Dr. Marco Aurelio S. Viana

Advocacia Cível

ARTIGOS

Direito Civil. Do Direito de Construir. Conflito de Vizinhança. Direito de edificar pelo Proprietário e o Direito dos Não-Proprietários. Limitações Administrativas.

Marco Aurelio S. Viana
Doutor em Direito Civil (UFMG) – Advogado em Belo Horizonte

 01/09/2015

Resumo: Estudo o direito de construir sob o enfoque privado, ou seja, as regras que envolve as relações de vizinhança, os conflitos que  estabelecem nesse território, referindo-se às limitações administrativas.

Palavras chave: Direito de construir. Conflito de vizinhança. Tutela dos proprietários e dos não proprietários. Limitações administrativas.

 

1- A propriedade coletiva e a propriedade individual disputam espaço no correr dos séculos. As transformações sociais e políticas levaram o direito de propriedade para um desses lados, o que fica muito claro no mundo clássico. Na Grécia e em Roma desenvolvem-se as formas de propriedade individual e se destaca o esforço jurídico das atribuições e faculdades de dono em relação aos demais indivíduos e o Estado. (VIANA, Marco Aurelio S., Comentários Ao Novo Código Civil. Rio, Forense, 4ª. ed., v. XVI, 4ª. ed., pág. 48)

No século XIX manifesta-se o choque entre a concepção subjetiva e individualista com os novos movimentos de caráter coletivo.

A propriedade é o mais importante dos direitos reais, e nela se tem o posicionamento do proprietário em relação ao objeto, que lhe fica submetido em todos os seus serviços. Afirma-se poder de disposição do dominus, que exerce senhorio abrangente e excludente. O proprietário dispõe de um senhorio geral sobre o objeto em toda sua intensidade, dentro de limites naturais, legais e decorrentes da vontade, havendo uma gama de serviços que não se pode enumerar.

Observa-se uma sobreposição de relações abrangentes, que justifica a tendência moderna de se abandonar a enumeração dessas faculdades, dado o seu número ilimitado, preferindo-se considerar a propriedade em sua unidade global, como síntese de várias faculdades não determináveis a priori. (Ruggiero, Instituições de Direito Civil, v. 2, p. 312, § 70)

O Código Civil de 1916 assegurava ao proprietário o “direito de usar, gozar e dispor de seus bens”. O Código vigente, no art. 1228 repete a abordagem analítica, que não tem o condão de dar a real dimensão desse direito. O que se tem não é uma soma de faculdades, mas a unidade de todos os poderes conferidos ao proprietário; não é uma série de faculdades determinadas a priori, mas um poder geral, integrado por todos os poderes imagináveis. Em verdade não se tem como dizer o que o proprietário pode fazer, mas apenas o que não pode, como decorrência dos limites imposto pelas normas de ordem pública ou derivados da concorrência do direito de outrem. (Tobenñas, La Propiedad y sus Problemas Actuales, pág. 90)

No direito francês, em que pese o art. 544 do Código de Napoleão estatuir que o proprietário goza e dispõe da coisa de maneira absoluta, a propriedade está limitada pela obediência às leis e regulamentos, o que contradiz a ideia de absolutismo.

ENNECCERUS, KIPP e WOLF observavam, no século passado, que o livre arbítrio do proprietário está muito mais limitado pelo ordenamento jurídico, sobretudo em relação aos imóveis. (ENNECERUS, Ludwing, KIPP, Theodor, WOLF Martin, Tratado de Derecho Civil, t. III, v. I, pág. 297)

No mundo capitalista evoluiu-se para considerar a propriedade não sob o prisma da relação do indivíduo com o objeto, mas sob o ângulo da sociedade, preservando o interesse da coletividade. A função social da propriedade referenda esse entendimento.

O direito de construir ou de edificar integra aquele poder geral a que me referi, e que, em regime jurídico, que submete o exercício do direito de propriedade à sua finalidade econômica e função social, dá nova dimensão ao absolutismo, que remanesce apenas erga omnes.

No território específico do direito de construir é assegurado ao proprietário o direito de construir “desde que tal liberdade não” viole direitos alheios (mais precisamente dos vizinhos), mantendo-se “… a observância aos regulamentos administrativos que subordinam as edificações a exigências técnicas, sanitárias e estéticas…” (PEREIRA, Caio Mário da, apud NETO, Zaiden Geraige, Comentários ao Código Civil Brasileiro. Rio, Foresne, v. XXI, 2004, pág.60, coord. Arruda Alvim e Thereza Alvim)

Tomando o mandamento do art. 1299 do Código Civil é possível constatar que o proprietário está investido na faculdade de edificar, ou seja, levantar construções em seu imóvel, mas não de forma ilimitada e absoluta, ficando condicionado a outros valores, que merecem igual tutela legal, seja no interesse dos vizinhos, seja naquele do bem-estar da coletividade.

Com pertinência aos vizinhos, e no interesse privado, a Lei Civil nos arts. 1.277 a 1.281, estabelece restrições no exercício do direito de construir, e o faz como forma de proteção contra interferências prejudiciais à segurança, ao sossego e à saúde dos vizinhos.

Já em relação ao interesse social, dos não proprietários, apresentam-se os regulamentos administrativos, e se tem a “…regulamentação estatal de toda a atividade ou construção que possa prejudicar ou beneficiar a coletividade…” (MEIRELLES, Hely Lopes, Direito de Construir. São Paulo, Revista dos Tribunais, 3ª. ed., p. 21), observando as regras gerais previstas no diploma civil, arts. 1300 e seguintes.

O poder geral de construir ou edificar, que integra o conceito unitário de propriedade, conhece os limites citados, quais sejam o direito dos vizinhos e os regulamentos administrativos. Em que pese o art. 1.299 do diploma civil dizer que o “proprietário pode levantar em seu terreno as construções que lhe aprouver”, esse direito é limitado na forma indicada. E o Estatuto da Cidade, como já dito, cria institutos orientados pelo interesse da coletividade, cujo estudo se fará no presente capítulo. Há liberdade de construir, como regra, mas são impostas limitações. Esse direito deve ser exercido com respeito ao direito à segurança, ao sossego e à saúde dos vizinhos, que são tutelados contra a interferência que lhe sejam prejudiciais.

