Dr. Marco Aurelio S. Viana

Advocacia Cível

ARTIGOS

Direito Civil. Direito de Propriedade. Conteúdo Jurídico.

Marco Aurelio S. Viana
Doutor em Direito Civil (UFMG) – Advogado em Belo Horizonte

13/09/2015

Resumo: estudo o conteúdo jurídico do direito de propriedade, ou seja, o direito de reaver o objeto de quem o detenha injustamente.

Palavras chave: pretensão, direito de reaver, juízo possessório e juízo petitório, perda de posse, jus possidendi, substância da propriedade, plenitude da propriedade, pretensão à restituição ou de reaver.

 

1- Na segunda parte do art. 1.228, caput, é assegurado ao proprietário o direito de reaver a coisa “do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha.”.

No direito de reaver o imóvel, está o conteúdo jurídico do direito de propriedade. Temos forma de tutela, envolvendo a hipótese de perda da posse, quando o proprietário busca a sua restituição. Ele foi desapossado, perdeu o ius possidendi e pede a sua restituição.

No magistério de LAFAYETE, um dos elementos fundamentais do domínio é o jus possidendi que é o direito de ter a coisa sob o poder. Sendo a propriedade o direito ao valor e à substância do bem, ela ficaria prejudicada no seu significado econômico. Os outros direitos que integram o conteúdo do domínio estariam fragilizados se o proprietário não tivesse o direito de reter a coisa sob sua posse. Por isso ele sustenta que a reivindicação deriva imediatamente do jus possidendi. (PEREIRA, Lafayette Rodrigues, Direito das Cousas, Rio, Freitas Bastos, p. 190, nota 1, 1940)

No direito anterior, CARVALHO SANTOS criticava a redação do art. 524 do Código Civil, que se referia ao direito de reaver. Segundo o jurista o termo rigorosamente jurídico, hábil a traduzir o reaver a posse da coisa de outrem, é reivindicar. (CARVALHO SANTOS, J.M. de, Código Civil Brasileiro Interpretado. Rio, Freitas Bastos, 1937, v. VIII, pág. 279, 1937) Repete-se a imprecisão terminológica, mas isso não prejudica a ideia de retomada, recuperação, que está traduzida no dispositivo do art. 1.228.

Mas não se esgota nesses limites, a proteção assegurada ao dominus. Ao lado da defesa da substância da propriedade, encontra-se remédio que visa assegurar-lhe a plenitude, o que se obtém pela ação negatória, cujo fundamento legal está no art. 1.231 do Código Civil.

2- O proprietário, que se vê desapossado, tem tutela contra o agressor, que lhe impõe a perda do direito de posse.

Para exercer a pretensão, que o artigo lhe assegura, dispõe de ação de cognição, em que pede ao juiz a tutela jurisdicional no sentido de condenar aquele que injustamente detém ou possui a coisa, a restituir o que lhe foi tomado. A ação é condenatória.

A ação viabiliza a pretensão à restituição da coisa. Manejando a ação, o proprietário (autor) faz o pedido de tutela jurisdicional, na qual faz afirmação quanto à pretensão, que é a reivindicação, ou seja, a restituição da coisa.

A tradição civilista faz distinção entre juízo petitório e juízo possessório, falando em ação petitória e ação possessória. Esclarecendo o assunto, Miguel Maria de Serpa Lopes ensina que o mérito principal da indagação a respeito dos característicos da ação petitória consiste em estabelecer “as suas distinções com a ação possessória.” (SERPA LOPES, Miguel Maria de, Curso de Direito Civil. Curso de Direito Civil. Rio: Freitas Bastos, v.6, p. 49, n. 317, 1964)

O jurista esclarece que a ação petitória ou juízo petitório visa de forma exclusiva o direito de propriedade ou outro direito real sobre a coisa em litígio. Afasta-se, desse território, outras controvérsias que envolvam restituição da coisa. Nessa linha, entende que qualquer outra ação, cujo objetivo consista numa pretensão de restituição da coisa, que tenha por base relações simplesmente obrigatórias, sem base em direito de propriedade ou de outro direito real, não se enquadra como ação petitória. Assim se dá, por exemplo, em relações obrigatórias oriundas de contrato de depósito, comodato ou locação de coisas.

