Dr. Marco Aurelio S. Viana

Advocacia Cível

ARTIGOS

Aquisição da Propriedade Imóvel pela Usucapião. Código Civil e Lei dos Registros Públicos. Espécies. Posse. Posse para Usucapião. Sentença e seu Registro no Cartório de Registro de Imóveis.

Marco Aurelio S. Viana
Doutor em Direito Civil (UFMG) – Advogado em Belo Horizonte

15/07/2015

Resumo: o artigo desenvolve estudo sobre a aquisição da propriedade imóvel, sua disciplina no Código Civil, na legislação especial, na Constituição Federal, a sentença e seu registro.

Palavras chave: Posse. Usucapião. Sentença. Registro imobiliário. Espécies de usucapião.

1- A usucapião é modo originário de aquisição da propriedade imóvel. Isso significa que não existe qualquer relação entre o sujeito de direito anterior com o novo. Como ensina ORLANDO GOMES, como modo originário de aquisição, sua incorporação ao patrimônio do adquirente se faz em toda sua plenitude, “tal qual estabelece a vontade do adquirente”. (GOMES, Orlando. Direitos Reais. Rio, Forense, t. 1º, pág. 167, n. 108)

LAFAYETTE RODRIGUES PEREIRA, no estudo do direito anterior, já ensinava que “o modo de adquirir é originário, quando o domínio adquirido começa de existir com o acto, de que diretamente resulta, sem relação de causalidade com o estado jurídico de cousas anteriores”. (PEREIRA, Lafayettee Rodrigues. Direito das Cousas, pág.93, § 32, adaptado ao Código Civil de 1916 por José Bonifácio de Andrada e Silva)

A usucapião é modo de aquisição da propriedade e de outros direitos reais pela posse prolongada no tempo. Essa noção não é original, como de resto não o são os conceitos trazidos pela doutrina, já encontrada em Modestino: usucapião é o modo de adquirir a propriedade pela posse continuada durante certo lapso de tempo, com os requisitos estabelecidos em lei – “usucapio est adjecti dominii per continuarionem possessionis temporis lege definit”.

O Código Civil disciplina as seguintes espécies de usucapião: a) a usucapião extraordinária, que tem como requisitos a posse e o decurso do tempo, sendo o prazo de quinze anos. (art. 1.238, caput) O prazo pode ser reduzido para dez anos se o possuidor estabelece no imóvel sua moradia habitual, ou nele realiza obras ou serviços de caráter produtivo (parágrafo único do art. 1.238); b) a usucapião ordinária, que reclama a posse, o lapso de tempo (10 anos), justo título e boa fé. (art. 1.242, caput). O prazo admite redução para cinco anos se: 1– o imóvel houver sido adquirido, onerosamente; 2- com base no registro constante do respectivo cartório, que venha a ser cancelado posteriormente; 3- desde que os possuidores nele tenham estabelecido sua moradia, ou realizado investimentos de interesse social e econômico (parágrafo único do art. 1.242); c) usucapião de área urbana de até duzentos e cinquenta metros quadros. A posse é de cinco anos ininterruptos e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural (art. 1.240, caput); d) o A Le n. 12.424, de 16 de junho de 2011, introduziu o art. 1.240-A, disciplinando a usucapião urbana com prazo reduzido. Essa espécie é denominada como usucapião especial urbana por abandono de lar ou usucapião familiar, também. O prazo é reduzido para 02(dois) anos, sendo assegurado a quem é casada ou viva em união estável, em favor daquele que foi abandonado, exigindo a posse, devendo o imóvel ser utilizado para sua moradia ou de sua família, e não ser proprietário de imóvel urbano ou rural; e) usucapião de área rural não superior a cinquenta hectares, tendo o possuidor tornando-a produtiva por seu trabalho ou de sua família, tendo nela sua moradia, e não seja proprietário de imóvel rural ou urbano. (art. 1.239)

A Lei n. 10.257, de 10 de julho de 2001 (Estatuto da Cidade), nos arts, 9º e 10º contempla a usucapião especial de imóvel urbano e a usucapião coletiva, respectivamente.

A posse é requisito indispensável da usucapião, em qualquer uma de suas espécies, assim como o lapso de tempo, que varia segundo a espécie. Como ensina TITO FULGÊNCIO, “não há usucapião sem posse, precisamente porque ele é a aquisição do domínio pela posse prolongada”. (FULGÊNCIO, Tito. Da Posse e das Ações Possessórias, Rio, Forense, 12ª ed., pág. 21, atualizada por Marco Aurélio S. Viana)

O título e a boa-fé se fazem presentes na usucapião ordinária. Por essa razão, nos parágrafos seguintes vou estudar esses requisitos. O estudo de cada uma das espécies da usucapião se fará em capítulo à parte.

2- Posse e propriedade são modos de apropriação da propriedade imóvel. Não se confundem os dois institutos, têm efeitos próprios, e são independentes.

As duas teorias que informam as legislações, a objetiva de Ihering e a subjetiva de Savigny, estão presentes no direito brasileiro. A primeira é a base da disciplina da posse, e a segunda está presente na disciplina da usucapião.

Na verdade Ihering e Savigny não desenvolveram teorias sobre a posse, mas uma sistematização desse instituto no direito romano. Os dois juristas partem da noção de corpus e animus.

Para Savigny o corpus é o elemento material que traduz a possibilidade de dispor, mesmo fisicamente, da coisa. O contato físico entre o possuidor e a coisa não é relevante, sendo suficiente a possibilidade dessa relação. Já o animus reflete o aspecto espiritual, subjetivo, que é a intenção de ter a coisa como própria. Só a concorrência dos dois elementos permite que se fale em posse.

Já Ihering entende que o corpus não seria, historicamente, apenas o poder físico, mas relação exterior entre o possuidor e a coisa, segundo sua destinação econômica. Já o animus não seria a intenção de dono, mas apenas a vontade de proceder como procede, regularmente, o proprietário. Para Ihering a prova da intenção é dificílima. (IHERING, Rudolf Von. La Posesión. Madrid,, Editorial Reus, v pág. 207, versão espanhola de Adolfo Posada)
A divergência entre as duas teorias é mais aparente do que real. Savigny sustentou que a posse é o poder de fato sobre a coisa, com a intenção de tê-la como dono, enquanto Ihering fala em visibilidade ou exterioridade do domínio. Pergunto: quem tem o poder de fato, a intenção de dono, não manifesta ou evidencia a exterioridade do domínio? (Francisco Campos, O animus na posse, p. 5, apud Adriano de Azevedo Andrade, Pesquisa em torno do Conceito de posse, pág. 53; Caio Mário da Silva Viana, Instituições cit. – Direitos Reais, v. 4, pág. 45)

Em verdade na fase pré-clássica do direito romano, as noções de posse e propriedade eram distintas. Sua conjugação se fez quando desapareceu a distinção entre direito pretoriano e direito quiritário. A impossibilidade de aquisição da propriedade quiritária levava à transferência da posse que, posteriormente, admitia a aquisição da propriedade, pelo decurso do tempo, tendo por elemento psíquico o animus domini. A posse civil levava a esse caminho. O proprietário quiritário continuava com a nudus domini, e ao adquirente cabia o domínio útil, porque ele tinha o uso e o gozo.