A construção que o dominus pode levantar em seu terreno alcança sua superfície, o subsolo e o espaço aéreo, observado o critério de utilidade previsto no art. 1229 do Código Civil.

Não se tem um conceito legal de construção ou edificação, o que é adequado. No art. 618 do Código Civil, que dispõe sobre a responsabilidade quinquenal há referência a edifícios e outras construções consideráveis. Em que pese haver divergências quanto (SERPA LOPES, Miguel Maria apud VIANA, Marco Aurelio S. A Empreitada de Construções nas Decisões dos Tribunais. São Paulo: Saraiva, 1980, pág. 37) ao sentido da expressão construções consideráveis, não discrepa a doutrina quanto ao que se deve entender por edifício, que é toda e qualquer construção, envolvendo desde a mais modesta habitação até os palácios de arte.

Na lição de HELY LOPES MEIRELLES, apoiado em precedente do TJSP (RT 251/256/ 265/275), entende-se por construção “toda realização material e intencional do homem, visando a adaptar o imóvel às suas conveniências. Nesse sentido, tanto é construção a edificação ou a reforma, como a demolição, o muramento, a escavação, o aterro, a pintura e demais trabalhos destinados a beneficiar, tapar, desobstruir, conservar ou embelezar o prédio”. (MEIRELLES, Hely Lopes, Direito de Construir cit. pág. 13, n. II)

2- O exercício do direito de construir pode refletir na esfera de interesse de terceiro, que refoge à noção de propriedade confinante, no sentido vulgar, e alcança todo e qualquer ato, que praticado em um prédio venha a alcançar outro prédio. Toda interferência de prédio a prédio, sem que tenha importância a distância entre eles, é passível de causar um conflito de vizinhança.

No cerne do conflito de vizinhança há um prejuízo ou incômodo que nasce dos atos que foram praticados no prédio vizinho. E alcança os atos ali praticados, bem como o estado de coisas em que o vizinho mantém o seu prédio. (GOMES, Orlando Gomes. Direitos Reais. Rio, Forense, 1969, t. 1º, pág. 242)

Na atuação o vizinho pode estar a intenção de causar dano, quando ele é alimentando pelo espírito de emulação; ou ele é exercício de maneira irregular, anormal, em desacordo com sua finalidade social, estando presente o exagero, que podia ser remediado, mas não o foi; pode, ainda, exercê-lo dentro dos limites da normalidade, mas atinge a órbita de interesse de outrem; finalmente, é possível que o imóvel esteja em estado de ruína, ou em uma tal condição que haja repercussão negativa na esfera do vizinho. As hipóteses alinhadas são todas de interferências prejudiciais à segurança, ao sossego e à saúde, a que se refere o art. 1.277 do Código Civil.

Para composição do conflito de vizinhança, em qualquer uma das hipóteses, o parágrafo único do art. 1.277 citado manda que as interferências sejam proibidas considerando-se a natureza da utilização, a localização do prédio, “atendidas as normas que distribuem as edificações em zonas, e os limites ordinários de tolerância dos moradores vizinhos.” Importante observar que a Lei civil leva em conta o zoneamento, que é função do Município.

Aquele que edifica não o faz sem peias, segundo seus interesses, mas adstrito ao respeito devido aos vizinhos, não podendo a obra provocar interferências nos imóveis da vizinhança, sejam eles habitados pelos respectivos proprietários, ou outras pessoas que o ocupem a qualquer título.

O direito à segurança alcança o imóvel e a pessoa do morador. Há, aqui, o que se denomina, na doutrina portuguesa, como prejuízo substancial ao uso do imóvel. (ar. 1.346º do Código Civil)

O sossego é resguardado, o que dita o dever de o proprietário que edifica de tomar todas as medidas visando a tutela do sossego dos imóveis vizinhos, como utilização de máquinas de forma a reduzir barulho que possa ser eliminado ou reduzido, por exemplo, bem como gritarias de empregados, considerando sempre o horário de início dos trabalhos em hora compatível com as regras de bem viver.

Quanto à saúde, esse direito é protegido quando se edifica em horário comercial, sem adentrar pela noite adentro, evitando ruídos excessivos, exalações fétidas, poluição sonora, produção e fumaça, odores fortes, poeira etc. Ao fim do dia todo e qualquer pessoa é titular do direito ao sossego no recesso do seu lar.

Nunca se perca de vista que as regras legais que disciplinam as relações de vizinhança têm caráter restritivo no interesse particular visando a coexistência das esferas de interesses. (A respeito do tema: VIANA, Marco Aurelio, Comentários ao Novo Código Civil cit., vol. XVI, 4ª. ed., comentários ao art. 1.277)

É por isso que o art. 1.279 do Código Civil reza que “ainda que por decisão judicial devam ser toleradas as interferências, poderá o vizinho exigir a sua redução, ou eliminação, quando estas se tornarem possíveis”.

No exame do dispositivo citado, apurada a presença de interferência prejudicial, que deve ou não ser tolerada, e concluindo que a tolerância é necessária, cabe estabelecer se ela pode ser reduzida ou mesmo eliminada. Se possível reduzir ou eliminar, aquele que provocou a interferência tomará as medidas para que se respeite o direito do vizinho, em especial quando ele já estava instalado no local antes de se iniciar a edificação. O proprietário que constrói deve respeitar o estado dos lugares.

