Dr. Marco Aurelio S. Viana

Advocacia Cível

ARTIGOS

Direito Civil. Processo Civil. Ação de Imissão na Posse. Jus Possidendi e Jus Possessionis.

Marco Aurelio S. Viana
Doutor em Direito Civil (UFMG) – Advogado em Belo Horizonte

 

Resumo: É desenvolvido o estudo da ação de imissão de posse, assegurada a quem é titular do direito à posse. Esclarece que não se cuida de ação possessória, mas de juízo petitório. Cuida da legitimidade ativa e passiva, do rito a ser observado, no diploma processual de 1973, bem como Lei processual civil de 2015.

Palavras chave: direito de posse (jus possessionis) e direito à posse (jus possidendi). Imissão de posse. Juízo petitório.

É importante distinguir entre o jus possidendi e o jus possessionis. Aquele significa o direito à posse, e este o direito de posse. O titular do direito à posse pode não estar investido na posse, embora ela lhe pertença de direito, o que decorre de uma situação jurídica, como se dá com o proprietário, por exemplo. O mesmo não ocorre com quem dispõe do direito de posse, que a exerce direta ou indiretamente, sem título de direito que o justifique. Não existe uma relação prévia, como se dá no jus possidendi. Quem dispõe de um título de propriedade de um imóvel (escritura de compra e venda registrada, formal de partilha, carta de adjudicação, escritura de doação registrada, etc.) é titular do jus possidendi, que decorre do título. Há uma situação jurídica que lhe serve de alicerce. Mas se o mesmo imóvel é utilizado por outra pessoa sem que ela tenha título registrado, goza do jus possessionis, mas não do jus possidendi.

O titular do jus possessionis encontra nos interditos possessórios o remédio legal para tutelar o direito que exerce. A Lei processual civil de 1973 disciplina as denominadas ações possessórias, que visam justamente proteger a posse. (art. 920 e ss. do CPC/2015 – art. 554 e ss. do CPC/2015). Elas estão inseridas entre as ações de procedimentos especiais.

Na prática pode acontecer, no entanto, que em uma compra e venda de imóvel, por exemplo, o vendedor, pelo constituto possessório transfira o jus possidendi ao adquirente, mas se mantenha no imóvel, não o entregando ao comprador. Embora tenha demitido de si a posse, passando a detentor, o vendedor continua no imóvel. É possível mesmo que a posse esteja com terceira pessoa, que detinha a coisa em nome ou por conta do vendedor. Nesse caso, não sendo titular do jus possessionis, ou seja, do direito de posse, mas do jus possidendi, ou seja, do direito à posse, o comprador não está legitimado a manejar nenhuma das ações possessórias. O remédio que lhe é assegurado é a ação de imissão na posse, que não conhece disciplina no direito processual civil de 1973, nem, tão pouco, no CPC/2015, no rol das ações possessórias, embora haja a pretensão de haver o direito de posse.
O Código de Processo Civil de 1939, art. 381, ao disciplinar as ações possessórias, alinhava a ação de imissão de posse ao lado da ação de manutenção de posse, ação de reintegração de posse e o interdito possessório. Ela corresponde a missio in possessionis dos romanos, uma das modalidades do interdito adipiscendae possessionis, sem correspondente no direito estrangeiro. (BARROS MONTEIRO, Washington. Curso de Direito Civil – Direito das Coisas. São Paulo, Saraiva, 7ª. ed., 1967, pág. 51).

Ao examinar esse tema em outra oportunidade, manifestei-me dizendo que “em verdade, quem pede a posse que lhe foi transferida pelo constituto possessório, o faz na condição de proprietário, e não como possuidor, exercendo pretensão que decorre da negativa de lhe ser entregue o imóvel. Lembramos que a posse é direito real, razão pela qual, como direito, pode ser transmitida, como se dá, entre outros casos, pelo constituto possessório. Diante da recusa em entregar a posse, o proprietário ajuíza a ação de imissão na posse, cujo fundamento é o ius possidendi, que lhe foi transferido pelo constituto possessório. É possível pedir antecipação de tutela, que o juiz deve avaliar com segurança, após contestação, porque o réu pode dispor de titulo que lhe permita manter-se na posse, como uma relação obrigacional (ver art 461-A, § 2º, do CPC”. (VIANA, Marco Aurelio S. Comentários ao Novo Código Civil. Rio, Forense, 4ª. ed., v. XVI, pág. 95, 2013).

