8, § 12)

Surge, então, a necessidade de regras de conduta de conteúdo jurídico, dizendo o que o cidadão pode ou não pode fazer, tendo em vista o bem comum e o individual. A ausência de regras sem esse conteúdo empurra a sociedade para o caos. Não haveria previsibilidade e segurança, que somente se obtém quando se tornam previsíveis as condutas alheias e a elas podem ser possível adequar as próprias. Só pela atuação de normas de conduta de conteúdo jurídico é possível obter a colaboração interindividual. (VIANA, Marco Aurelio S. Viana, Curso de Direito Civil – Parte Geral. 2ª. Ed., Rio, Forense, p.1)

Nascem e se desenvolvem as regras sobre urbanismo, buscando-se legislativamente ordenar legalmente a fixação do homem ao solo da cidade. (Sérgio A. Frazão do Couto, ob cit. p. 8, § 13)

O crescimento da urbs leva a um complexo tráfico social, que reclama projetos de estruturação, de aproveitamento racional do espaço, que avança além dos limites das cidades e alcança o território por inteiro, e demanda a presença de estudos envolvendo várias áreas do conhecimento humano.

Dentro dessa ótica a Lei Maior estatui que a política de desenvolvimento urbano é atribuição municipal, conforme diretriz fixada em lei (art. 182). O instrumento de desenvolvimento básico da política de desenvolvimento e expansão urbana é o Plano Diretor. Ele é o instrumento técnico-legal que define os objetivos de cada Município e orienta toda a atividade da Administração e dos administrados nas realizações públicas e particulares que interessem e afetem a coletividade. (MEIRELLES, Hely Lopes. Direito de Construir. 3ª. Ed., São Paulo, Revista dos Tribunais, pág. 102, 1979)

Para as cidades com menos de 20.000 habitantes o Plano Diretor não é obrigatório. Mas, não havendo Plano Diretor, as Constituições Estaduais devem elaborar diretrizes para a ocupação do território.

Segue-se ao Plano Diretor a regulamentação edilícia, que dispõe a respeito da delimitação da zona urbana, o traçado urbano, o uso e ocupação do solo urbano, o zoneamento, o loteamento, o controle das construções, a estética urbana e a proteção ambiental. Tudo isso se efetiva pelas limitações urbanísticas ao direito de construir e de normas de ordenamento das atividades urbanas. (Hely Lopes Meirelles, ob. Cit. pág. 103)

Os artigos 182 e 183 da Constituição Federal foram regulamentados pelo que se intitula de Estatuto da Cidade (Lei n. 10.257, de 10 de julho de 2001). Nessa Lei estão as diretrizes gerais da política urbana. Suas normas são de ordem pública e interesse social. Isso significa que a vontade do particular não tem o condão de alterá-las. Tais regras legais devem ser relevantes para a coletividade e implicam em limitações à propriedade urbana.

Carlos Alberto Dabus Maluf destaca, entre essas limitações, a preocupação com o equilíbrio ambiental, que é fator condicionante da propriedade urbana, considerando que o meio ambiente ecologicamente equilibrado é um direito assegurado pela Carta Constitucional (art. 225, caput) (MALUF, Carlos Alberto Dabus. Comentários à Constituição Federal de 1988. Rio, Forense, p. 2029, 2009)

A Lei n.6.766/79 disciplina o parcelamento do solo para fins urbanos, apartando-se da linha anterior, quando vigorava o Decreto-Lei n. 58, que tinha aplicação tanto aos proprietários de terrenos urbanos como rurais.

Na solução de questões que envolvam propriedade urbana não se dispensa o estudo dos arts. 182 e 183 da Lei Maior, o Estatuto da Cidade, o Plano Diretor e as limitações urbanísticas, bem com leva em consideração o princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III da CF) e o direito à igualdade, que é direito fundamental do cidadão. (art. 5º, caput da CF)

4- O vocábulo urbano, do latim urbanos, de urbs (cidade) é empregado em oposição a rural, para distinguir tudo o que se refere à cidade, ou à vila, e está compreendido em seu perímetro. No magistério de DE PLÁCIDO E SILVA, “a rigor, urbano quer aludir ao perímetro, ou a zonas situadas nos limites de uma cidade, de uma vila, ou, mesmo de uma povoação, destinada exclusivamente às construções, ou casas de moradia. E, neste particular, é que se distingue do rural, indicativo de áreas de terrenos próprios às culturas agrícolas, ou às criações de animais destinadas, propriamente, a esse fim.” (Vocabulário Jurídico, v.4, pág. 1.611)