Quanto aos limites ordinários de tolerância dos moradores vizinhos, que é elemento a ser considerado na composição do conflito, não se perca de vista a regra do art. 1.279 do diploma civil, que afasta a tolerabilidade média com fator determinante, sendo prevalente o direito à redução ou eliminação, quando isso for possível. Se a ciência e a tecnologia oferecem solução para reduzir ou eliminar a área de atrito, esse o caminho a ser tomado. Nesse sentido, já me manifestava no direito anterior (VIANA, Marco Aurelio S., Curso de Direito Civil – Direito das Coisas. Rio, Forense, 2006, pág. 140), entendimento respaldado por SILVIO RODRIGUES, também, sustentando que a redução ou diminuição do incômodo era a solução, mesmo que não se tratasse de ato ilegal ou abusivo. (RODRIGUES, Silvio. Direito Civil. São Paulo, Saraiva,, 4ª. ed., vol. 5, pág. 151)

Efetivamente, o conflito de vizinhança pode decorrer de atos ilegais, abusivos ou lesivos, ou seja, alcança os atos que contrariam as leis vigentes, em que se vislumbra a intenção de prejudicar, e aqueles que decorrem de exercício regular de direito, mas que prejudicam o vizinho. (VIANA, Marco Aurelio S., Comentários Ao Novo Código Civil cit., v. XVI, p.. 299)

No território do condomínio edilício têm aplicação as mesmas regras. O Código Civil traz normas específicas sobre o tema, e a composição do conflito de vizinhança deve ser feita considerando a vizinhança muito próxima. Especificamente no campo do direito de construir, em que pese a ampla disposição em relação à unidade autônoma (art. 1.335, I, do CC), tal disposição está submetida à utilização das suas partes de forma a não prejudicar o sossego, salubridade e segurança dos demais condôminos, ou os bons costumes. (art. 1.336, IV, do CC) O que se examina é a relação de vizinhança dentro do edifício, envolvendo os condôminos nas suas relações internas, alcançando, necessariamente, o direito de construir. Nessa linha, têm aplicação as regras do art. 1.280 e 1.281 da Lei civil.

É possível, por exemplo, que o proprietário da cobertura não conserve sua unidade autônoma, gerando perigo de ruína, ou que qualquer um dos proprietários, ao fazer obras em sua unidade autônoma, possa levar a dano iminente, o que atrai as soluções do diploma civil. É possível, também, que a obra ou reforma que se pretenda em uma unidade autônoma prejudique o sossego, a saúde ou a segurança dos demais moradores, ou de um ou alguns deles.

A solução do conflito se fará pelas mesmas regras do diploma civil, levando em consideração que em condomínio edilício as imissões ou interferências “apresentam coloração mais viva e particularidades que resultam da vizinhança muito próxima”. (VIANA, Marco Aurelio S., Manual do Condomínio Edilício. Rio, Forense, 2009, pág. 81)

O art. 1.280 do Código Civil traz dispositivo que assegura ao proprietário ou possuidor o direito de exigir que o vizinho faça reparação, ou demolição do prédio, quando haja ameaça de ruína. Nada impede que, em construção em andamento, haja esse estado de coisas, em especial quando a obra fica abandonada por algum tempo, ou a forma de edificar possa levar a risco da propriedade vizinha. O prejudicado pode pedir a demolição, cabendo, no caso concreto, examinar-se se é possível a reparação em lugar da demolição.

O proprietário que sofre a ameaça pode pedir tutela provisória, sob uma de suas formas. (art. 294 e seguintes do CPC/2015) No direito vigente, dispõe da antecipação de tutela. (art. 273 do CPC,1973) A solução se põe, ainda, quando se busca garantia contra prejuízo eventual (art. 1.281 do CC). Aqui a construção está legalmente autorizada, mas pode causar dano iminente, o que autoriza o pedido, na forma dos dispositivos da Lei processual citados.

O vizinho que sofra a interferência prejudicial dispõe da ação de dano infecto, cujo pedido visa proibir as interferências prejudiciais, podendo consistir na demolição, na interdição ou mesmo na indenização. Ela é assegurada ao proprietário e ao possuidor. Ela é manejada tanto quando se cuida da hipótese do art. 1.277 do Código Civil, para tutela contra interferências prejudiciais, assim como para que se oponha contra o dano ad rem (art. 1.280 do CC.) No correr do processo é possível pedido de caução. O réu fica sujeito a obrigação de fazer ou não fazer, e é lícito pedir pedido alternado: multa ou demolição, ou interdição. O autor da ação pode pedir que seja executada a obrigação à custa do réu, ou pedir perdas e danos.

O vizinho prejudicado pode pedir, também, dano moral.

Se a construção prejudica o imóvel vizinho, depreciando-o, alcançando o seu valor venal, ou locatício, não tem qualquer importância a licença ou autorização dada pelo Poder Público. Como já dito em outra oportunidade, “ninguém pode ser investido do direito de prejudicar seus vizinhos, nem a licença ou concessão da autoridade administrativa tem o condão de afastar o direito às perdas e danos”. (VIANA, Marco Aurelio S., Comentários ao Novo Código Civil cit., v. XIV, pág. 321)

Havendo obra em andamento, ou seja, obra nova, que prejudica o prédio vizinho, suas servidões ou fins a que é destinado, o proprietário ou possuidor podia se valer da ação de nunciação de obra nova, nos termos do art. 934, I e seguintes do Código de Processo Civil de 1973. Atualmente não há mais previsão, na Lei processual de 2015 a esse respeito. O Poder Público pode aforar a mesma ação para impedir que o particular construa violando a lei, regulamento ou postura. (art. 934, III do CPC/1973), regra que não foi contemplada pelo CPC de 2015.

Para enfrentar as situações antes previstas pelo CPC de 1973, o prejudicado dispõe de antecipação de tutela (art. 303 do CPC/2015)

Estando a obra concluída em desacordo com as disposições do diploma civil, o prejudicado está legitimado a ajuizar ação demolitória. (art. 1.312 do CC) O rito será o ordinário o sumário, segundo o CPC,1973, e, com a entrada em vigor do CPC/2015, o procedimento será o comum (art. 318 do CPC/2015.

3- O Código Civil nos arts. 1299 a 1.313 disciplina o direito de construir, traçando regras de caráter privado, estabelecendo restrições de vizinhança. Em decorrência de sua natureza, podem ser objeto de transação entre os interessados, desde que os regulamentos administrativos não tragam disciplina que iniba a solução, porque eles, os regulamentos administrativos, tratam de regulamentação de ordem pública.

Ao autorizar o proprietário, no art. 1.299, a “levantar em seu terreno as construções que lhe aprouver”, ressalva o direito dos vizinhos e os regulamentos administrativos.