A posse de imóvel, em Roma, nasce da necessidade de utilização de bens que não eram susceptíveis de se tornarem objeto de propriedade, e para atender à situação de certas pessoas que, devido a certas condições, não podiam ser proprietários. No estudo do tema escrevi que a “possessio civilis era denominada, também de ad usucapionem. Ela tem por base uma justa causa. Constituía um verdadeiro direito, protegido pela ação publicana. Como ficou dito a transferência dos bens, segundo o direito quiritário, reclamava determinados requisitos, que não observados inibiam a aquisição do domínio. Tinha-se uma propriedade de direito, ex iure Quiritium, e outra de fato, protegida pelo pretor, incidindo sobre o mesmo objeto. Ao lado da propriedade propriamente dita tínhamos outra, denominada pretoriana ou bonitaria, que desconhecia base legal. A possessio civilis conduzia à aquisição do domínio ex iure Quiritum pelo decurso do tempo, tendo por elemento psíquico o animus domini. – No direito clássico tornou-se modo rotineiro de transferir o domínio. Estando presente a intenção de transferir a propriedade, razão pela qual o possuidor, que seria o futuro proprietário (pela usucapião), deveria ter o animus peculiar do dono da coisa”. (VIANA, Marco Aurelio S., Comentários ao Novo Código Civil. Rio, Forense, 4ª. ed.., v. XVI, p. 135)

Somente no período pós-clássico há a vinculação entre posse e propriedade, estabelecendo-se uma correlação entre a propriedade e a posse, sendo aquela o suporte jurídico desta. A posse deixa de ser uma relação de fato e torna-se uma consequência do direito. (VIANA, Marco Aurelio S., Curso de Direito Civil – Direito das Coisas, pág. 12)

3- Dúvida não resta quanto à adoção, em sede de posse, pelo diploma civil, da teoria de Ihering, como espinha dorsal, resvalando para a doutrina subjetiva quando se cuida da usucapião.

O Código Civil não define o que seja posse, que se apura pela definição de possuidor, presente no art. 1.196, onde se lê: “Considera-se possuidor todo aquele que tem de fato o exercício, pleno ou não, de alguns dos poderes inerentes à propriedade”.

Ora, se possuidor é quem tem de fato o exercício de alguns dos poderes inerentes à propriedade, posse é o exercício de fato dos poderes inerentes à propriedade.

TITO FULGÊNCIO já criticou com veemência a solução que era adotada pelo Projeto de Código Civil de 1916, que adotava a expressão poder de fato. O jurista manifesta-se contrário a esse modo de ver. E depois de várias considerações, conclui que “o direito romano não submete a proteção possessória, a dizer, a posse, à condição do poder de fato e nenhuma legislação pode fazê-lo sem perder de vista em absoluto a importância prática da dita proteção para a marcha dos negócios. – Ao que, pois, se deve unir a posse? Ao elemento em que unicamente se funda sua importância: o elemento econômico. A posse é a relação entre as pessoas e a coisa, tal como a dispõe o fim para que esta se utiliza do ponto de vista econômico”. (FULGÊNCIO, Tito. Da Posse e das Ações Possessórias cit. pág. 25. Obra atualizada por Marco Aurelio S. Viana)

A bem da verdade, todo instituto jurídico funda-se em um fato. Por isso a posse não pode ser considerada sob esse foco, mas como direito subjetivo cujo titular dispõe do imóvel sem título, e a apropriação decorre da destinação econômica e social que lhe dá. No mundo moderno, e diante da solução da Lei Maior, ressaltando a função social da propriedade, o que é acolhido pelo Código Civil, claro fica que a propriedade tem uma finalidade econômica e social.

Ocorre que o proprietário, munido de título, pode assumir uma posição estática, deixando de dar ao imóvel sua destinação econômica e social, inibindo que a riqueza sirva a todos. Embora possa ser convocado, pelo Poder Público, para dar ao bem a destinação que se pretende adequada ao interesse da sociedade, se isso não ocorre, pode ficar inerte.

O mesmo não diga quanto ao possuidor, porque a posse tem caráter dinâmico, o que significa que a posse somente pode ser reconhecida a quem extrai do imóvel os serviços que ele pode oferecer.

IHERING observou esse aspecto e disse que “por exterioridade de la propiedad entendo el estado normal externo de la coisa, bajo el cual cumple el destino económico de servir a los hombres”. (IHERING, Ruldolf Von. La Posesión cit., pág.207)

CLÓVIS BEVILÁQUA, ao abordar o tema, ou seja, ser a posse como fato ou direito, passa em exame o pensamento de Savigny, dizendo ele “opina que a posse, em seu princípio, é um fato, a sua existência depende de todas as regras do direito; mas por suas consequências legais, entra na esfera do direito. Tem natureza dupla; é fato e direito”. (BEVILÁQUA, Clóvis. Direito das Coisas. Rio, Edição Revista Forense, 1956, 1º vol., pág. 38)

O jurista abordando na mesma obra o entendimento de IHERING observa que para ele “a posse é um direito, isto é, um interesse legalmente protegido. Ela é a condição de utilização econômica da coisa e o direito lhe concede proteção”. (Direito das Coisas cit., 1º vol., pág. 38)

E conclui dizendo que a posse é um direito.

O conceito legal de posse que se extrai do art. 1.196 do Código Civil, não referenda a tese de ser a posse um fato. A expressão “tem de fato o exercício” de algum dos poderes inerentes à propriedade, quer dizer que se tem o exercício efetivo, real, ativo, do usar e gozar as faculdades inerentes à propriedade, dentro da função econômica e social.

Entendo que a posse é a utilização do bem segundo sua destinação econômico-social (VIANA, (Marco Aurelio S., O Conceito Moderno de Posse, Revista da Faculdade de Direito da UFMG, v. 30 e Curso de Direito Civil – Direito das Coisas, pág..34), porque todo bem tem uma destinação econômico e social. Em outras palavras: existe um significado social, que decorre da circulação da riqueza, e outro econômico, que pode interessar ao seu titular, mas que admite restrição, se ferir o interesse dos não proprietários.