ARNALDO RIZZARDO, no estudo do tema, reporta-se ao art. 1º da Le in. 6.766/1979, dizendo que seu campo de aplicação está restrito ao parcelamento para fins urbanos; faz referência ao art. 1º do Decreto-Lei n. 58, que se destinava aos proprietários de terras rurais e terrenos urbanos; ensina que o Decreto-Lei n. 271, art. 1º, § 3º buscou conceituar objetivamente a área considerada urbana como “a edificação contínua das povoações, as partes adjacentes e as áreas que, a critério dos municípios, possivelmente venham a ser ocupadas por edificações contínuas dentro de 10 (dez) anos”. Arremata dizendo que “nada mais vago e indefinido como a última parte”. (RIZZARDO, Arnaldo. Promessa de Compra e Venda e Parcelamento do Solo Urbano – Lei n. 6.766/79, Porto Alegre, pág.30, n. 5, 1980)

O jurista sustenta, então que é urbano o imóvel que esteja localizado em zona urbana do Município, aí incluídas, eventualmente, as urbanizáveis ou de expansão urbana, referindo-se ao art. 32 da Lei n. 5.172/66 (CTN). E sintetiza que é urbano o imóvel que está destinado à moradia, ao comércio, à indústria, “delimitado pelo perímetro urbano e nele incidindo o imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana – Em contrapartida, rural é o imóvel cujo emprego envolve atividade de exploração extrativa agrícola, pecuária ou agroindustrial, de acordo com o Estatuto da Terra (Lei n. 4.504, art. 4º)”. (ob. cit. p. 30. n. 5)

Estudando o tema em outra oportunidade (Comentários ao Novo Código Civil, ed. Forense, v. XVI, 4ª. ed., págs. 60/67, obra coordenada por Sálvio de Figueiredo Teixeira), analisei o pensamento da doutrina e as soluções legais, o que permitiu constatar a inexistência de um critério técnico definitivo, observando a vacilação entre o critério da destinação e o critério da localização, a que se referem De PLÁCIDO E SILVA e ARNALDO RIZZARDO, o que, de resto, não é novidade para a doutrina.

CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA, que é citado por ARNALDO RIZZARDO, também, abordando o contrato de locação, ao considerar os prédios rústicos, diz que eles estão submetidos a princípios especiais em “razão da finalidade a que ele se destina” (Instituições de Direito Civil – Contratos. Rio, Forense, 11ª. ed., v. III, n. 240, atualizado por Regis Fichter) E, ao promover a distinção entre prédio rústico e prédio urbano, entende que o critério topográfico deve ser deixado de lado, que ele “não merece aceitação, à míngua de préstimos melhores, invoca-se a utilização econômica, para dizer-se que é rústico aquele que a uma atividade rural se destina, seja na lavoura, seja na pecuária, em contraposição ao urbano, que não recebe tal emprego, independentemente da localização, de um ou de outro, dentro ou fora dos limites dos núcleos urbanos”. (ob. cit. n. 240)

Em WASHINGTON DE BARROS MONTEIRO, abordando a noção de prédio rústico, constata-se que o critério da localização é secundário, firme na distinção pela destinação, dizendo que “prédio rústico é o destinado primordialmente à exploração agrícola ou pecuária. Pode localizar-se no perímetro urbano; não deixará de ser propriedade rústica, se a sua destinação é o exercício de atividade agrícola ou pastoril, em qualquer de suas modalidades”. (MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil – Obrigações 2. São Paulo, Saraiva, 6ª. ed., pág. 166)

AGOSTINHO ALVIM já advertia que o critério mais acertado é o que coloca a questão sob o prisma da destinação. (AGOSTINHO ALVIM, apud ACQUAVIVA, Marcus, Comentários à Nova Lei do Inquilinato – Lei n. 8.245, de 18.10, s. ed., pág. 16, 1991)

O Tribunal de Justiça de Minas Gerais, em precedente datado de 1956, adotava a destinação como critério de distinção. (Apelação Cível 10.409, 3ª. C., Revista Forense, v. 18/14, fev. 1956) Nesse mesmo sentido orientou-se o Tribunal de Alçada de São Paulo, abordando questão envolvendo a localização de estabelecimento industrial, entendendo que, embora localizado em zona rural, ele não se submete à legislação agrária. (Apelação n. 302.671, 2º TACivsp, em 7ª. C) (Os julgados são citados por Marcus Acquaviva, na obra já citada)

OLMIRO GAYER ATHAYDES e LISETE A. DANTAS GAYER ATHAYDES entendem “que na conceituação legal atual o direito positivo segue a tradição do Direito Romano: o que caracteriza o imóvel como rural não é a sua localização, mas o seu destino” (ATHAYDES Olmiro Gayer, ATHAYDES Lsete A. Dantas, Teoria e Prática do Parcelamento do Solo. São Paulo, Saraiva, pág. 8, § 4º, 1984), partindo da disciplina dada pelo Estatuto da Terra, art. 4º, I, que “define o suporte fático das suas normas: “Imóvel rural (é) o prédio rústico, de área contínua, qualquer que seja a sua localização, que se destine à exploração extrativa agrícola, pecuária ou agroindustrial, que através de planos públicos de valorização, quer através de iniciativa privada.” (Ob. Cit. p. 8, 4º)