ZAIDEN GERAIEN NETO em comentários ao artigo em exame diz que nele está presente a preocupação do legislador “em enfatizar os limites existentes entre os direitos do proprietário e os deveres correspondentes”. (NETO, Zaiden Geraien. Comentários ao Código Civil, Rio, Forense, 2004, v. XII, pág. 60)

O dispositivo legal estabelece o equilíbrio entre o direito do proprietário de construir e o direito dos não proprietários. Evidencia-se que o direito de propriedade não é absoluto no sentido clássico, mas condicionado a outros valores, “que merecem igual tutela da lei, seja no interesse dos vizinhos, seja naquele do bem-estar da coletividade”. (VIANA, Marco Aurelio S., Comentários ao Novo Código Civil cit., v. XVI, 4ª. ed., pág. 373)

A liberdade de construir é restringida visando a proteção contra interferências prejudiciais à saúde, à segurança, ao sossego e à saúde dos vizinhos. (arts. 1.277 a 1.281 do CC) Tem-se tutela do vizinho de forma bem ampla, alcançando até mesmo os direitos da personalidade, porque aquele que constrói fica adstrito ao respeito à inviolabilidade da vida privada.

A atividade fica submetida, também, ao bem-estar social, que se revela nas limitações administrativas, que têm por objetivo justamente condicionar as atividades dos particulares ao interesse de todos. Os regulamentos administrativos cuidam das regras pertinentes à construção, o que significa que construir se faz segundo regras previamente estabelecidas pelo Município, envolvendo a construção, a reforma, a demolição, o levantamento de muros, as escavações, os aterros, enfim, tudo o que diga respeito à edificação, passando, ainda, pela segurança, a higiene, o aproveitamento do espaço etc..

Não se edifica sem prévia autorização do Município, cumprindo ao proprietário submeter aos órgãos competentes da Administração Pública Municipal o projeto da edificação, segundo as exigências presente na legislação municipal que cuida da construção, para autorizar, mediante alvará, que a obra seja realizada.

O “dominus” está autorizado a construir, levantando edificações que abranjam a superfície do solo, assim como o subsolo e o espaço aéreo, segundo o critério da utilidade, acolhido pelo art. 1.229 do diploma civil. Efetivamente, o “dominus” exercita o direito de propriedade segundo o que José de Oliveira Ascensão denomina poder de expansão, que no direito português apresenta como obstáculo na limitação de profundidade, na existência de bens que foram subtraídos à propriedade da superfície. (ASCENSÃO, José de Oliveiro. Direito Civis – Reais. 4ª. Ed. Coimbra, Coimbra Editora, pág. 178) No direito pátrio, esse poder de expansão está tem seu limite no critério da utilidade, que o art. 1.229 enuncia, dizendo que “a propriedade do solo abrange a do espaço aéreo e subsolo correspondentes, em altura e profundidade úteis ao seu exercício…”

Nessa linha, o proprietário goza de liberdade na sua atuação, quando constrói, podendo utilizar o solo, o subsolo, o espaço aéreo em altura e profundidade que sejam úteis ao exercício do direito, dispondo da ação negatória, quando a plenitude do direito de propriedade for ofendida, sofrendo o poder de expansão restrição indevida.

Se a obra ou serviço envolve, em sua execução, risco de provocar desmoronamento ou deslocação de terra, ou compromete a segurança do prédio vizinho, indispensável que o responsável faça obras acautelatórias. (art. 1.303 do CC)

Passo em seguida ao exame das regras do diploma civil que cuidam do direito de construir.

Lançamento de água no prédio vizinho. O art. 1.300 do Código Civil estatui que a edificação não pode lançar água diretamente no prédio vizinho. Daí dizer PAULO NADER que “ao edificar, o proprietário deve equipar o prédio com recursos técnicos que impeçam o despejo de águas diretamente sobre o imóvel vizinho. A regra proíbe o fato que , tecnicamente, é conhecido por estilicídio”. (NADER, Paulo. Curso de Direito Civil – Direito das Coisas, Rio, Foresne, 2006, v. 4, pág. 256; VIANA, Marco Aurelio S., Curso de Direito Civil – Direito das Coisas. Rio, Forense, 2006, pág. 203)

No direito anterior (art. 575 do CC/1916) a regra legal determinava que a edificação não podia ter o beiral do telhado despejando água sobre o prédio vizinho. Estabelecia que entre o prédio vizinho e o beiral houvesse um intervalo de 10 (dez) centímetros, pelo menos. Admitia, no entanto, que a distância se impunha se por outro modo não fosse possível evitar o fluxo da água. O direito vigente não estabelece qual a distância a ser observada. De qualquer forma não se permite o lançamento de água pluvial no prédio vizinho, seja por filete, gota, ou em corrente. A regulamentação edilícia de competência municipal desenvolve, em regra, regras visando cumprir a norma geral.

Abertura de janelas, fazer eirado, terraço ou varanda. O fim da regra legal é impedir a invasão de área do vizinho, evitando que ele seja devassado. A distância de metro e meio previsto no art. 1.301 do diploma civil pode ser alterado para mais pela legislação municipal (art. 30, VII da CF), exigindo distância maior, mas nunca inferior, considerando-se que a legislação federa estabelece regra de alcance geral. A distância é contada da face exterior do muro em que se abre a janela. Nos comentários que fiz a respeito do artigo, apoiando-me em Carvalho Santos (CARVALHO SANTOS, J. M. de. Código Civil Brasileiro Interpretado. Rio, Freitas Bastos, 1937, v. 8, pág. 137) firmei que “ se janela estiver mais para o fundo, porque nãos e tem parede lisa, havendo reentrâncias onde se acham as janelas, a medida será tomada da janeira que é o ponto do qual se exercita a vista. Se a parede onde se encontram as janelas não é perfeitamente paralela com a linha divisória, a medida se faz tomando a janela mais próxima, ou seja, do ponto dela mais próximo à linha divisória. – Cuidando-se de eirado, terraço ou varanda, conta-se da face exterior da muralha ou balaustrada que serve de escada ou peitoril do observador. Com pertinência à linha divisória dos prédios, como um muro, por exemplo, sendo ele de um só proprietário, a distância é medida de uma das faces do tapume, do lado de cá se pertence ao vizinho. Se não há tapume, a distância é contada da linha divisória. Sendo o tapume comum, considera-se a medida do meio do muro, porque aí é que corresponde à linha divisória, antes de ser construído o tapume, e daí é que deveria ser contada a medida se o tapume por acaso viesse a ser destruído”. (VIANA, Marco Aurelio S. Comentários ao Novo Código Civil cit., v. XVI, pág. 378)

Não se distingue entre visão direta ou oblíqua (Súmula 414/STF). Com pertinência a janelas, no direito anterior foi editada a Súmula 120/STF, permitindo que parede tijolos translúcidos fossem edificadas a menos de metro e meio do prédio vizinho, sem que isso implique em servidão. O § 1° do art. 1.301 traz previsão a respeito da abertura de janelas, dizendo que “as janelas cuja visão não incida sobre a linha divisória, bem como as perpendiculares, não poderão ser abertas a menos de setenta e cinco centímetros”.