A interpretação dada não foge da noção desenvolvida por Ihering, porque ao dado econômico adiciono a ideia de função social. A apropriação de qualquer bem será sempre norteada pelo binômio econômico/social, porque a visão moderna do exercício de direito subjetivo está atrelado ao fim econômico e social, como está na dicção do art. 187 do Código Civil, que consagra o abuso do direito.

Vou exemplificar: um imóvel rural para ser considerado como tal tem destinação específica, que se manifesta na sua utilização para fim produtivo agrícola, pecuário o agropecuário. Dentro da noção que desenvolvo de posse, e na esteira do pensamento já articulado por Ihering, só de pode dizer que alguém possui imóvel rural se estiver dando a ele uma dessas finalidades. Basta tomar a dicção do art. 1.239 do diploma civil, para constatar que a produtividade é um dos requisitos da usucapião rural. Não basta morar no imóvel. Evidencia-se que a posse, nesse caso, está atrelada ao fim econômico (produtividade) e o social (moradia).

Aquele que mora em imóvel rural sem produzir não atende à finalidade econômica e social que se pretende seja dada ao imóvel rural, não está atendendo ao estado normal de o bem imóvel servir ao homem.

Tomo o Estatuto da Terra. Ao dispor sobre a reforma agrária deixa claro que seu objetivo são medidas que visem atender à justiça social e ao aumento de produtividade. A noção de justiça social está relacionada à posse vinculada à utilização real e efetiva da terra. O art. 2º condiciona o acesso à propriedade da terra à sua função social, dentro dos limites traçados pela lei. E nos parágrafo e alíneas o artigo citado traça as diretrizes dentro das quais a terra realiza sua função social:

No caso concreto, em que se requeira usucapião de terra rural, seja na modalidade especial citada, seja em qualquer outra, basta apurar se o que se pretende possuidor está atendendo à finalidade econômico/social que se reclama de imóvel rural.

Se me volto para imóvel urbano, posse em zona urbana está atrelada à construção de residência para morar ou locar, para fim comercial, instalação industrial, tudo na dependência do zoneamento desenvolvido pelo Município e da legislação sobre uso e ocupação do solo. A lei municipal visa justamente estabelecer as utilizações que são convenientes às diversas partes da cidade e a “localizar em áreas adequadas as diferentes atividades urbanas que afetam a comunidade”. (MEIRELLES, Hely Lopes Meirelles, Direito de Construir. São Paulo, Revista dos Tribunais, 3ª. ed.,., pág. 112)

O zoneamento urbano “consiste na repartição da cidade e das áreas urbanizáveis segundo a sua precípua destinação de uso e ocupação do solo”. (MEIRELLES, Hely Lopes. Direito de Construir cit., pág. 114) E o jurista observa que “nessa repartição de uso e ocupação do solo, o zoneamento urbano estabelece normalmente as áreas residenciais, comerciais, industriais e institucionais;” (Ob cit. pág. 114)

Entendo que o ajuizamento de ação de usucapião de imóvel urbano fica vinculado à prova de posse do autor, posse essa que depende da utilização do imóvel, segundo sua destinação econômica e social, o que remete à legislação que regulamenta o uso e ocupação do solo e a orientação presente no zoneamento. Em outras palavras: só se pode falar em posse para usucapir se o que alega ser possuidor provar que está dando ao lote ou área, que pretende ter a propriedade, a destinação prevista na legislação municipal. Dizendo de outra maneira: que ele utiliza o imóvel segundo sua destinação econômico-social, que está necessariamente vinculada ao que o Município entende ser o adequado à vida da comunidade.

Se a zona só admite atividade industrial, o que alega ser possuidor não pode pretender a aquisição do domínio se ele utiliza o imóvel para moradia. Não é essa destinação que interessa à coletividade, o que inibe se possa falar em posse ad usucapionem. Essa fórmula facilita a decisão de demandas envolvendo usucapião de imóvel urbano, porque caberá ao magistrado, no caso concreto, apurada a presença do autor da ação no imóvel, perquirir se ele lhe está dando destinação adequada segundo a legislação municipal, porque ela reflete a função social que a comunidade entende adequada.

Há de se temperar o entendimento, porque, no caso concreto, é de se levar em contra a pré-ocupação, que antes permitia a utilização para moradia. Com o zoneamento, aquela área tem sua destinação alterada. A toda evidência que o possuidor, que se apropriou do imóvel em tempo em que a moradia era permitida, não será prejudicado, porque há uma situação jurídica estratificada. O pedido será acolhido, mas ele não poderá, de aí em diante, dar ao imóvel a destinação que lhe deu naquele tempo. Ele poderá continuar a morar no local, mas não poderá vender o imóvel, ou locá-lo para esse fim, porque fica, então, submetido ao zoneamento.

Busco subsídios em JOSÉ DE OLIVEIRA ASCENSÃO, no estudo do tema. Diz o doutrinador português que “a posse prescricional é necessariamente uma posse efectiva. – Aplicando a teoria de Jhering, deverá ser aquela que é exigida pelo fim de utilização da coisa sob o ponto de vista econômico. – No Código Civil de 1867 requeria-se expressamente, o exercício necessário para o “gozo normal e completo daquilo para que, conforme sua natureza ou índole, a coisa prestava” (art. 531,º). A simples cessação do exercício do poder de facto bastaria pois para a perda do corpus da posse prescricional. – Sem bem que não haja no Código actual preceito correspondente, devemos considerar que a doutrina se manteve. Seria valorativamente contraditório extinguir o direito do titular verdadeiro em benefício de quem, afinal, tão-pouco realiza uma atividade socialmente benéfica de aproveitamento da coisa”. (ASCENSÃO, José de Oliveira. Direito Civil – Reais. Coimbra, Coimbra editora, 4ª. ed., pág. 137, II)

Realmente não tem qualquer sentido desalojar o proprietário, que dispõe de título, ainda que não realize atividade econômica e socialmente benéfica, e entregar o imóvel a outra pessoa, que apenas repete o que o proprietário está fazendo. Nenhum dos dois desenvolve atividade socialmente ou economicamente adequada de aproveitamento da coisa. Por isso entendo que para dar procedência a pedido de usucapião, em zona urbana, a subordinação da atuação do possuidor ao aproveitamento socialmente benéfico de aproveitamento da coisa é fundamental, e esse aproveitamento é balizado pela lei de uso e ocupação do solo.

