Dr. Marco Aurelio S. Viana

Advocacia Cível

ARTIGOS

Da aquisição da Propriedade Imóvel. Modos de Aquisição. Aquisição pelo Registro do Título. Código Civil e Lei dos Registros Públicos. Do Processo de Registro. Finalidades do Registro. Registro e Averbação. Dúvida. Princípios.

Marco Aurelio S. Viana
Doutor em Direito Civil (UFMG) – Advogado em Belo Horizonte

28/07/2015

Resumo: o artigo cuida dos modos de aquisição da propriedade imóvel, a disciplina do Código Civil e a regulamentação da Lei dos Registros Públicos, a aquisição entre vivos.

Palavras chaves: Aquisição da propriedade por ato entre vivos. Registro do título. Lei dos Registros Públicos. Processo de registro de imóvel. Dúvida. Princípios.

 

1- Pondera CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA que “cada sistema jurídico tem os seus princípios específicos relativamente à aquisição da propriedade, que se pode entender como a personalização do direito num titular. Com efeito, a propriedade é o direito subjetivo padrão, dado que confere ao sujeito toda uma gama de poderes, e encontra na ordem jurídica toda sorte de proteções: a Constituição Federal o assegura, o Direito Civil o desenvolve, o Direito Processual oferece as ações defensivas, o Direito Penal pune os atentados contra a propriedade, o Direito Administrativo disciplina vários dos seus aspectos. Cumpre então verificar por que meios a propriedade, como direito, adere ao proprietário como sujeito, e minudenciar as causas ou os fatos jurídicos hábeis a gerar para alguém a titularidade do direito. Qualquer que seja, todavia, a modalidade aquisitiva, três são os pressupostos gerais de sua ocorrência: pessoa capaz de adquirir; coisa suscetível de ser adquirida; um modo de adquirir”. (Instituições de Direito Civil – Direitos Reais. Rio, Forense, 19 ed., v. IV, n. 302, pág. 115, atualizado por Carlos Edison do Rêgo Monteiro Filho)

Efetivamente, não há solução uniforme na regulamentação da aquisição da propriedade. Há sistema que contempla o ato constitutivo da relação jurídica (negócio jurídico) tendo-o, por si só, como hábil a produzir o efeito translativo; outro, reclama o título e outro ato para que se aperfeiçoe a aquisição, que é o registro. Encarece ORLANDO GOMES que “por outras palavras mais simples: o contrato, ou outro ato jurídico, transfere por si só, o domínio de uma coisa?” (GOMES, Orlando. Direitos Reais. Rio, Forense, t. 1º, ed. 1969, pág.162, n. 193)

No sistema romano prevalecia o brocardo “traditionibus et usucapionibus dominia rerum, non nudis pactis transferuntur”, ou seja, a propriedade se transfere pela tradição, e não por simples pactos. Naqueles tempos exigia-se a tradição, mas não apenas ela, reclamando a ocorrência uma justa causa. Necessária a presença do título, que, por si só, não era hábil a transferir, devendo se unir ao modo, que só transferia se o título fosse justo.

No direito francês, basta o título para que se opere a transferência da propriedade, sendo dispensado o modus. O título é suficiente para que se produza o efeito translativo. Essa solução foi adotada antes pelo direito anterior ao diploma civil de 1916.

O sistema francês é consensualista, e foi acolhido pelo direito argentino, italiano, português, entre outros.

Não se confunde o sistema francês com o alemão, porque neste há abstração da causa: uma coisa é o negócio jurídico que cria a obrigação de transferir, e outra aquele ato que a transfere, que se opera pelo registro no Cartório de registro imobiliário. No direito alemão o registro é abstrato, porque a transmissão da propriedade não depende do contrato de compra e venda.

No direito brasileiro a transmissão da propriedade reclama o título (acordo de vontade de cria o direito pessoal ou de crédito, que vem em instrumento público ou particular, conforme o valor do imóvel) e o modo (a forma a que a lei atribui força para transferir o domínio, no caso, o registro) Há vinculação entre os dois elementos, e por isso o modo só transfere se o título for justo, consubstanciando o registro uma tradição solene.

2- Os modos de adquirir a propriedade imóvel classificam-se em originários e derivados.

Na aquisição originária não há qualquer relação de causalidade entre o proprietário atual e o estado jurídico anterior. É o que se passa com a usucapião. O antigo proprietário não transmite o direito ao novo “dominus”. Não se estabelece relação de transferência entre eles. É o que se dá, também, com a arrematação.

Na aquisição derivada há relação entre o precedente e o consequente sujeito de direito.