Os doutrinadores observam que em caráter excepcional alguma lei, geralmente fiscal, “tem discrepado (cf. CTN, Lei n. 5.172, 25-10-1966, art. 29; o IRT recai sobre “imóvel por natureza… localizado fora da zona urbana do Município”). Outrossim, algum jurista ilustre (cf. Clóvis Beviláqua, Teoria geral do direito civil, § 33: “será urbano ou rural (o prédio) segundo a sua situação for dentro ou fora dos limites dados pelas leis administrativas, às cidades, vilas ou povoações”). – A regra, contudo, é a tradicional (cf. Lei n. 4.504/64; Lei n. 5.868, de 12-12-1972, art. 6º), embora não considere rural, para fins tributários, o imóvel de área inferior a um hectare.” (ob. Cit. p. 8, º 4º)

Advertem que nenhuma lei brasileira define o imóvel urbano, o que, segundo eles, se pode fazer indiretamente, por exclusão, que permite inferir que da conceituação de imóvel rural, “que é urbano todo prédio que não for rural por destinação. E para efeitos tributários, também é imóvel situado na zona rural, e mesmo que rural por destinação do proprietário, será considerado urbano quando “não tenha área superior a um hectare” (Lei n. 5.688/72, art. 6º) – Não há, portanto , que se confundir na distinção: se não é rural, pelo critério da destinação preponderante e da área, é urbano o imóvel. Desconhecem nossas leis outras classes.” (ob. Cit. p. 9, § 4º)

TUPINAMBÁ CASTRO DO NASCIMENTO sustenta que “há de se encontrar, todavia, um ponto de compatibilidade entre as duas regras normativas contraditórias ou uma forma de coexistirem. Sob este último aspecto, a possibilidade aparece a partir do instante em que se entender que o conceito de imóvel rural, com base na localização, consta da lei especial, e deve vigorar a para os fins específicos da lei. Em se tratando de imposto territorial rural, o imóvel rural é definido considerando-se o aspecto topográfico. Porém para os demais fins estranhos à tributação, conceituação é a que considera a utilização econômica da área. Desta forma, compatibilizam-se as normas que têm, como consequência coexistência inconflitada. É a única solução a que impõe a legislação brasileira, pena de as normas serem interpretadas sem obediência a princípios corretos de hermenêutica. Oswaldo Optiz entende, dentro da mesma ideia , que o conceito do Código Tributário Nacional é “para efeitos fiscais”. (NASCIMENTO, Tupinambá Castro do. Usucapião. 6ª. Ed., Rio, Aide, p. 134)

A expressão zona urbana é utilizada pelo art. 191 da Lei Maior, quando dispõe a respeito da usucapião rural especial, o que se repete nos arts. 1.239, 1.276, § 1º e 1303, todos do Código Civil; a Lei n. 9.393/1993, disciplinado o ITR, adota, para fins fiscais, o critério da localização; o CTN, no § 1º do art. 32, na disciplina do imposto territorial e predial urbano, edita que “para efeitos deste imposto, entende-se como zona urbana a definida em lei municipal, observando o requisitos mínimo de existência de melhoramentos indicados em pelo menos 2 (dois) dos indicados seguintes, construídos ou mantidos pelo Poder Público: I – meio-fio ou calçamento, com canalização de águas pluviais; II – abastecimento de água; III – sistema de esgotos sanitários; IV – rede de iluminação pública, com ou sem posteamento para distribuição domiciliar; V – escola primária ou posto de saúde a uma distância de 3 (três) quilômetros do imóvel considerado;”

Não se encontra, em verdade, nenhuma lei que defina o que se deve entender por imóvel urbano. Nesse aspecto é correta a orientação porque a Lei não define, mas regulamenta, ficando a entregue à doutrina o trabalho de definir.

5- O critério da destinação, que o Estatuto da Terra adota para conceituar a propriedade rural, dando relevância à atividade econômica, plasmada nas formas de exploração da terra, que elenca no art. 4º, I, permite que se considere como urbano o imóvel que não for rural. Nessa linha, é possível concluir que pode haver imóvel rural em zona urbana.

De qualquer forma, é da competência do Município a ordenação do pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade, promovendo a repartição da cidade e das áreas urbanas e urbanizáveis, ou seja, aquelas áreas já ocupadas por moradias e serviços pertinentes, bem como outras áreas que irão receber o crescimento da cidade. O Município delimita a zona urbana, seja para fins urbanísticos, seja para efeitos tributários.