No § 2° do art. 1.301 do diploma civil vem regra a respeito da abertura para luz ou ventilação, de dimensão não maior de dez centímetros de largura sobre vinte de comprimento e construídas a mais de dois metros de altura de cada piso. Sua finalidade é apenas ensejar a penetração de luz ou ar no prédio e são feitas a uma altura tal que não permitem a visão do outro prédio. Se for possível ver o outro prédio, confundem-se com as janelas, permitindo que o vizinho embargue sua feitura. (Clóvis Beviláqua, apud VIANA, Marco Aurelio S., Curso de Direito Civil – Direito das Coisas cit., pág. 203)

É possível que se edifique abrindo janela, fazendo sacada, terraço ou goteira sobre o imóvel vizinho. O prejudicado dispõe do lapso de ano e dia após a conclusão da obra para exigir que se desfaça a janela, a sacada, o terraço ou a goteira. O prazo é decadencial. (art. 1.302 do CC). Uma vez escoado o prazo, não poderá, por sua vez, edificar sem atender ao mandamento do art. 1.301 do diploma civil, e nem impedir, ou dificultar, o escoamento das águas da goteira, com prejuízo para o prédio vizinho. E assim é porque, transcorrido o prazo, constitui-se verdadeira servidão, ensinando CLÓVIS BEVILÁQUA, no estudo do direito anterior, que se adquire pela posse e decurso do tempo, e cujo título é a concessão presumida do vizinho (usucapião). (BEVILAQUA, Clóvis. Código Civil dos Estados Unidos do Brasil Comentado. Rio, Editora Rio, edição história, comentários ao art. 573, p. 1.051)

O prazo de decadência é contado da conclusão da obra, ou seja, da expedição do alvará de ocupação, denominado “habite-se”, e não da abertura da janela, da construção da sacada, do terraço, ou da goteira.

O vizinho, após a conclusão da obra, dispõe de pedido demolitório (art.1.312 do CC), dentro do prazo decadencial citado.

Entendo que, durante a construção, é possível embargar a obra para que seja adequada ao mandamento legal. Observo que o CPC/2015 não regulamenta a ação de dano infecto. Isso não afasta o direito de embargar que decorre dos regulamentos administrativos. A legislação municipal que disciplina o direito de construir cria direitos e obrigações subjetivas que autorizam o prejudicado exigir o cumprimento dessas regras legais. Nessa linha, a lei sobre uso e ocupação do solo pode dizer que determinada edificação não se pode fazer em certa área. Se assim mesmo a construção é levada a efeito, o vizinho ou a Administração Pública podem acionar o infrator, embargando a obra, para futura demolição, se for o caso. O direito de demolir é previsto pelo art. 1.312 do Código Civil.

O pedido de embargo da obra virá em uma das modalidades de tutela provisória, que melhor se adaptar à espécie (art. 294 e seguintes do CPC/2015), em especial a tutela antecipada (art. 303 e seguintes do CPC/2015)) Em ação de conhecimento, pelo procedimento comum (art. 318 e seguintes do CPC/2015) virá pedido de demolição, se o vizinho infrator não atender ao comando da lei. No direito vigente, ou seja, estando em vigor o CPC/1973, o prejudicado dispõe da ação de nunciação de obra nova.

Em se tratando de vãos, ou aberturas para luz, seja qual for a quantidade, altura ou disposição, o vizinho poderá, a qualquer tempo, levantar a sua edificação, ou contramuro, ainda que lhes vede a claridade. (parágrafo único do art. 1.302 do CC), mas o vizinho está autorizado, a qualquer tempo, a levantar a sua edificação, ou contramuro, ainda que lhes vede a claridade. (§ 2º do art. 1.302 do CC)

Parede divisória. Tem-se por parede divisória aquela que integra a estrutura do prédio, na linha de divisão, não se confundindo com muros divisórios, cuja disciplina é feita pelas regras pertinentes aos tapumes. Na lição sempre citada de HELY LOPES MEIRELLES, o muro é elemento de vedação, enquanto a parede é elemento de sustentação e vedação. (MEIRELLES, Hely Lopes, Direito de Construir cit., pág. 41)

Diz a Lei civil, no art. 1.304, que nas cidades, vilas e povoados cuja edificação estiver adstrita a alinhamento, o dono de um terreno está autorizado a nele edificar, madeirando na parede divisória do prédio contíguo, se ele suportar a nova construção, mas fica obrigado a indenizar ao vizinho em valor que corresponda a metade do valor da parede e do chão correspondente.

Cuida-se do direito de madeirar, ou seja, de imitir traves na parede divisória, direito esse de caráter oneroso, porque seu exercício depende do pagamento ao vizinho de metade do valor da parede e do chão correspondente. (GOMES, Orlando, Direitos Reais cit., pág. 255, n. 160)

Em zona urbana, portanto, o dono de um terreno vago pode edificar madeirando na parede divisória. A toda evidência que o exercício desse direito depende da estrutura da parede divisória, que deve suportar a nova construção.

A expressão dono de um terreno deve ser interpretada em termos, porque é possível que quem venha a exercer o direito de construir não seja o proprietário. É o que se dá com o direito de superfície. A concessão que o “dominus” – denominado concedente – ao superficiário, em favor de quem o direito é constituído, implica no direito de implantar, ou seja, edificar e plantar.