No direito pátrio, como dito – e está na dicção do art. 1.245 do Código Civil – a transferência entre vivos se faz mediante registro do título translativo no Registro de Imóveis. Era assim no direito anterior, sob o império do Código Civil de 1916.

Cuida-se de aquisição derivada, ou seja, há vinculação entre a aquisição pelo novo proprietário e o anterior. A personalização no novo proprietário do direito está ligada ao dono anterior.

A usucapião é modo de aquisição originária, porque a propriedade vai surgir no proprietário sem qualquer relação entre ele e o então proprietário. Sua disciplina se faz pelo Código Civil, arts. 1238 a 1.244, que contempla suas várias modalidades. Há previsão no art. 183 da Lei Maior e no arts. 9º e 10 da Lei n. 10.257/2001, que cuida da usucapião especial de imóvel urbano.

Adquire-se a propriedade pela abertura da sucessão, também. (art.1.784 do CC)..

O Código Civil disciplina a aquisição pela acessão, em suas várias modalidades, entre os modos de aquisição, conforme previsto nos arts. 1.248 e seguintes.

Nessa linha é possível alinhar os modos de adquirir ia propriedade imóvel da seguinte forma: a) pelo registro do título; b) pela usucapião; c) pela acessão; d) pelo direito hereditário.

3- O art. 1.245 do diploma civil enuncia que “transfere-se a propriedade entre vivos a propriedade mediante registro do título no Registro de Imóveis”. É forma de aquisição da propriedade imóvel peculiar à propriedade imobiliária. (Orlando Gomes, Direitos Reais, t. 1º, pág. 171, n. 111)

Para que a transmissão da propriedade opere é indispensável que o antigo proprietário transfira o direito ao novo proprietário, porque a aquisição é derivada. Não basta o título, sendo indispensável que o processo de aquisição se complete pelo registro do título no Cartório de Registro de Imóvel. O registro é que cria o direito real.

Há, contudo, uma relação de causalidade entre o título e o registro, não se fazendo abstração da causa, como se dá no sistema alemão.

Falando em título, a Lei civil refere-se ao instrumento público, ou particular, em que se reduz o acordo de vontade entre o que transmite a propriedade e o adquirente, mantendo-se a natureza causal. Isso significa que o instrumento eivado de vício afeta o registro, ao contrário do que se passa no direito alemão. É pelo título que se comprova a aquisição do direito de propriedade. No título está a obrigação ajustada entre as partes envolvendo a transmissão do direito de propriedade.

4- O título dever levado ao registro de imóveis e somente com o registro é que se tem o efeito translativo do negócio jurídico, nas transmissões entre vivos. (art. 1.245, caput, do CC)

Tomando o art. 108 do diploma civil é possível concluir que a regra é o acordo de vontade vir em escritura pública. Efetivamente o dispositivo citado determina que “não dispondo a lei em contrário, a escritura pública é essencial à validade dos negócios jurídicos que visem a constituição, transmissão, modificação ou renúncia de direitos reais sobre imóveis de valor superior a trinta vezes o maior salário mínimo vigente no Pais”.

A regra é que a transmissão opere mediante escritura pública. Admite a Lei civil, no entanto, que se obtenha o fim colimado mediante instrumento particular, quando o imóvel, objeto do negócio jurídico, tenha valor inferior a trinta vezes o maior salário mínimo.

A forma particular é admitida não apenas na hipótese de imóvel de valor inferior a trinta vezes o maior salário mínimo. Ela é utilizada, também, para imóveis negociados mediante financiamento imobiliário (art. 221, II da Lei dos Registros Públicos; Lei n. 7.422 de 18/12/1985); em casos de incorporação de capital com imóvel, a certidão de constituição e de alteração de sociedades mercantis, passada pelas Juntas Comerciais, em que forem arquivados, é hábil à transferência e admitem registro no Cartório de Registro de Imóveis (art. 64 da Le in. 8.934/1994); a certidão dos atos constitutivos da companhia, passada pelo registro do comércio em que foram arquivados, será o documento hábil para a transferência, devendo ser levada ao registro imobiliário (art. 9, § 2º da Lei n. 6.494/1976), e quando se cuida de imóvel loteado.

A Lei n. 9.785/199 introduziu na Lei n. 6.766/79 o § 6º dispondo que “os compromissos de compra e venda, as cessões e as promessas de cessão valerão como titulo para registro da propriedade do lote adquirido, quando acompanhado da respectiva prova de quitação”.