Não basta a posse, sendo reclamado o lapso de tempo em que ela deve ser exercida para levar à aquisição da propriedade pela usucapião. E o decurso do tempo é matéria de política legislativa. Admite-se a acessio possessionis, que o possuidor acrescente à sua posse a dos seus antecessores, desde que todas sejam contínuas, pacíficas e, nos casos do art. 1.242, com juto título e boa-fé. (art. 1.243 do CC)

Na usucapião extraordinária, o decurso de tempo será de quinze anos (art. 1.238, caput do CC) Se o possuidor tiver estabelecido no imóvel sua moradia habitual, o nele realizado obras ou serviços de caráter produtivo, o prazo é reduzido para dez anos. (parágrafo único do art. 1.238 do CC)

O prazo é reduzido para cinco anos se o possuidor pretende usucapir área de terra em zona rural, com dimensão não superior a cinquenta hectares. (art. 1.239 do CC)

Também é de cinco anos a usucapião envolvendo área urbana de até duzentos e cinquenta metros quadrados. (art. 1.240 do CC)

Foi acrescido ao diploma civil o art. 1.240-A, pela Lei n. 12.424, de 16 de junho de 2011, a usucapião especial urbana, com prazo de dois anos. Essa modalidade é denominada, ainda, como usucapião especial urbana por abandono do lar e usucapião familiar.

A usucapião ordinária reclama prazo de dez anos. ((art. 1.242do CC) Mas o prazo é reduzido para cinco anos, na hipótese do parágrafo único do art. 1.242 do CC)

A usucapião especial de imóvel urbano exige posse de cinco anos (art. 9º do Estatuto da Cidade) e a usucapião coletiva, o mesmo prazo (art. 10 do Estatuto da Cidade).

Ao lapso de tempo e à posse, cada uma das espécies de usucapião reclama a concorrência de requisitos específicos, que serão analisados quando o estudo de cada um deles.

Não podem ser objeto de usucapião os bens públicos (art. 102 do CC), as coisas fora do comércio, exceção feita àquelas que foram tornadas inalienáveis por disposição testamentária ou convenção entre vivos.

Observa PAULO NADER, que no fideicomisso (art. 1.951 do CC), a propriedade é usucapível “apenas em relação ao fiduciário, ou seja, àquele que se encontra na posse da coisa. Relativamente ao fideicomissário, uma vez que o seu direito se acha pendente em face de condição ou termo, não ocorre a prescrição, ex vi do disposto no art. 1.999, incisos I e II”. (NADER, Paulo. Curso de Direito Civil – Direito das Coisas. Rio, Forense., p 2006, pág. 138)

4- O art. 1.244 do Código Civil determina que se aplique ao possuidor o disposto quanto ao devedor com pertinência às causas que obstam, suspendem ou interrompem a prescrição, que se aplicam à usucapião.

O dispositivo remete o intérprete aos arts. 197 e 198 e do diploma civil, que enumeram as pessoas contra as quais não corre a prescrição: entre cônjuges, na constância da sociedade conjugal; entre ascendentes, descendentes, durante o poder familiar; entre tutelados ou curatelados e seus tutores ou curadores, durante a tutela ou curatela; contra os incapazes de que trata o art. 3º; contra os ausentes do País em serviço público da União, dos Estados ou dos Municípios; os que se acharem servindo nas Forças Armadas, em tempo de guerra.

O art. 199 do Código civil diz que a prescrição não corre pendendo condição suspensiva, não estando vencido o prazo, pendendo ação de evicção.

O art. 202 da Lei civil enumera as hipóteses de interrupção da prescrição. (A respeito do tema: VIANA, Marco Aurelio S., Comentários ao Novo Código Civil, v. XVI, pág. 148)

5- A usucapião extraordinária tem sua sede legal no art. 1.238, caput do Código Civil, que é assegurado a “aquele que, por quinze anos, sem interrupção, nem oposição, possuir como seu um imóvel, independente de título e de boa-fé…”

O lapso de tempo é questão de política legislativa. No direito anterior era de 20 (vinte) anos, no diploma civil vigente é de 15 (quinze) anos.

O autor do pedido deve provar a posse e os demais requisitos indicados para obter sentença que lhe assegure a aquisição do imóvel.

Provará a posse, e que ela se prolongou por 15 (quinze) anos, ou seja, que deu ao imóvel sua destinação econômico-social pelo tempo indicado. O prazo é contínuo e sua contagem obedece ao mandamento do art. 132 do Código Civil.

A posse não conhece interrupção, ou seja, deve ser mansa, pacífica e continua. Não se confunde, contudo, posse sem interrupção com posse descontinua. Busco o magistério de CARVALHO SANTOS, no estudo do direito anterior, dizendo que “a descontinuidade é o fato da abstenção do possuidor que é negligente em exercer seu direito, o que faz presumir que não tenha direito. Enquanto que a interrupção não provém do possuidor, não sendo um fato seu; ele a sofre. Com a interrupção a posse deixa de existir por um momento, o que não acontece com a posse descontinua, que sempre subsiste, embora irregularmente exercida”. (CARVALHO SANTOS, J.M. Código Civil Brasileiro Interpretado, v. VII, ed. 1.937, pág. 429)

Assevera TUPINAMBÁ MIGUEL CASTRO DO NASCIMENTO que a posse é ininterrupta, “enquanto contínua, sem intervalos, não-intermitente”. Pondera que há interrupção se o possuidor, em que pese inexistir contato físico, tem a coisa à sua disposição, com a possibilidade de exercer este contato. (NASCIMENTO, Tupinambá Miguel Castro do. Usucapião. Rio, Aide, 6ª. ed., pág.86)

Além de a posse ser sem interrupção, ela não pode ter sofrido oposição. Isso significa que a posse para usucapir extraordinariamente é posse tranquila, sobre a qual não pesa contestação, que se revela publicamente. Não basta a possibilidade de oposição, mas a oposição efetiva, que se traduziu em juízo, quando se ataca a atividade desenvolvida pelo possuidor, no correr do tempo. O opositor visa imitir-se na posse ou recuperá-la, ou mesmo interromper a continuidade ou tranquilidade ou seu exercício, visando evitar que o lapso de tempo seja consumado. Deve ser alicerçada em base séria e procedente. O pedido formulado deve ser julgado procedente, reconhecendo o direito daquele que se opõe. De qualquer forma cumpre analisar o caso concreto, porque a improcedência do pedido não significa necessariamente que não tenha havido oposição. Exemplifico com ação de reintegração de posse, ajuizada por proprietário, que não era possuidor. A improcedência do pedido, dúvida não fica quanto à oposição séria à posse em via se complementar. (NASCIMENTO, Tupinambá Miguel Castro Tupinambá, Usucapião cit. pág. 78)

A Lei civil fala em possuir como seu. A expressão deve ser entendida como utilização do imóvel segundo sua finalidade econômico-social. A relação entre o possuidor e o objeto é dinâmica. Se ao proprietário é dado manter-se inerte, porque respaldado no título, o mesmo não se admite em relação ao possuidor, de quem se exige atuação ativa, de forma a dar ao bem a finalidade econômica e social que dele se espera, permitindo que a riqueza flua.