Para ORLANDO GOMES o direito de madeirar não se confunde com a servidão de meter trave (tigni immitendi), por via da qual o proprietário que traveja se torna titular de um direito real limitado, “jamais adquirindo a propriedade da parte da parede e do chão”. (GOMES, Orlando, Direitos Reais cit. t. 1º, pág. 254, n. 160) Em sentido contrário CLÓVIS BEVILÁQUA, que entende que esse direito corresponde à servidão de meter trave (BEVILÁQUA, Clóvis. Código Civil cit. comentários ao art. 578, pág. 1.053)

Pagamento de indenização autoriza concluir que se estabelece um condomínio, e não uma servidão.

O art. 1.305 do diploma civil edita que o confinante, que primeiro construir, pode assentar a parede divisória até meia espessura no terreno contíguo Agindo na forma indicada ele não perde o direito de haver metade do valor da dela se o vizinho a travejar. Adverte CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA que “por motivo de segurança, o primeiro fixará a largura e profundidade do alicerce, se o terreno não for de rocha” (SILVA PEREIRA, Caio Mário. Instituições de Direito Civil – Direitos Reais, v. IV, 19ª. ed., pág. 225, n.326-A)

O parágrafo único do artigo em estudo reza que se a parede divisória pertencer a um dos vizinhos, e não tenha capacidade para suportar o travejamento do outro, necessário que seja prestada caução ao outro, assegurando-lhe do risco a que expõe a construção anterior.

Condomínio de parede-meia. Havendo condomínio de parede-meia, o vizinho, que é condômino, pode utilizá-la até meia espessura. Para tanto deve avisar o vizinho a respeito das obras que pretende realizar. A finalidade do aviso, que antecede a edificação, não visa obtenção de consentimento, mas informar o que se pretende fazer. O outro comunheiro pode ser opor, se há risco de dano, e exigir que sejam tomadas medidas para evitar risco. O consentimento só é exigido para fazer, na parede-meia, armários, ou outras boras semelhantes, correspondendo a outras, da mesma natureza, já feitas do lado oposto. (art. 1.306 do CC)

Direito de altear parede divisória. A Lei civil (art. 1.307) permite que a parede divisória seja alteada, ou seja, tornada mais alta. Para tal fim admite-se até mesmo que sua reconstrução de forma que o alteamento seja suportado. O interessado responderá por todas as despesas, inclusive no que diga respeito à conservação, ou com a metade, se o vizinho adquirir meação também na parte aumentada.

A reconstrução depende da situação de fato existente, não sendo sempre necessária ou imprescindível. O dispositivo do art. 1.307 diz que tal se faz se necessário. Daí dizer ZAIDEN GERAIGE NETO que “na verdade, havendo necessidade, o vizinho deverá reconstruir referida parede, tendo sempre em vista a preservação da segurança nas relações de vizinhança. Portanto, verificando-se, tecnicamente, a imprescindibilidade de reconstrução da parede para se realizar o almejado alteamento, o confinante-construtor deverá promover todas as obras necessárias à garantia da segurança, mesmo porque, caso ocorram prejuízos decorrentes do inadequado alteamento, o vizinho poderá responder pelos prejuízos que venha a causar”. (NETO, Zaiden Geraige, Comentários ao Código Civil cit. v. XII, pág. 74)

Aparelhos ou depósitos encostados na parede divisória. O art. 1.308 do Código Civil tutela o vizinho contra quaisquer aparelhos ou depósitos que sejam encontrados na parede divisória, dizendo textualmente que “não é lícito encostar à parede divisória chaminés, fogões, fornos ou quaisquer aparelhos ou depósitos suscetíveis de produzir infiltrações ou interferências prejudiciais ao vizinho”.

Não entram na proibição legal as chaminés ordinárias e os fogões de cozinha. (parágrafo único do art. 1.308 do CC)

A proteção se faz contra infiltrações e interferência prejudiciais, ou seja, aquelas que prejudicam a saúde, o sossego e a segurança do vizinho.

O prejudicado dispõe da ação de dano infecto.

Construções capazes de poluir, ou inutilizar para uso ordinário a água. A construção não pode poluir ou inutilizar para uso ordinário a água do poço, ou nascente alheia, a elas preexistentes. (art. 1.309 do CC) O Código de Águas, arts. 98 e 109 e seguintes dispõe a espeito da proibição de contaminação das águas. A vedação envolve apenas as águas preexistentes à construção. Se a captação é posterior, não se aplica a regra legal.

Escavações ou obras que tirem água indispensável às necessidades normais. O diploma civil proíbe que se faça escavações ou obras que tirem de outrem água que seja indispensável às suas necessidades normais. O Código de Águas não admite que seja prejudicado o aproveitamento que já exista. Não importa se o terreno seja, ou não, contíguo, mas que as escavações ou obras prejudiquem o uso indispensável das águas por outrem. No caso de imóvel urbano, em regra, o uso será doméstico, ou industrial. Examina-se cada caso concreto.

Obras acautelatórias. O art. 1.311 do diploma civil dispõe a respeito da execução de obra ou serviço suscetível de provocar desmoronamento ou deslocação de terra, ou que possa comprometer a segurança do prédio vizinho, senão após serem feitas obras acautelatórias.

No art. 1.281 do diploma civil encontra-se dispositivo legal que contempla o conflito de vizinha que decorra do direito de fazer obras, assegurando o proprietário ou possuidor de um prédio, onde se faça as obras, de pedir as necessárias garantias contra eventual prejuízo, no caso de dano iminente. É o que se dá, por exemplo, quando alguém está legalmente autorizado a passar tubos, tubulações e outros condutos pela propriedade do vizinho. (A respeito do tema: VIANA, Marco Aurelio S., Comentários ao Novo Código Civil cit., v. XVI, pág. 315 e seguintes)

Dentro da mesma orientação, mas considerando a hipótese de obra no terreno do vizinho, o artigo em estudo determina que sejam realizadas obras acautelatórias quando os serviços a serem executados envolvem o risco de desmoronamento ou deslocação de terra. No direito processual vigente, o prejudicado está autorizado a ajuizar ação ordinária exigindo que a obra seja executada (obrigação de fazer), com pedido de antecipação de tutela. Ao entrar em vigor o CPC/2015, meu ver, se tais obras não são feitas, podem os serviços ser embargados, por tutela provisória (art. 294 e seguintes do CPC/2015).