E, concluindo o seu pensamento, ensina que o conceito de ação petitória, quer no seu aspecto substancial, quer no processual, não se esgota na tutela da propriedade, alcançando igualmente aos demais direitos reais. E inclui na classe das petitórias, a ação reinvindicatória, a ação publiciana, as ações confessórias e as ações negatórias.

Divirjo do pensamento do doutrinador quando faz a pretensão à restituição alcançar outros titulares de direitos reais. Tomo as palavras de André Fontes, ensinando que a “norma jurídica é o fundamento da pretensão, que é extraída das leis ou dos costumes, excluindo-se o negócio jurídico ou autonomia privada como seu fundamento.” (FONTES, André. A Pretensão como Situação Jurídica Subjetiva. Belo Horizonte, Del Rey, p. 135, 2002) A pretensão à restituição é assegurada apenas ao proprietário, como está claro na dicção do art. 1.228 do diploma civil. Advirto, contudo, que o pensamento de Serpa Lopes faz escola e tem sido acolhido em vários precedentes.

Com ficou dito acima, o conteúdo da ação é a pretensão. Tomando o magistério de Ernane Fidélis dos Santos, formulando pedido de reinvindicação de bens, o autor “solicita do juiz tutela jurisdicional e afirma a providência efetiva que quer, através do pedido de condenação do réu, para que ele lhe entregue o que reivindica. O pedido de tutela jurisdicional é a ação e a reivindicação afirmada, a pretensão.” (SANTOS, Ernane Fidélis dos. Manual de Direito Processual Civil, São Paulo, Saraiva, v. 1, p. 52, n. 90, 1985)

A distinção entre juízo petitório e juízo possessório não tem maior alcance, porque a posse é direito real, também. A distinção entre a ação possessória e a ação reivindicatória está no fundamento legal do pedido. Nas ações possessórias a pretensão nasce da violação da posse, que pode estar sendo exercida por força de relação obrigacional (comodato ou locação, por exemplo), sem qualquer preocupação com o direito de propriedade. Já a ação reivindicatória decorre da pretensão que se funda em direito de propriedade, e se caracteriza pelo desapossamento da coisa. O proprietário, ainda que não exerça posse, pede a tutela jurisdicional por ser titular do direito de propriedade. Não se abre debate sobre posse, mas sobre título de propriedade.

Pretensão é o direito de exigir de outrem uma ação ou omissão, ou, nas palavras de Von Tuhr, o “direito de exigir de outrem um fazer ou não fazer.” (VON THUR, Andréas. Derecho Civil, Buenos Airaes, Depalma, v. 1, t. 1, p. 30, 1948)

O Código Civil, quando assegura ao proprietário o direito de exercer o direito de propriedade, leva em conta que tal exercício se faça sem obstáculos ou oposição. Se, no entanto, em dado momento, o direito é violado, ou seja, vem obstáculo ou oposição de outrem, a ordem jurídica reage e assegura o proprietário contra essa violação, nascendo para ele a pretensão de reivindicar, que pode ser exigida judicialmente. Na verdade, alguém descumpriu com o comportamento devido, que é a base do interesse do proprietário, e a ordem jurídica atua na tutela daquele que é titular da pretensão.

O proprietário desapossado dispõe do direito de pedir ao Estado que o assegure contra a ofensa ao direito de propriedade, o que se faz pelo que se denomina tradicionalmente como ação reivindicatória.

Por derradeiro, pondero que o fundamental não é a denominação que se dá a uma ação, mas o pedido formulado. A denominação é apenas um rótulo.

Referências Bibliográficas:

FONTES, André. A Pretensão como Situação Jurídica Subjetiva. Belo Horizonte`: Del Rey, p. 135, 2002
PEREIRA, Lafayette Rodrigues. Direito das Cousas. Rio: Freitas Bastos, 1940. p. 190, nota 1
SERPA LOPES, Miguel Maria. Curso de Direito Civil. Rio: Freitas Bastos, v.6, p. 49, n. 317, 1964)
SANTOS, Ernane Fidélis dos. Manual de Direito Processual Civil. São Paulo: Saraiva, v. 1, p. 52, n. 90, 1985
CARVALHO SANTOS, J.M. de. Código Civil Brasileiro Interpretado. Rio: Freitas Bastos, 1937, v. VIII, pág. 279, 1937
VON THUR, Andréas. Derecho Civil. Buenos Aires: Depalma. v. 1, t. 1, p. 30, 1948.

 

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