A inclusão da ação de imissão de posse, pelo Código de Processo Civil de 1939, mereceu debate e crítica. O que fez com ela fosse tida como ação possessória era a previsão no diploma processual de 1939, e nada mais do que isso. O CPC/1973 não a incluiu entre as ações possessórias, nem o faz o diploma processual civil de 2015.
O Código Civil de 1916 não inseriu a espécie entre os efeitos da posse (arts. 499 e ss.), como não o faz o diploma civil de 2002.

O fato de se excluir o procedimento especial da ação de imissão de posse na Lei processual civil de 1973, o que se repete com o CPC/2015, não significa que a pretensão pertinente ao jus possidendi seja frustrada. No diploma processual civil vigente o interessado dispõe de ação de rito ordinário ou de rito sumaríssimo (art. 272 do CPC), segundo a situação de fato. Quando em vigor o CPC/2015, que não mais contempla o rito sumaríssimo ou sumário, a ação se viabiliza pelo procedimento comum, previsto no art. 318.

No que tange ao exercício da ação de imissão de posse, pacífica a jurisprudência. (A respeito da posição da jurisprudência: RIZZARDO, Arnaldo. Direito das Coisas. Rio, Forense, 2ª ed., pág. 28)
A ação é real e petitória, nascendo do direito à posse (jus possidendi), direito que violado determina o nascimento, para o titular do direito, da pretensão de pedir lhe seja entregue a coisa.

ANDRÉ FONTES ensina que “na literatura alemã, como pacificado, diz-se que a pretensão é o poder de exigir alguma prestação, “pois em virtude do seu reconhecimento pela ordem jurídica é que se atribui ao sujeito a proteção para fazer atual o seu direito subjetivo, cabendo ao termo poder a característica de ser convenientemente mais amplo e compreensivo, além de ser diretamente utilizável no elemento conceitual. Dizendo-se mais suscintamente, e reportando-nos ainda à noção do legislador germânico, podemos assim definir: a pretensão é o poder de exigir um comportamento”. (FONTES, André. A Pretensão como Situação Jurídica Subjetiva. Belo Horizonte, Del Rey, 2002, pág. 10) É o que faz o autor da ação de imissão de posse, porque ele pede a coisa.

A legitimidade ativa é daquele que houve a propriedade por ato entre vivos ou causa mortis. Mas está legitimado ativamente quem disponha de contrato de promessa de compra e venda que lhe assegure o jus possidendi. Nesse passo caminhou a jurisprudência, a partir de voto do Min. Luiz Galloti (RTJ, 59/925). O promitente comprador, com contrato registrado ou não está autorizado a pedir o jus possidendi. (A respeito do tema: VIANA, Marco Aurelio S., Comentários ao Novo Código Civil cit., v. XVI, pág. 96); ARNALDO RIZZARDO, que ensina: “na ação de imissão, o direito à posse nem sempre se origina da condição de proprietário do autor. É viável que se ampare o autor em relação contratual ou legal. Mesmo não sendo proprietário, assegura-se a pretensão de imitir-se na posse, como acontece com o cessionário da herança”. (RIZZARDO, Arnaldo. Direito das Coisas cit., pág. 32).
No polo passivo da ação estará aquele que se recusa a entregar o imóvel, seja ele o alienante, o promitente vendedor, o terceiro que o ocupa. Acionado, o réu deve atacar o título do autor, enfrentando sua validade, caso contrário será vencido. Pode, ainda, levantar em sua defesa, a existência de causa jurídica para sua presença no imóvel.

Sendo ação real no polo ativo devem se apresentar marido e mulher. (art. 10 do CPC/1973 – art. 73 do CPC/2015)
Na inicial o autor pode pedir antecipação de tutela (art. 273 do CPC/1973) ou tutela de urgência, quando da entrada em vigor do CPC/2015, art. 300.

Não sendo ação possessória, porque não se destina a proteger a posse, mas ação petitória, não é possível a fungibilidade em ação possessória. Admite-se, no entanto, que a ação de imissão de posse seja transformada em ação reivindicatória, em decorrência de seu caráter dominial e ser ela de natureza petitória. (A respeito do tema: RIZZARDO, Arnaldo. Direito das Coisas cit., pág. 155, apoiado em farta jurisprudência).

Referências bibliográficas.

FONTES, André. A Pretensão como Situação Jurídica Subjetiva. Belo Horizonte: Del Rey, 2002.
MONTEIRO, Washington. Curso de Direito Civil – Direito das Coisas. 7ª ed. São Paulo: Saraiva, 1967.
RIZZARDO, Arnaldo. Direito das Coisas. 2ª ed.Rio: Forense,

VIANA, Marco Aurelio S. Comentários ao Novo Código Civil. 4ª ed. Rio: Forense,2013.

 

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