Dispensa-se o justo título e a boa-fé.

6- O parágrafo único do art.1.238 do Código Civil dispõe a respeito da usucapião extraordinária com prazo reduzido. Dispensa o justo título e a boa-fé. O possuidor tem como ônus probatório a posse por 10(dez) anos, tendo estabelecido no imóvel sua moradia habitual, ou nele realizado obras ou serviços de caráter produtivo.

O lapso de tempo de dez anos conta-se na forma do art. 132 do Código Civil.

O possuidor, além do lapso de tempo, deve a ele unir o fato de fazer do imóvel usucapiendo sua moradia habitual. Em outras palavras ele deve habitar o imóvel, o que inibe pessoa jurídica de se servir dessa espécie. Pessoa jurídica não mora. A tutela é dirigida a pessoa natural que more no imóvel por dez anos, alcançando seus familiares, haja casamento ou união estável, ou mesmo família uniparental.

Não é necessário que o possuidor tenha construído a moradia, mas que more por dez anos. O fim da Lei civil é valorizar a moradia, e não a construção. (NADER, Paulo , Curso de Direito Civil – Direito das Coisas cit., v. 4, pág. 145)

Quanto à acessão, entendo que a exigência no sentido de o possuidor fazer do imóvel sua habitação, somente legitima, para o pedido, o possuidor direto. Não me parece possível a acessão de posse se não há posse direta, porque o que se exige é que o possuidor more por dez anos no imóvel. Se o possuidor não mora no imóvel, ainda que o explore economicamente, alugando-o, por exemplo, ele não atende ao requisito legal. (VIANA, Marco Aurelio S. Comentários ao Novo Código Civil, v. XVI, pág. 149)

Se o possuidor não fez do imóvel sua moradia habitual, está apto a pedir a usucapião se atender a outro requisito, que é a realização de obras ou serviços de caráter produtivo. Aqui, a função social da posse destaca-se, dando ênfase ao trabalho, que gera riqueza, que é o destino dos bens a serviço dos seres humanos.

O possuidor não mora no imóvel, mas tornou-o produtivo, fazendo dele fonte de riqueza, o que é compatível com a finalidade social da propriedade. É o que se dá com o imóvel rural, explorado segundo sua destinação econômica e social, embora o possuidor nele não resida; ou o imóvel urbano, que não é utilizado para moradia, mas para a prestação de serviços, a implantação de indústria, em tudo observado a legislação municipal sobre uso e ocupação do solo, e isso pelo prazo de dez anos.

7- O art.1.240 do diploma civil contempla a usucapião especial urbana, também conhecido como usucapião habitacional. Tem sede constitucional no art. 183 da Lei Maior.

O suporte fático, que autoriza a incidência da regra legal, é o seguinte: a) a posse se exerce sobre área urbana de até duzentos e cinquenta metros quadrados, e o requerente não pode ser proprietário de outro imóvel rural ou urbano; b) o tempus é de cinco anos, sem interrupção, e sem oposição; c) o imóvel deverá ser utilizado para moradia do requerente ou de sua família.

O objeto da usucapião é área urbana, que não se confunde com unidade autônoma de prédio. De qualquer forma, é de se examinar o caso concreto, porque o fim da Lei civil e da regra constitucional é assegurar habitação.

Se a área ocupada é superior, a usucapião será assegurada dentro dos limites de duzentos e cinquenta metros quadrados.

O título de domínio e a concessão de uso serão conferidos ao homem ou à mulher, ou a ambos, independentemente do estado civil.

O direito não pode ser reconhecido ao mesmo possuidor mais de uma vez.

A posse é pelo lapso de tempo de cinco anos. Deve ser ininterrupta e sem oposição, tema que já foi analisado no estudo da usucapião extraordinário.

8- A usucapião ordinária exige posse continua e inconteste, pelo prazo de dez anos, devendo o requerente apresenta juiz titulo e boa-fé. (art. 1.242 do CC)

O lapso de tempo é de cinco anos, que se conta na forma do art. 132 do diploma civil.

A posse deve ser contínua, ou seja, sem interrupção e sem oposição, noção já desenvolvida quando do exame da usucapião extraordinária.

Mas não é bastante o tempus e a continuidade e ausência de oposição, reclamando o justo título e a boa-fé.

O usucapiente instruirá a ação com o justo título, ou seja, o ato jurídico hábil em tese à transferência da propriedade. O que se considera é a faculdade abstrata de transferir a propriedade, habilitando alguém a adquiri-la. CARVALHO SANTOS, estudando o art. 551 do Código de 1916 (art. 1.242 da Lei civil em vigor), fala em ato jurídico próprio, em tese, para transferir o domínio, mas em concreto incapaz de transferi-lo, “por conter vício intrínseco que impede a transferência efetiva do direito. Vale dizer – um título capaz de transferir a propriedade e que a transferiria se tivesse emanado do proprietário ou não contivesse tal vício”. (CARVALHO SANTOS, J.M. Código Civil Brasileiro Interpretado cit., v. VII, pág. 437)

No que tange à necessidade do registro do título, como requisito para considera-lo justo, entendimento defendido por parte da doutrina no direito anterior, o que se apura em WASHINGTON DE BARROS MONTEIRO (Curso de Direito Civil – Direito das Coisas, p. 131, entre outros, entendo dispensável, porque o título deve ser hábil em tese para a transferência da propriedade. O vício que macula o título pode impedir seu registro, mas isso não significa que se não fosse ele, o título não seria em tese capaz de transmitir a propriedade. (SILVA PEREIRA, Caio Mário da. Instituições de Direito Civil. – Direitos Reais, v. 4, pág. 118, GOMES, Orlando, Direitos Reais, v.1, p. 210; VIANA, Marco Aurelio S. Comentários ao Novo Código Civil cit. v. XVI, pág. 163)

A boa-fé, requisito que integra a usucapião ordinária, é a subjetiva, ou seja, o possuidor desconhecia o vício que desqualificava o título. O usucapiente estava certo que não ofendia direito alheio, ou laborou em erro de entendimento a permitir supor que razoavelmente seria proprietário. (SILVA PEREIRA, Caio Mário da. Instituições de Direito Civil cit. – Direitos Reais, v. 4, pág. 119)

O justo título presume a boa-fé, presente na aquisição da posse e que se prolonga por todo o prazo, gozando o possuidor de presunção iuris tantum. Cabe ao réu provar a má-fé do autor.