A solução da Lei citada é salutar e reduz o custo para o adquirente, e devia ser admitida em relações jurídicas envolvendo toda e qualquer transmissão da propriedade.

O STJ expediu o enunciado 87, nos seguintes termos:
“87- Art. 1.245: Considera-se também título translativo, para fins do art. 1.245 do novo Código Civil, a promessa de compra e venda devidamente quitada (art. 1.417 e 1.418 e § 6º do art. 26 da Lei 6.766/79)

O art. 41 da Lei em estudo admite que o adquirente, que tenha liquidado o preço do contrato, possa obter o registro da propriedade do lote, valendo-se do compromisso de compra e venda.

Nos comentários que fiz ao ar. 41 observei que a aquisição do domínio se faz sem necessidade do instrumento público, “valendo apenas o compromisso de compra e venda”. (Comentários à Lei sobre Parcelamento do Solo Urbano, Saraiva, 2ª. ed., pág. 130; A respeito do tema: Sérgio A. Frazão do Couto, Manual Teórico e Prático do Parcelamento Urbano. Rio, Forense, 1981, pág. 347, § 574)

Sendo a regra a adoção da forma pública, mister atender ao que determina o art. 215 do diploma civil: a escritura é lavrada em notas do tabelião e o documento é dotado de fé pública, fazendo prova plena me relação ao ajuste entre as partes.

No estudo desenvolvido sobre o artigo citado, firmei que “a escritura pública, lavrada em notas de tabelião, é documento dotado de fé pública, fazendo prova plena. É o mais importante dos instrumentos do Direito Pátrio (Otávio Uchoa da Veiga). Ela é o ato em que as partes comparecem perante o oficial público, manifestam seu propósito negocial e ultimam o ajuste, sendo o ocorrido anotado pelo tabelião em livro próprio (Silvio Rodrigues). O seu conteúdo é tido como verdadeiro, até que se prove em contrário, pois o oficial goza de fé pública (…). Como documento público, a escritura faz prova material dos negócios jurídicos de que são a forma exterior. Realizado perante o notário, faz a lei decorrer da sua fé pública a autenticidade do ato, “no que diz respeito às formalidades exigidas, e, se alguém levantar dúvida, deve dar prova cabal da postergação. Relativamente ao conteúdo da declaração, temos presunção de autenticidade, “no sentido de que se tem como exata a circunstância de que o agente a faz, nos termos constantes do texto. Mas é de se distinguir a inexatidão ou falsidade material, incompatível com a autenticidade do ato notarial, com a falsidade ideológica ou intelectual, pela qual não responde o oficial público, e que se positiva no descompasso entre o conteúdo do ato e a verdade. A falsidade material, quando alegada, atenta contra a honorabilidade do oficial; a falsidade ideológica tange às pessoas que participam do ato, poupando, em regra, de acusação o notário”. Efetivamente, a escritura pública recepciona a verdade das partes do negócio jurídico, que o oficial público fixa em seus assentos. Com isso, o negócio jurídico exterioriza-se e produz seus efeitos, gozando a presunção de ser autêntico o que nela se contém, que decorre da fé pública do notário. Assim é por força do que dispõe o art. 3º da Lei n. 8.935/1994, que atribui ao notário, ou tabelião, a fé pública. E o art. 1º da Lei especial, dispondo a respeito dos serviços notariais, diz que eles são de organização técnica e administrativa, sendo destinado a garantir publicidade, autenticidade, segurança e eficácia de atos jurídicos. Os negócios jurídicos ganham em autenticidade e ficam documentados. Por isso Caio Mário da Silva Pereira ressalta que, em relação ao conteúdo da declaração, vigora a presunção de autenticidade. E a autenticidade alcança, também, a forma (v. arts. 108, 1640, parágrafo único, e 1.653)”. (VIANA, Marco Aurelio S., Código Civil Comentado – Parte Geral. Rio, Forense, 2009, pág. 687)

Abordando as provas no direito civil, CARLOS ALBERTO GOULART FERREIRA, no estudo da prova documental, enfatiza que “em relação ao instrumento público, o Código Civil indica os seus requisitos, estabelecendo a “ciência” do teor do documento como um de seus elementos construtivos (artigo 215, § 1º, incisos IV, VI e VII). Essa especial disposição vem de encontro com a Teoria da Confiança, adotado pelo sistema civil, por meio da qual a ciência mútua e completa do objeto contratado é imprescindível. É a cognição bilateral de origem grega. – Perfeitamente constituído, o documento público é dotado de fé pública e faz prova plena. É imperiosa essa presunção, pois não devemos nos esquecer do princípio da segurança jurídica dos negócios, que reclamam, acima de tudo, a validade do negócio realizado e a força persuasiva da prova constituída”. (FERREIRA, Carlos Alberto Goulart, Teoria Geral do Direito Civil, São Paulo, Atlas, pág. 838, coordenação Renan Lotufo e Gioovanni Ettore Nanni)