HELY LOPES MEIRELLES ensina que “no primeiro caso, a competência é privativa e irretratável do Município, cabendo à lei urbanística estabelecer os requisitos que dará à área a condição de urbana ou urbanizável, e, atendendo esses requisitos, a lei local delimitará o perímetro urbano, as áreas de expansão urbana e os núcleos de urbanização”. (Direito de Construir cit., p. 106)

A política de desenvolvimento urbano é executada pelo Município, conforme diretriz fixada em lei (art. 182 da Constituição Federal), sendo o instrumento básico da política de desenvolvimento urbano e de expansão urbana, o Plano Diretor. Ao regulamentar os artigos 182 e 183 da Lei Maior, A Lei n. 10.257/2001, estabelece as diretrizes gerais da política urbana e dá outras providências.

Como firmei acima, nada impede que se tenha imóvel rural em zona urbana. Nessa hipótese o Município fica autorizado a regular o uso e ocupação das áreas destinadas à urbanização, ainda que localizadas fora do perímetro urbano, “porque esses núcleos irão constituir as novas cidades ou ampliação das já existentes, e por isso devem ser ordenadas urbanisticamente desde o seu nascedouro, para não venham prejudicar a futura zona urbana”. (Hely Lopes Meirelles, Direito de Construir cit. p. 114)

Entendo que as regras presentes em leis especiais devem ser interpretadas dentro dos fins dessas leis. Merece atenção um ponto: em que pese seja competência municipal promover a repartição da cidade e das áreas urbanizáveis, não é sua atribuição estabelecer o zoneamento rural, nem, tampouco, alterar a destinação do imóvel rural. Se a zona urbanizável alcança imóvel rural, este não deixa de ser rural, porque esse se qualifica por sua destinação econômica. O mesmo vale para imóvel rural que exista em área urbana. Tais imóveis continuam submetidos ao Estatuto da Terra, inclusive para fins de parcelamento. Somente incide a Lei n. 6.799/79 quando o proprietário optar pela urbanização, implantando parcelamento para fins urbanos. Fora essa disso, e na hipótese de área inferior a um hectare (Lei n. 5.968/72), em que o critério da dimensão é considerado, e faz com que o imóvel seja descaracterizado como rural para fim fiscal, é que o imóvel deixa de ser rural.

Enfatizo que, em sede de hermenêutica, o Código Civil de 2002, na esteira da Lei Maior, dá ênfase à finalidade econômica e social da propriedade, submetendo o exercício do direito de propriedade à sua finalidade econômica e social. (art. 1288 e § 1º)

O critério da localização tem importância para fim de zoneamento, cabendo ao Município, como dito, a repartição, mas não tem qualquer significado quando se trata de definir imóvel como rural, porque nessa hipótese, independentemente da zona em que ele se encontra, sempre será rural.

Referências Bibliográficas:

AGOSTINHO ALVI, apud ACQUAVIVA, Marcus, Comentários à Nova Lei do Inquilinato – Lei n. 8.245, de 18.10, ed., pág. 1
ASCENSÃO, José de Oliveira. Direito Civil – Reais , Coimbra: Coimbra Editora Limitada, p. 348, nota 1, 1987.
ATHAYDES Olmiro Gayer, ATHAYDES Lsete A. Dantas, Teoria e Prática do Parcelamento do Solo. São Paulo: Saraiva, pág. 8, § 4º, 1984.
MALUF, Carlos Alberto Dabus. Comentários à Constituição Federal de 1988. Rio: Forense, p. 2029, 2009)
COUTO, Sérgio A. Frazão. Manual Teórico e Prático do Parcelamento Urbano. Rio: Forense, 1981, p. 45, § 6º, 1981.
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito de Construir. 3ª. Ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, pág. 102, 1979.
MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil – Obrigações 2. 6ª. Ed. São Paulo: Saraiva, pág. 166.
NASCIMENTO, Tupinambá Castro do. Usucapião. 6ª. Ed., Rio, Aide, p. 134)
OLIVEIRA, Francisco Cardozo. Hermenêutica e Tutela da Posse e da Propriedade. Rio: Forense, p. 138, 2006.
RIZZARDO, Arnaldo. Promessa de Compra e Venda e Parcelamento do Solo Urbano – Lei n. 6.766/79, Porto Alegre: Ajuris, pág.30, n. 5, 1980.
VIANA, Marco Aurelio S. Viana, Curso de Direito Civil – Parte Geral. 2ª. Ed., Rio: Forense, p.1.
DE PLÁCIDO E SILVA, apud VIANA, Marco Aurelio S., Comentários à Lei sobre Parcelamento do Solo Urbano. 2ª. Ed., São Paulo: Saraiva, pág.2, 1984.

 

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