LAFAYETTE RODRIGUES PEREIRA ensina que a boa-fé assenta-se na crença do possuidor que entende que a coisa sob sua posse lhe pertence. Ela decorre de erro de fato, que nasce da ignorância do vício ou obstáculo que impede a transferência do domínio, como se a coisa não era do alienante ou ele não tinha o poder de aliená-la, e o possuidor não o sabia. Acresce que o erro de fato só é aceito se escusável, ou seja, quando não existir negligência culposa. Se má-fé se instala, fica prejudicada a posse que ainda pende de consumação. E conclui dizendo que boa-fé e justo título são coisas distintas, mas que o justo título estabelece a presunção de boa-fé. (PEREIRA, Lafayette Rodrigues. Direito das Cousas. Rio, Freitas Bastos, § 69, p. 171)

O parágrafo único do art. 1.242 do Código Civil introduz a figura da usucapião ordinária com prazo reduzido para cinco anos. Para tanto é necessário que o haja aquisição onerosa do imóvel com registro do título, vindo este a ser posteriormente cancelado, desde que os possuidores nele tiverem estabelecido a sua moradia, ou realizado investimentos de interesse social e econômico. São duas as situações previstas como requisito da usucapião, além da posse e o cancelamento do título: utilização do imóvel para moradia, ou a realização de investimentos de interesse social e econômico. O que a Lei civil diz é que, nas condições indicadas, o possuidor deu ao imóvel sua destinação econômica ou social.

9- A Lei n. 12.424, de 16 de junho de 2011, introduziu o art. 1.240-A, no Código Civil, incluindo nova espécie de usucapião, que pode ser denominada como usucapião especial com prazo reduzido, ou usucapião familiar, ou usucapião especial urbana regular.

Seus requisitos são: a) posse por dois anos sem interrupção ou oposição; b) a posse deve ser direta, e com exclusividade; c) a objeto é imóvel urbano de até 250m2 (duzentos e cinquenta metros quadrados); d) que a propriedade seja dividida com ex-cônjuge ou ex-companheiro que abandonou o lar; e) utilização do imóvel para sua moradia ou se sua família; f) que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural.

O que se busca é a aquisição da propriedade plena sobre o imóvel, ou seja, o usucapiente passa a ter a propriedade integral do imóvel.

A posse é reduzida, devendo se estender por dois anos, sem interrupção ou oposição, aspecto já examinado quando abordei a usucapião extraordinária.

A posse deve ser direta e incidente em imóvel com área de até 250m2. (duzentos e cinquenta metros quadrados). A área é a mesma da usucapião coletiva e da usucapião prevista no caput do art. 1.240.

A posse será necessariamente a direta, e o abandono do lar é que enseja o pedido, prolongando-se por 02 (dois) anos.

Legitima-se ativamente o ex-cônjuge ou ex-companheiro. Aquele que abandona o lar deve se resguardar, para que sua ausência, pelo prazo citado, não enseje o pedido pelo que continuou morando no imóvel. Nessa linha, conveniente que o notifique o que ficou com a posse direta, anualmente, dando-lhe conta de que não abriu mão do seu direito sobre o imóvel. Instalada qualquer disputa entre os eles, a posse não se caracteriza para fim de usucapião.

A pretensão não pode ser exercida se o autor for proprietário de outro imóvel rural ou urbano, e o pedido não será reconhecido mais de uma vez.

10- A Lei n. 10.257, de 10 de julho de 2001, regulamenta os arts. 182 e 183 da Constituição Federal, art. 9º, §§ 1º, 2ºe 3º, disciplina a usucapião especial de imóvel urbano.

O autor do pedido deverá provar que é possuidor da área ou edificação urbana de até duzentos e cinquenta metros quadrados. O lapso de tempo é de 05 (cinco) anos, sem interrupção ou oposição. A utilização do imóvel deve ser para moradia do possuidor ou de sua família, não podendo ser proprietário de outro imóvel rural ou urbano.

O Estatuto da Cidade admite como objeto tanto a área como a edificação, ao contrário do que se dá com a hipótese prevista no art. 1.240 do diploma civil, que faz referência apenas a área urbana. A referência a edificação sustenta a possibilidade de usucapir unidade autônoma? Pessoalmente não vejo como seja possível admitir a usucapião em relação a unidade autônoma, porque a finalidade dos arts. 182 e 183 da Lei Maior é “ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes”. Usucapir apartamento com a área prevista não atende a esse objetivo, a menos que se admita fissura no sistema, porque o art. 183 da Constituição Federal refere-se a área de terreno. Se há edificação no terreno, com certeza o que se pretende é que se trate de edificação e não unidade autônoma. (VIANA, Marco Aurelio S., Comentários ao Novo Código Civil cit. v. XVI, pág. 169)

O herdeiro legítimo (art. 1.829 do CC), para efeito da usucapião prevista na Lei especial, continua de pleno direito a posse de seu antecessor, sob a condição de que já resida no imóvel por ocasião da abertura da sucessão.

O art. 13 dispõe que a usucapião posse ser alegada como matéria de defesa, devendo o réu servir-se da contestação.

O rito dessa modalidade de usucapião está previsto no art. 14, sendo obrigatória a intervenção do Ministério Público. Os benefícios da assistência judiciária envolvem até mesmo as despesas com cartório de registro de imóveis. A sentença que reconhecer a usucapião é título para registro no Cartório de Registro de Imóveis.

O art. 11 estatui que na pendência da ação fiquem sobrestadas quaisquer ações, petitórias ou possessórias envolvendo o imóvel.

11- O Estatuto da Cidade (Lei n. 10.257, de 10 de julho de 2001), disciplina a usucapião coletiva. ( art. 10 e seus parágrafos)

O art. 10, caput enumera os requisitos, da seguinte forma: a) ocupação da área por população de baixa renda. O dispositivo legal fala em ocupação que é modo de aquisição coisa móvel (art. 1.263 do CC) Há impropriedade técnica na terminologia adotada. O correto é que se dissesse que a área seja objeto de posse da população; b) o exercício da posse se faz por população de baixa renda, ou seja, o pedido somente poderá ser formulado se os autores estiverem na situação indicada. Não basta a posse e ser exercida por várias pessoas. É indispensável que os possuidores provem sua condição de pessoas de baixa renda; c) a área possuída deve ter pelo menos duzentos e cinquenta metros quadrados, sendo esse o limite mínimo; d) os autores, nas condições indicadas, devem utilizar a área para moradia. A finalidade é garantir habitação para pessoas de baixa renda; e) a posse deve ser sem interrupção e oposição pelo prazo de cinco anos. A noção de posse continua e sem oposição foi abordada no estudo da usucapião extraordinária; f) a área deve estar em comum, ou seja, haja composse; g) os possuidores não podem ser proprietário de outro imóvel urbano ou rural.