Nesse passo o ensinamento de MARCELO RODRIGUES, que destaca a fé pública e força probante plena da escritura pública, como ato notarial, e se reporta ao art.1º, § 2º da Lei das Escrituras (LE) e ao art. 1º, II de seu Decreto 93.240, de 1986, onde se encontram os requisitos inerentes à regularidade de escritura pública que “implique transferência de domínio ou de direitos relativamente a imóvel, bem assim constituição de ônus reais:”. (RODRIGUES, Marcelo.Tratado de Registros Públicos e Direito Notarial. São Paulo, Atlas, 2014, pág. 298)

A escritura pública está sujeita a vícios invalidantes (art. 166 e ss. do CC), que levam à sua nulidade, bem como apresentar defeitos (art. 138 e ss. do CC), que desembocam em anulação. Vindo nulidade ou anulação, há reflexo no registro imobiliário. O raciocínio vale para o instrumento particular.

O Código Civil, art. 215, §1º, I a VII, enumera os requisitos da escritura pública, sendo que outros podem ser exigidos por lei. (A respeito: Lei n. 7.433/1985 e Decreto n. 93.240/1986; VIANA, Marco Aurelio S.. Código Civil Comentado – Parte Geral cit., pág.685 e ss.)

Se o proprietário vende o mesmo imóvel para duas pessoas, por exemplo, a transferência se dá em favor daquele que promoveu o registro do título em primeiro lugar. Isso ocorre nas transmissões entre vivos, alcançando a compra e venda, a permuta, a doação, a dação em pagamento, e outros atos translativos, enumerados no art. 167 da Lei dos Registros Públicos.

Observo que o mesmo efeito produz a procuração em causa própria (in rem suam ou in rem propriam), que é representação na forma e alienação em sua essência. No seu aspecto formal, sendo negócio que objetiva a transmissão da propriedade, reclama o preenchimento de todos os requisitos necessários à validade dos atos de liberalidade ou onerosos. Não é bastante que conste do instrumento a expressão em causa própria. (A respeito do tema: art. 685 do CC; VIANA, Marco Aurelio S. , Curso de Direito Civil – Contratos. Rio, Forense, 2008 pág. 313; GOMES, Orlando. Contratos. Rio, Forense, 1966, n. 282)

5- Nas transmissões entre vivos, o título translativo (particular ou público, conforme o caso) deve ser levado ao Cartório de Registro de Imóveis, e somente com o registro tem-se por aperfeiçoada a transferência do direito de propriedade. (art. 1.245, caput, do CC) Enquanto não ocorrer o registro, o alienante continua a ser havido como dono. (§ 1º do art. 1.245 do CC)

O registro presume que o direito real pertence à pessoa em cujo nome ele está registrado. Essa a sua força probante. A presunção é relativa e somente é afastada pelo cancelamento do registro. Enfatiza CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA que “embora lhe falte o caráter de presunção iures et de iure, a importância do registro é fundamental na organização jurídica da propriedade brasileira, não somente porque a lei proclama o registro como causa determinante da aquisição da propriedade, como, ainda, porque se infirma o registro por autoridade do seu oficial, há de resultar de uma sentença judicial proferida em processo contencioso, no qual se reconhecerá ao réu a mais ampla defesa”. (SILVA PERERA, Caio Mário da. Instituições cit. – Direitos Reais cit.,vol. IV, pág. 118, n. 303)

O art. 1.275, parágrafo único do Código Civil, cuidando da perda de propriedade, enfatiza que ela se dá pela alienação, que depende do registro do título transmissivo no Registro de Imóveis.

O art. 172 da Lei dos Registros Públicos estatui que no registro imobiliário sejam feitos os registros e as averbações dos títulos translativos de direitos reais sobre imóveis reconhecidos em lei.

Em síntese: “a transferência da propriedade entre vivos opera mediante o registro do título translativo no Registro de Imóveis, como está na dicção do art. 1245; e se o adquirente não promove o registro do título, “o alienante continua a ser havido como dono do imóvel” (§ 1º do art. 1.245), porque o título assegura o direito pessoal, e somente com o registro é que nasce o direito real”. (Marco Aurelio S. Viana, Comentários ao Novo Código Civil cit., vol. XVI, 4ª ed., pág. 205)

Está dito no item n. 2, supra, que o título pode apresentar vício invalidante, ou defeito, o que reflete no registro, levando ao seu cancelamento. Pode acontecer, ainda, que o título seja válido e eficaz, mas o registro inválido.