Demolição de obras. A ofensa às regras previstas pelo diploma civil que disciplinam o direito de construir (art. 1.299 e seguintes do CC) legitima o prejudicado a manejar pedido de demolição. (art. 1.312 do CC)

Sob império do CPC/1973 cabe o ajuizamento de ação de nunciação de obra nova, se presentes seus requisitos (arts. 934 do CPC), e se a obra estiver concluída ação demolitória.

O diploma processual civil de 2015 não disciplina mais a ação de nunciação e obra nova. Se a edificação fere o direito de construir, seja por ofensa às regras previstas no Código Civil, seja por contrariar os regulamentos administrativos, o prejudicado poderá pedir o embargo, amparado por tutela provisória, segundo as circunstâncias do caso concreto (art. 294 e seguintes do CPC/2015), e ajuizar ação para pedir que a obra obedeça as exigências legais, ou que venha a demolição. Se a obra estiver concluída, cabe ao prejudicado ajuizar ação demolitória.

Entrado do vizinho no prédio. O vizinho está legalmente autorizado a entrar no prédio do outro, seja este o proprietário ou ocupante. Nessa linha, não apenas o proprietário, mas, igualmente, o ocupante (locatário, comodatário ou titular de direito real que assegure a utilização do imóvel) deve atender ao mandamento legal.

O exercício do direito de entrar no prédio vizinho exige prévio aviso. Dependendo das circunstâncias, o aviso verbal pode ser o bastante. Em outras situações, em que o ocupante ou proprietário se opõe, será melhor promover notificação extrajudicial, dando ciência da necessidade de ser permitido o acesso ao prédio, declinando o que se pretender fazer. Se a notificação não for atendida, que se faça boletim de ocorrência e se ajuíze ação ordinária com pedido de antecipação de tutela. Quando em vigor o CPC/2015, cabe cautelar de antecipação de tutela, na forma do art. 303 do CPC/2015,

O elenco do art. 1.313 do Código Civil é enunciativo, e não taxativo, segundo ZAIDEN GERAIGE NETO (NETO, Zaiden Geraige, Comentários ao Código Civil cit., v. XII, pág. 83), entendimento com o qual não comungo. Entendo que o elenco é taxativo, porque se cuida de restrição do direito de propriedade. Caio Mário da Silva Pereira adverte, dizendo que “a extensão demasiada das restrições ao direito de propriedade e as franquias muito dilargadas em relação a adentrar no prédio alheio podem acabar por gerar mais conflitos do que obter sua composição”. (Caio Mário da Silva Pereira, apud VIANA, Marco Aurelio S., Curso de Direito Civil – Direito das Coisas cit., pág. 206) O jurista, apoiado em Clóvis Beviláqua, entende que a disposição deve ser aplicada com equilíbrio, limitando-se às hipóteses em que a tolerância visa evitar danos, ou quando de outro modo não seja possível obter o que se necessita, como entendia Coelho da Rocha.

O inciso I determina seja tolerada a entrada para dele usar, temporariamente, quando isso se justifica para reparação, construção, reconstrução ou limpeza de sua casa ou muro divisório; o inciso II contempla a hipótese de o vizinho apoderar-se de coisas suas, inclusive animais, que aí se encontrem casualmente. Em se tratando de coisas buscadas pelo vizinho, sua entrada pode ser impedida se o ocupante ou proprietário entregá-las. (§ 2º)

O disposto no caput do art. 1.313 alcança os casos de limpeza ou reparação de 1ºesgotos, goteiras, aparelhos higiênicos, poços e nascentes e aparo de cerca viva. (§ 2º)

O uso do imóvel pelo vizinho é temporário, apenas o necessário para que o fim pretendido seja alcançado.

Aquele que exerce o direito entrar no prédio vizinho responde por dano que venha a causar.

4- O direito de construir é assegurado ao “dominus” e tem por fundamento do direito de propriedade, razão pela qual o art. 1.299 do diploma civil assegura ao proprietário o direito de “levantar em seu terreno as construções que lhes aprouver”, direito esse que, no entanto, conhece limitações no interesse particular (direito de vizinhança) e o interesse público, esse expresso nos regulamentos administrativos.

Feito o estudo das restrições de vizinhança, que visam a tutela do sossego, da segurança e da saúde dos vizinhos, passo ao exame das restrições decorrentes dos regulamentos administrativos. Estes refletem a submissão do direito de propriedade à sua função social.

Como fiz ver na abordagem das transformações do direito de propriedade, a propriedade conhecida até o século XIX, de caráter individual, entra em choque com os movimentos sociais, e o Estado passa a impor restrições, de forma a compatibilizar a atuação do “dominus” aos interesses dos não proprietários, da coletividade.

MARIA SYLVIA ZANELLA DI PIETRO referenda esse modo de ver. A jurista transcreve o art. 544 do Código de Napoleão, ao qual nos reportamos naquela oportunidade, também, e enfatiza que, embora individualista, consagrou como princípio a legitimidade da limitação do Estado sobre a propriedade, estando na dicção do artigo citado que “o direito de gozar e de dispor das coisas de modo absoluto, contanto que isso não se torne uso proibido pelas leis ou pelos regulamentos”. E pondera que “apenas, enquanto naquela época essas leis e regulamentos se limitavam, quase exclusivamente, aos direitos de vizinhança, aos pouco o seu campo foi se ampliando, com a tendência para condicionar, cada vez mais, o exercício do direito de propriedade ao bem-estar social. O princípio permanece, mas o seu alcance alterou-se profundamente, dando à propriedade sentido social então desconhecido. Hoje, prevalente o princípio da função social da propriedade, que autoriza anão apenas a imposição de obrigações de não fazer, como também as de deixar fazer e, hoje, pela Constituição, a obrigação de fazer, expressa no artigo 182, § 4º, consistente no adequado aproveitamento do solo urbano”. (DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella, Direito Administrativo, editora. Atlas, 17ª. ed., pág. 118)