A Lei especial admite a acessão de posse (ar. 1.243 do CC)

A usucapião especial coletiva é declarada por sentença, que serve como título para registro no cartório de registro de imóveis.

A aquisição da propriedade se faz em condomínio, que o Estatuto da Cidade denomina como especial. Na sentença o Juiz atribuirá fração ideal do terreno a cada possuidor. A atribuição de fração ideal é obrigatória, o que independe da dimensão da área que cada possuidor ocupe. A regra é que a fração ideal de cada um dos possuidores seja a mesma, independentemente da área ocupada. Abre-se exceção quando os condôminos estabelecem, em documento escrito, frações ideais diferenciadas. Entendo, como já o disse anteriormente (VIANA, Marco Aurelio S., Comentários ao Novo Código Civil cit., v. XVI, pág. 173), que o documento escrito deve vir com a inicial, ou ser apresentado antes da sentença.

O condomínio especial criado pela sentença exarada na ação é indivisível, não podendo ser extinto senão por deliberação favorável tomada por no mínimo dois terços dos condôminos, no caso de execução de urbanização posterior à constituição do condomínio. A deliberação é tomada em assembleia geral com convocação de todos os condôminos. Ao contrário do condomínio voluntário, que pode ser extinto a qualquer tempo (art. 1.320 do CC), o condomínio decorrente da usucapião coletiva conhece a restrição apontada. A não convocação de condômino implica em nulidade da deliberação.

Com pertinência à administração do condomínio especial, as deliberações serão tomadas pela maioria dos votos de condôminos presentes, obrigando aos discordantes ou ausentes. A meu sentir, deve haver convocação prévia dos condôminos.

Aplica-se a essa espécie de condomínio a regras previstas, no diploma civil, relativas ao condomínio edilício, no que couber.

12- A usucapião é reconhecida mediante sentença declaratória de propriedade (arts. 1.238 e 1.241 do CC; § 2º do art. 10 da Lei n. 10.257 de 10 de julho de 2001.) A sentença deverá ser registrada. (art. 176, n. 28 da LRP)

O Código de Processo Civil de 1973 inseria, no rol dos procedimentos especiais, a ação de usucapião de terras particulares, arts. 941 a 945.

A Lei processual civil de 2015 não dá o mesmo tratamento, o que faz com que a ação seja obtida em ação que se desenvolve pelo procedimento comum. (art. 318 do CPC/2015)

O CPC/2015 introduz, no direito pátrio, a usucapião administrativa, art. 1.071, Livro Complementar, alterando a Lei n. 6.015, de 31 de dezembro de 1973 (Lei dos Registros Públicos), que passa a vigorar acrescida do art. 216-A. O que o diploma processual fez foi disciplinar um procedimento extrajudicial e cartorário.

Estudo a usucapião reconhecido mediante sentença, ficando o extrajudicial para outro artigo.

Nessa linha, o autor deverá atender, na petição inicial, ao comando do art. 319, I a IV do CPC/2015, que será instruída com os documentos indispensáveis à propositura da ação. Em se tratando de prova de posse, além de documentos que evidenciem a posse, como, por exemplo, contrato de cessão da posse, projeto de obras em nome do possuidor, obras realizadas no imóvel, provadas com alvará expedido pelo Município, etc. Além disso, deverá especificar as provas que provarão os fatos alegados.

Na inicial o autor deverá descrever o imóvel. ADROALDO FURTADO FABRÍCIO enfatiza, no estudo do CPC/1973, em lição que se aplica no direito vigente, que “no caso específico da ação de usucapião, caracterizar com toda precisão o imóvel usucapiendo. É vital a importância do ponto. À parte a necessidade de correspondência entre petitum e decisum, e, portanto de ser o imóvel descrito com suas características e confrontações, para poder ser ao fim individualizado com exatidão na sentença, há mais a ponderar a particularidade de esta o título transcritível, donde a inarredável necessidade de se conterem na inicial, pelo menos, os elementos identificadores exigíveis para o registro, hoje explicita e até rigidamente especificados na Lei de Registros Públicos (nº 6.015, de 32 de dezembro de 1973), art. 225. Pode-se aduzir, mais, que a descrição das linhas divisórias serve não apenas à individualização da coisa, mas também à identificação dos confrontantes, que são réus certos. Mesmo quando se cuida da usucapião de “sobras” (áreas excedentes das tituladas e possuídas com e tas como um só imóvel contínuo) o requisito é exigível, com a diferença de ser feita a descrição do todo, de modo que os confrontantes a serem citados são os da gleba toda”. (FABRÍCIO, Adroaldo Furtado. Comentários ao Código de Processo Civil. Rio, Forense, 1980, v. VIII, t. III, pág. 667)

Efetivamente, além da relação petitum/decisum, indispensável para que haja individualização do imóvel na sentença, a discriminação do imóvel na peça inicial. O art. 225 da LRP determina que nos autos judiciais cabe às partes indicar, com precisão, as características, as confrontações e as localizações dos imóveis, ou seja, que ele seja discriminado. A sentença é o título a ser registrado, e ele necessariamente deverá conter a individualização e descrição do imóvel usucapiendo.

A seu turno o art. 176, 28 da LRP determina o registro da sentença, o que se faz independentemente da regularidade do parcelamento do solo ou da edificação. Ao contrário do registro derivado, que fica atrelado ao registro anterior, o mesmo não se dá em aquisição originária, como é o caso da usucapião. Por isso não se atende ao princípio da continuidade, nesse particular. SEBASTIÃO RODRIGUES DA COSTA adverte que importa para a usucapião a posse, o lapso de tempo, entendendo, com acerto, que os demais aspectos são “acidentais”, ou seja, se é aprovado, o não, se a planta está aprovada, ou não, se há necessidade de apresentação de CND/INSS, ou não, “e, até mesmo, se, existindo registro anterior, há algum vínculo ou ônus incidente sobre o imóvel”. (COSTA, Sebastião Rodrigues da. Registro de Imóveis cit. pág. 93)

A toda evidência, nas hipóteses previstas no art. 176, 28 da LRP, há permissão legal de registro de imóvel irregular. Entendo, contudo, que as edificações não podem fugir das normas municipais sobre edificações e devem ser regularizadas pelos adquirentes junto ao Poder Público municipal, após o registro da sentença.