De qualquer forma, o registro, enquanto não for cancelado, produz todos os efeitos legais, “ainda que, por outra maneira, se prove que o título está desfeito, anulado, extinto ou rescindido”. (art. 252 da Lei dos Registros Públicos) A eficácia do registro permanece, ainda que inválido o título. Somente após ação própria, em que se obtenha a invalidade do registro e o respectivo cancelamento, é que o adquirente deixa de ser proprietário. (§ 2º do art. 1.245 do CC)

O registro estabelece presunção juris tantum de veracidade dos assentamentos públicos. Uma vez efetivado presume-se que o direito real pertence à pessoa em nome de quem está o registro. Aquele que investe contra o registro é quem deverá provar em contrário. A solução legal tutela a boa-fé de quem contrata com base nele. (COSTA, Sebastião Rodrigues da, Registro de Imóveis – Comentários à Lei n. 6.015/75- Roteiro Registral Imobiliário. Belo Horizonte, Del Rey, 2008, pág. 269)

O fim do registro público, entre eles o de imóveis, é assegurar autenticidade, segurança e a eficácia dos atos jurídicos. (art. 1º da Lei de Registros Públicos) Acrescente-se a segurança, inserido entre as suas finalidades pela Lei n. 8.935/1994, que regulamentou o art. 236 da Lei Maior.

A autenticidade, em sede de registro de imóveis, refere ao registro em si, e não ao negócio causal ou ao fato jurídico de que se origina. Ele é seguro na medida em que oferece informações completas sobre a vida do imóvel. O imóvel objeto do registro é descrito de maneira única, afastando o risco de ser confundido por outro imóvel. Como encarece SEBASTIÃO RODRIGUES DA COSTA “a segurança tende a ser estática, vale dizer, o imóvel permanece único, enquanto se dinamiza, pela segurança do registro, o comércio jurídico”. (COSTA, Sebastião Rodrigues da. Registro de Imóveis cit., pág. 6); é eficaz porque produz efeitos jurídicos, que se apoiam na segurança dos negócios e declarações que neles ficam transpostos. “(Walter Ceneviva, apud VIANA, Marco Aurelio S., Comentários ao Novo Código Civil, v. XVI, 4ª. ed., pág. 208) E essa eficácia é erga omnes, o que prejudica qualquer alegação de desconhecimento do seu conteúdo, e obriga a todos.

Quanto à publicidade, observa MARCELO RODRIGUES que “tem duplo escopo de proteger e assegurar interesses distintos, o social e o privado. O objetivo traçado pela lei é a produção de notoriedade de um ato ou relação jurídica, dado que o interesse ali verificado transborda a esfera dos indivíduos nele diretamente envolvidos, decorrendo dessa notoriedade, como consequência da vontade da lei, a atribuição de efeitos específicos perante terceiros. – Em geral, a publicidade de determinado ato ou relação jurídica, quando prevista em lei, é obrigatória e produz efeito constitutivo. Diz-se, então, que em relação a seus efeitos, é provida de eficácia plena ou irrestrita”. (RODRIGUES, Marcelo. Tratado de Registros Públicos cit., pág. 13)

Na abordagem que faz da publicidade, SEBASTIÃO RODRIGUES DA COSTA enfatiza, no exame que procede do registro imobiliário, de indiscutível cunho prático, que ela, a publicidade, “implica em sérias consequências a quem adquire imóvel sem se portar comas necessárias cautelas, porque é defeso alegar desconhece o registro. Assim, se se adquire um imóvel sem se verificar a sua situação registral e o imóvel não pertence a quem lho vendeu, não terá o comprador direito real ou de propriedade sobre o tem. – De sorte que, tonando a propriedade conhecida, a publicidade implica em que todos serão obrigados a seus efeitos”. (COSTA, Sebastião Rodrigues da. Registro de Imóveis cit., pág. 10)

O oficial do registro imobiliário, uma vez recebido o título, promove sua prenotação ou protocolização, no Protocolo, ou seja, no Livro I (art. 174 da Lei dos Registros Públicos). Inicia-se, então, o processo de registro. Nesse livro se faz o apontamento de todos os títulos apresentados diariamente. A única exceção a essa regra, está no parágrafo único do art. 16 da Lei dos Registros Públicos, que dispensa formalidade quando o título é apresentado para exame e cálculo dos respectivos emolumentos. O efeito da prenotação é a prioridade que se dá ao título. A função principal do Livro I é permitir que se assegure a prioridade de cada registro, garantindo a precedência dos direitos reais apresentados a registro, que decorre da apresentação do titulo, e que obedece uma ordem cronológica.