DIÓGENES GASPARINI, estudando a intervenção na propriedade privada, pondera que ela se faz por meios interventivos, entre eles a limitação administrativa. Conceitua essa forma de intervenção como sendo “toda imposição do Estado de caráter geral, que condiciona direitos dominiais do proprietário, independentemente de qualquer indenização”. (GASPARINE, Diógenes, Direito Administrativo. São Paulo,
Saraiva, pág. 293, 1989)

Destaca que as limitações administrativas são preceitos de ordem pública, o que afasta a disponibilidade sobre seus conteúdos, e se concretizam sob três modalidades: positiva, negativa e permissiva. Pela primeira o administrado proprietário está obrigado a fazer o que a Administração Pública lhe exija, exemplificando com a obrigação de construir muro no alinhamento; pela segunda o “dominus” é compelido a não fazer, como se dá com a proibição de não construção além de certo número de pavimentos, por exemplo; a terceira determina ao proprietário a obrigação de permitir que se faça alguma coisa em seu domínio, citando as obrigações de permitir vistorias em elevadores ou para-raios. (GASPARINE, Diógenes, Ob cit. pág. 293)

Efetivamente, sendo normas de ordem pública não podem ser derrogadas pela vontade do particular.

A legislação municipal sobre o direito de construir impõe-se como forma de impedir que seja ferido o bem estar social, condicionando as atividades dos particulares àquele interesse, desenvolvendo tutela, genericamente, da coletividade. Os regulamentos administrativos contemplam exigências de natureza técnica, sanitária e estética, preocupando-se, ainda, com o direito dos vizinhos, que as edificações devem respeitar. (SILVA PEREIRA, Caio Mário da, Instituições de Direito Civil – Direitos Reais, cit. v. IV, pág. 223)

As limitações administrativas ao uso da propriedade são fonte de direito subjetivo para os vizinhos, em especial as urbanísticas, porque, embora sejam imposições de ordem pública, podem gerar obrigações e direitos subjetivos entre vizinhos, “interessados na sua fiel observância por parte de todos os proprietários, sujeitos à sua exigência”. (MEIRELLES, Hely Lopes, Direito de Construir cit. pág. 79)

As limitações urbanísticas municipais, à quais se sujeita o proprietário, são expressas através do Plano Diretor e da regulamentação edilícia.

Quanto à regulamentação edilícia, ela abrange todas as normas municipais de ordenamento urbano. (MEIRELLES, Hely Lopes, Direito de Construir cit. pág. 103)

O jurista ensina que a regulamentação edilícia outra coisa não é senão a regulamentação edilícia da edificação particular. (MEIRELLES, Hely Lopes, Direito de Construir cit. pág. 105.) E adverte que, “na verdade, a regulamentação edilícia objetiva dois aspectos bem distintos, embora oriundos das mesmas exigências sociais, e tais são o ordenamento da cidade no seu conjunto, e o controle técnico-funcional da construção individualmente considerada. O ordenamento da cidade visa, precipuamente, o traçado urbano e regulação do uso do solo urbano e urbanizável, com o consequente zoneamento e disciplina dos loteamentos para fins urbanos, e o controle das construções que tem por fim assegurar as condições mínimas de habitualidade e funcionamento à edificação, principalmente à moradia, que é a razão de ser de toda cidade”. (MEIRELLES, Hely Lopes, Direito de Construir cit. pág. 105)

O proprietário, que pretenda construir, fica submetido às regras municipais que estabelecem a utilização permitida para a parte da cidade onde pretende edificar, que se faz pela lei de uso e ocupação do solo urbano. Assim, não pode edificar o que pretenda e onde o queira, mas deve apurar a localização de sua propriedade e que atividades urbanas são ali permitidas.

Há de observar o zoneamento da cidade para apurar se o terreno está em zona residencial, comercial, industrial etc. Não pode pretender construir um imóvel para moradia se a zona é destinada apenas para comércio, por exemplo.

No interesse da estética da cidade, há de se apurar como se pode edificar naquela área, o que envolve vários aspectos, tais como altura e disposição das construções, etc.

O “dominus” está adstrito às limitações administrativas pertinentes à tutela da higiene e segurança públicas.

O que fiz foi apenas destacar as várias limitações que envolvem o direito de construir, que deflui do direito de propriedade. No caso concreto, ao lado das regras regulamentadoras do direito de construir presentes no Código Civil, cabe ao proprietário louvar-se, ainda, regulamentação edilícia para que possa edificar, e mesmo em caso de utilização de imóvel para comércio ou indústria, fica adstrito às limitações que sejam impostas pelo Município, porque a utilização é prevista na regulamentação edilícia.

Referências bibliográficas:

ASCENSÃO, José de Oliveiro. Direito Civis – Reais. 4ª. Ed. Coimbra, Coimbra Editora.
BEVILAQUA, Clóvis. Código Civil dos Estados Unidos do Brasil Comentado. Rio: Editora Rio, edição história, comentários ao art. 573.
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella, Direito Administrativo, 17ª. Ed., São Paulo: Editora. Atlas.
ENNECERUS, Ludwing, KIPP, Theodor, WOLF Martin, Tratado de Derecho Civil. Buenos Aires:Bosch Publicaciones Jurídcas, t. III, v. I, 1948.
GASPARINE, Diógenes, Direito Administrativo. São Paulo, Saraiva, 1989.
GOMES, Orlando, Direitos Reais. 3ª. Ed.,Rio: Forense, t. 1º, pág. 254, 1969.
MEIRELLES, Hely Lopes, Direito de Construir. 3ª. Ed.São Paulo: Revista dos Tribunais.
RODRIGUES, Silvio. Direito Civil. 4ª. Ed.,São Paulo: Saraiva, vol. 5.
SERPA LOPES, Miguel Maria, apud VIANA, Marco Aurelio S., A Empreitada de Construções nas Decisões dos Tribunais. São Paulo, Saraiva, 1980.
SILVA PEREIRA, Caio Mário. Instituições de Direito Civil – Direitos Reais, 19ª. Ed. Rio: Forense, v. IV
VIANA, Marco Aurelio S., Comentários Ao Novo Código Civil. 4ª. Ed.Rio: Forense. XVI, 2013.
VIANA, Marco Aurelio S., Manual do Condomínio Edilício. Rio, Forense, 2009.

 

ARTIGOS RELACIONADOS