O CPC/1973 determinava que o autor devesse expor, na inicial, o fundamento do pedido. (art. 942) O art. 319, III do CPC/2015 inclui entre os requisitos da petição inicial o fato e o fundamento jurídico do pedido, o que permitir dizer que a inicial da ação de usucapião deverá esclarecer que o autor é possuidor, a natureza e origem da posse, o lapso de tempo de seu exercício, a usucapião que pretende. E ainda que o fundamento legal não esteja correto, ou que a espécie admita mais de uma usucapião, em homenagem ao princípio da mihi factum, dabo tibi ius – exponha o fato, direito o direito; ou iura novit curia – o juiz conhece o direito, o magistrado está em condições de decidir. Exemplifico: o autor da ação expõe os fatos (posse, lapso de tempo, natureza e origem da posse) e entende que cabem mais de uma espécie de usucapião, demonstrando e indicando os dispositivos legais indicados. O juiz não fica adstrito senão aos fatos, e pode decidir por uma das espécies indicadas, ou até por outra, desde que seu entendimento seja devidamente fundamentado.

Busco o magistério de ELPÍDIO DONIZETTI NUNES, ensinando que o fato e os fundamentos jurídicos do pedido, “isto é, a causa petendi, é o nexo que existe entre ela e o efeito jurídico afirmado (o pedido),ou, em outras palavras, a razão por que ao fato narrado se deve atribuir esse efeito. Não é indispensável a especificação da norma jurídica (o artigo de lei) que supostamente atribui o efeito ao fato (iura novit cúria), aliás, o erro na qualificação jurídica do fato não tem qualquer relevância para o deslinde da lide”. (NUNES, Elpídio Donizetti. Curso Didático de Direito Processual Civil. Belo Horizonte, Del Rey, 1998, 1998, pág. 224)

Se a posse está alicerçada em posse anterior, por acessão ou sucessão, o fato deve constar da petição inicial, integrando o fato. É possível que tenha havido uma cessão de posse. Nesse caso, se houver documento, deverá ser apresentado, mas cabe ao autor do pedido provar que o possuidor anterior exercia a posse.

O autor atenderá, no mais, aos requisitos do art. 319, I a VII do CPC/2015.

O requisito do inciso II, que envolve a qualificação das partes, permite ao autor, não dispondo ele das informações exigidas, faça pedido de diligência ao juiz, o que deverá vir exposto na inicial. (§ 1º do art. 319 do CPC/2015) Mas a petição inicial não será indeferida se não for atendido o requisito do inciso II, quando a obtenção das informações tornar impossível ou excessivamente oneroso o acesso à justiça.

De qualquer forma, entendo que o autor deverá ter cautela, porque ainda que a inicial não seja indeferida, o pedido poderá sê-lo, ao final.

O autor deverá instruir a inicial com o registro imobiliário atualizado, onde consta o nome daquele em cujo nome está registrado o direito de propriedade, que é o réu da ação. Se não houver registro do imóvel em nome de alguém, a ação correrá contra réu incerto e não sabido, com citação por edital.

Quanto as confinantes, devidamente qualificados na petição inicial, serão citados pessoalmente, exceção feita quando o objeto for unidade autônoma de prédio em condomínio, caso em que tal citação é dispensada. (art. 246, § 3ºdo CPC/2015)

O art. 259 do CPC/2015 determina a expedição de editais em ação de usucapião.

A petição inicial, que apresente vício decorrente da falta de informações a que alude o inciso III, não será indeferida, se for possível a citação do réu. (§ 2º)

Será dada ciência à União, ao Estado, ao Distrito Federal e ao Município, para que se manifestem.

O pedido será no sentido de ser declarada a propriedade sobre o imóvel objeto da ação.

Obtida a sentença, ela será levada ao registro imobiliário, não para aperfeiçoar a aquisição, mas para dar publicidade quanto ao novo proprietário, surtindo efeito erga omnes, permitindo que ele possa alienar o imóvel. Quanto ao princípio da continuidade, no que se refere a parcelamento irregular, esse princípio é quebrado. E o registro se faz à vista do que constar da sentença. O mesmo vale quando às edificações.

Sendo modo de aquisição originário, as vicissitudes pelas quais passou o imóvel, ou seja, ônus que sobre pairem, não são obstáculo ao pedido, desde que, além do proprietário do imóvel, que é o réu na ação, ao feito compareçam aqueles que tiverem direito decorrente de direito real.

Na usucapião extrajudicial, previsto pelo art. 1.071 do CPC/2015, e que acresceu o art. 216-A à LRP, a presença dos titulares de direitos reais e de outros direitos registrados ou averbados na matrícula do imóvel usucapiendo e na matrícula dos imóveis confinantes, é exigência prevista no inciso II do art. 216-A. Se não assinarem a planta que deve acompanhar o pedido, e verificando o oficial que existem titulares de direitos reais, cabe a ele promover a notificação para que manifestem o seu consentimento.

Penso que se o juiz apurar a existência, na certidão de registro do imóvel que existem titulares de direitos reais, deve determinar sua citação para que concordem, ou não, com a pretensão deduzida pelo autor, e dessa forma tenham seus direitos preservados, opondo-os ao novo proprietário.

O entendimento anterior à Lei processual civil de 2015, no sentido de que os ônus reais, como hipoteca e anticrese, não subsistem, reclama exame sob nova ótica. Se há previsão legal para a usucapião extrajudicial, determinando a presença dos titulares de direitos reais, e à míngua de procedimento especial para a usucapião judicial, haveria tratamento legal diverso, o que não se justifica.

A presença de titular de direito real é necessária, porque caberá a ele defender seu direito, opondo-se à usucapião, porque se o pedido for julgado procedente, e sendo a aquisição originária, os direitos reais ficarão prejudicados, porque a propriedade do autor da ação alcança todo o período da posse, desde sua aquisição, o que prejudica direitos reais que tenham sido constituídos pelo proprietário, pela perda da titularidade do direito de propriedade no lapso de tempo pertinente à posse para usucapir.

Não se deve perder de vista que com o registro da usucapião ficam prejudicados registros ou averbações anteriores, e os ônus perdem eficácia. Por essa razão é que o art. 216-A da LRP, introduzido pelo CPC/2015, exige o consentimento ou a notificação dos titulares de direitos reais, solução que alcança o pedido que seja formulado judicialmente.

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