O art. 182 da Lei dos Registros Públicos enuncia que todos os títulos tomarão, no Protocolo, o número de ordem que lhe competir, o que se faz em respeito à sequência rigorosa de sua apresentação. O número de ordem no protocolo determina a prioridade do titulo e preferência do direito real.

Feito o lançamento do título no Protocolo, o Oficial do Registro de Imóveis promove o exame de sua legalidade, procedendo à sua qualificação. O titular da serventia dispõe do prazo de 30 (trinta) dias para aferir a registrabilidade do título. Cabe ao oficial examinar o título no aspecto formal e causal, vale dizer, sua aptidão para promover a mudança do direito real e sua idoneidade formal. (CENEVIVA, Walter. Leis dos Registos Públicos Comentada. São Paulo, Saraiva, 3ª. ed., p. 244, nota 1, citando a apelação cível n. 251.775, do CSM TJSP, rel. Des. Acácio Rebouças, RT 489/117) O oficial responde administrativamente pelo retardamento na realização do registro. (art. 188 da LRP)

Dentro do prazo citado, procede-se ao exame do título apresentado. Poderá fazer exigência ao apresentante, o que se dá por escrito. Este poderá atender, ou não se conformar. Se não concordar o apresentante poderá ser suscitada dúvida.

Estando o título em ordem, promove-se o seu registro, no Livro II – Registro Geral, abrindo-se matrícula, se for o primeiro registro. (arts. 227 e 228 da LRP) A matrícula se faz à vista dos elementos que constam do título apresentado e do registro anterior que já teve assento na própria serventia imobiliária. (art. 196 da Lei dos Registros Públicos)

Uma vez registrado o título, opera-se a transmissão do antigo proprietário para o adquirente. A eficácia do registro se dá desde o momento em que se apesenta o título ao oficial do registro, e este promove a prenotação. (art. 1.246 do CC) Feito o registro, nestes serão lançadas todas as alterações pelas quais o imóvel passar, bem como as vicissitudes que o alcançarem, com ampla publicidade.

Se nada for apontado no exame do titulo, ou se a dúvida for julgada improcedente, o oficial promoverá o registro do título, no Livro n. 2 – Registro Geral. Este recebe a matrícula (primeiro registro), bem como o registro ou averbação dos atos relacionados no art. 167 da Lei dos Registros Públicos, que não forem atribuição do Livro n. 3 – Registro Auxiliar.

A matrícula é feita à vista dos elementos constantes do título apresentado e do registro anterior, que constar do próprio cartório. (art. 196 da LRP) O oficial pode buscar os elementos necessários à matrícula no título, ou extraí-los de assentamentos existentes em seu cartório, quando isso for necessário para o aperfeiçoamento da matrícula.

O registro se faz no Cartório de Registro de Imóveis da circunscrição em que estiver localizado o imóvel. E nenhum registro se fará antes que o imóvel esteja matriculado.

5-A Lei dos Registros Púbicos, além do registro, tem-se a averbação, cujo escopo e é advertir terceiros de determinadas circunstâncias. Ela se processa na matrícula ou à margem do registro. Ela não muda o registro, não lhe atinge a substância, implicando em uma modificação posterior ou sucessiva. Modifica sem alterar a essência.

Os atos sujeitos à averbação estão enumerados no art. 16, II da LRP. Além dos casos ali elencados, serão averbadas na matrícula as sub-rogações e outras ocorrências que, por qualquer modo, alterem o registro. (ar. 246 da LRP) É possível exemplificar com a mudança de lugar ou de tempo de pagamento, a troca de grau de hipoteca, sua prorrogação etc.

6-Observei que o Oficial do registro de imóveis pode fazer exigência para promover o registro do título. O apresentante pode não concordar com o entendimento do Registro de Imóveis, e para solucionar a pendência instalada, poderá pedir ao oficial que ele suscite dúvida. (arts. 198 a 204 da LRP)

O oficial, ao examinar o título, que lhe é submetido para registro, pode ter dúvida quanto à legalidade, ou apurar que há desconformidade entre o que diz o título com os lançamentos que constam do registro. Se isso ocorre, cabe-lhe apresentar exigência a ser cumprida pelo apresentante, visando esclarecer o questionamento. Não sendo atendido, o apresentante pode requerer que a documentação seja remetida a juízo, com a nota (petição) que o oficial assina, e é submetida à apreciação judicial, independentemente de impugnação pela parte apresentante.

A dúvida depende de iniciativa da parte, não do oficial do registro, em respeito ao princípio da instância. O juiz julga a dúvida e se não a acolhe, determina o registro.

A dúvida tem caráter administrativo, e é julgado pelo juiz competente, que decide a respeito da legitimidade da exigência feita, como condição do registro pretendido. (Walter Ceneviva, apud VIANA, Marco Aurelio S., Comentários ao Novo Código Civil, v. XVI, 4ª. ed., pág. 202)

O oficial fará anotação no Protocolo, à margem da prenotação, da ocorrência da dúvida. Após certificar, no título, a prenotação e suscitação da dúvida, rubricará todas as suas folhas. Em seguida dará ciência dos termos da dúvida ao apresentante, fornecendo-lhe cópia da suscitação, notificando-lhe para impugná-la, perante o juiz competente, no prazo de 15 dias. (art. 198, I, II e III da LRP)

Se a dúvida for julgada procedente, os documentos são restituídos à parte, dando-se ciência ao oficial da decisão, que fará consignar no Protocolo e cancelará a prenotação.

Se ela for julgada improcedente, os documentos serão apresentados novamente, com o respectivo mandado ou certidão da sentença, que ficará arquivada, procedendo-se ao registro, devendo o oficial declarar o fato na coluna de anotações do Protocolo (art. 203, I e II da LRF)

7- O registro imobiliário conhece princípios que o informam e que devem ser conhecidos porque eles orientam o julgador, dando sentido às normas legais, atuando com função interpretativa e se erigem como fonte do direito, se houver lacuna na lei. ( José Maria Chico y Ortiz, apud NETO, Narciso Orlandi, Retificação do Registro de Imóveis. Belo Horizonte: Del Rey pág. 55, 1997)

Não se encontra uniformidade de pensamento doutrinário em torno dos vários princípios. Como adverte, com propriedade, SEBASTIÃO RODRIGUES DA COSTA, não “há interesse prático em questionar esta ou aquela classificação. O importante é assentar que existem princípios do Registro Imobiliário basilares à validade e ao entendimento do sistema e pelos quais se percebe a importância do registro para a aquisição, conservação, modificação ou perda dos direitos reais e entendimento da propriedade”. (COSTA, Sebastião Rodrigues da. Registro de Imóveis cit., pág. 55)

Relaciono os seguintes princípios: princípio da publicidade, princípio da legalidade, princípio da obrigatoriedade (art. 1.245 do CC; art. 169, caput, da LRP), princípio da continuidade (arts. 195, 197, 222, 223, 225; § 2º, e 237 da LRP), princípio da especialidade (art. 176 da LRP), princípio da prioridade (art. 182 da LRP), princípio da presunção, princípio da instância. (art. 174 da LRP)

Princípio da publicidade. Qualquer pessoa pode obter no registro de imóveis informações a respeito da situação do imóvel. (art. 17 da LRP) Hoje o princípio em questão transmuda-se em uma das finalidades dos Registros Públicos, tema que já abordei no n. 3, supra.

Princípio da legalidade. Cabe ao oficial promover ao exame da legalidade do título que lhe é apresentado. Somente admitem registros os títulos previamente examinados pela serventia, cabendo ao seu titular comprovar sua legalidade, só podendo ser registrado título válido e perfeito. (Celestino Cano Tello, apud NETO, Narciso Orlandi, Retificação do Registro de Imóveis cit., pág. 73) Os interessados têm segurança quanto aos assentos, porque o registro foi efetivado pela ausência de irregularidades extrínsecas ou intrínsecas quando do exame do título. (SILVA PEREIRA, Caio Mário da., Instituições cit. – Direitos Reais cit., v. IV, pág. 124, n. 303)
Princípio da obrigatoriedade. Na dicção do art. 169 é possível ler que “todos os atos enumerados no art. 167 são obrigatórios e efetuar-se-ão no Cartório da situação do imóvel, (…), se cuja observância o direito real não se constitui”.

O art. 1.245 do Código Civil submete a transferência da propriedade entre vivos ao registro do título de translativo no Registro de Imóveis.

No art. 1.275, I do diploma civil estatui que “os efeitos da perda de propriedade imóvel serão subordinados ao registro do titulo transmissivo (…) no Registro de Imóveis”.

Princípio da continuidade. Está apoiado na especialidade, “significando que a cada imóvel, devidamente individuado, deve existir uma cadeia de titularidade, à vista da qual será efetuado o registro de um direito, se o outorgante aparecer no registro como seu titular”. (VIANA, Marco Aurelio S., Curso de Direito Civil – Direitos das Coisas, pág. 133)

O art. 195 da LRP edita que “se o imóvel não estiver matriculado ou registrado em nome do outorgante, o oficial exigirá a prévia matrícula e o registro do título anterior, qualquer que seja sua natureza, para manter a continuidade do registro”.

Princípio da especialidade. O imóvel deve estar individualizado de forma inequívoca, o que significa que apenas “um, e um único imóvel, pode ter as características e descrições do imóvel registrado, o próprio imóvel, impedindo, dessa forma, uma transmissão irregular, de um outro imóvel como se fosse o registrado”. (COSTA, Sebastião Rodrigues da. Registro de imóveis cit. pág. 59)

O princípio em exame “está intimamente ligado à exatidão os registros, o que implica em dizer que para que um elemento caracterizado do imóvel venha a figurar no registro é indispensável a certeza que reflete a realidade”. (NETO, Narciso Orlandi. Retificação do Registro de Imóveis. Belo Horizonte: Del Rey, 1997)

Princípio da prioridade. Ao receber título para registro o oficial promove sua prenotação no Protocolo. Durante o período em que examina a legalidade e qualificação do título, para apurar se o registro pode ser realizado, decorre tempo. Apesar disso, considera-se que ele teve lugar no dia em que foi apresentado. O número de ordem no Protocolo determina a prioridade do título e a preferência do direito real. A prioridade é atributo do instrumento que é submetido ao registro primeiro do que outro, enquanto a precedência é a qualidade do direito real. Os efeitos da prenotação cessam automaticamente decorridos trinta dias do seu lançamento, se o título não houver sido registrado. O prazo não se prorroga, exceção aberta apenas para a hipótese de suscitação de dúvida.

Na hipótese de se abrir concurso de direitos reais sobre o mesmo imóvel, estabelecido o confronto de direitos contraditórios apresentados simultaneamente ao exame de legalidade, respeita-se a ordem de prenotação dos respectivos títulos, solução que decorre do princípio da prioridade.

Princípio da presunção. Já estudei esse princípio e observei que “a eficácia do registro apresenta dois aspectos: o primeiro está ligado à formação dos direitos reais, sua constituição, enquanto o segundo se prende à validade, à força probante do direito registrado. Sob o primeiro enfoque os registros nos sistemas jurídicos podem ser constitutivos e declarativos. No direito pátrio prevalece o sistema misto, porque se tem o caráter constitutivo com pertinência aos atos de oneração e transmissão entre vivos, e o declaratório nas aquisições originárias, como se dá com a usucapião, e naquelas causa mortis. Quando nos debruçamos no estudo do princípio da presunção estamos voltados para o segundo aspecto da eficácia, que já estudamos anteriormente”. (VIANA, Marco Aurelio S., Curso de Direito Civil – Direito das Coisas cit., pág. 136)

Princípio da instância. Esse princípio recebe a denominação de princípio da rogação, também. O registrador não atua de ofício, mas mediante provocação, que se tipifica com a apresentação do título pelo particular. O sistema brasileiro de registro é obrigatório (art. 169 da LRP).

Referências Bibliográficas:

COSTA, Sebastião Rodrigues da. Registro de Imóveis – Comentários à Lei 6015/73 – Roteiro Registral Imobiliário. Belo Horizonte: Del Rey, 2008.
FERREIRA, Carlos Alberto Goulart. Teoria Geral do Direito Civil. São Paulo: Atlas, 2008, coordenação Renan Lotufo e Giovanni Ettore Nanni.
GOMES, Orlando. Direitos Reais. Rio: Forense, t. 1, ed. 1969.
NETO, Narciso Orlandi. Retificação do Registro de Imóveis. Belo Horizonte: Del Rey, 1997
RODRIGUES, Marcelo. Tratado de Registros Públicos e Direito Notarial. São Paulo: Atlas, 2014.
SILVA PEREIRA, Caio Mário. Instituições de Direito Civil – Direitos Reais. 19ª. Ed., Rio: Forense,, v. IV, n. 302, atualizado por Carlos Edison do Rêgo Monteiro Filho)
VIANA, Marco Aurelio S., Código Civil Comentado – Parte Geral. Rio: Forense, 2009.
VIANA, Marco Aurelio S., Curso de Direito Civil – Direito das Coisas. Rio: Forense, 2006.

 

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