Dr. Marco Aurelio S. Viana

Advocacia Cível

ARTIGOS

Propriedade do Solo Urbano. Estatuto da Cidade. Diretrizes para a Política Urbana. Plano Diretor. Parcelamento, Edificação e Utilização Compulsórios. IPTU Progressivo. Desapropriação.

Marco Aurelio S. Viana
Doutor em Direito Civil (UFMG) – Advogado em Belo Horizonte

 08/09/2015

Resumo: O autor estuda as diretrizes para a política urbana contidas no Plano Diretor, a partir do Estatuto da Cidade, e institutos como o parcelamento, edificação e utilização compulsórios do solo urbano, o IPTU progressivo, a desapropriação.

Palavras chave: Estatuto da cidade. Política urbana. Plano diretor. Parcelamento. Edificação e utilização compulsórios. IPTU progressivo. Desapropriação. Solo urbano.

 

1- A Lei n. 10.257 de 10 de julho de 2001 regulamentou os artigos 182 e 183 da Constituição Federal de 1988. A Lei citada é denominada como Estatuto da Cidade (parágrafo único do art. 1º), e nela estão estabelecidas as diretrizes para a política urbana.

No Capítulo I, sob a epígrafe diretrizes gerais, estão alinhados os dispositivos que dão suporte à execução da política urbana, como determina o art. 182 da Constituição Federal.

O art. 1º estatui que à execução da política urbana, contemplada nos arts. 182 e 183 da Constituição Federal, será aplicado o que a Lei prevê. Evidente que a ação do Poder Público se faz em vista das disposições da Lei especial, que atua como norteadora da política municipal urbana.

O Estatuto da Cidade, no parágrafo único, art. 1º, enuncia que as normas estabelecidas são de ordem pública e interesse social.

Exercendo o monopólio da força, de que é titular, o Estado impõe regra de conduta de caráter jurídico, imperativa, ou seja, que não permite o tráfico da vontade, e o faz de forma rigorosa, afastando a possibilidade de derrogação pela vontade privada. Como regras imperativas, as disposições são dirigidas aos cidadãos em geral e aos funcionários do Estado. Isso significa que não se pode violar seu comando pela Administração Pública, devendo cumprir a Lei como nela se contém, sem favorecimento de qualquer espécie ou natureza. Não se admite sejam tomadas liberdades, porque tais normas são dirigidas ao interesse social, que é prevalente. Não se persegue o interesse do Executivo municipal, ou de esta ou aquela pessoa que ali está, mas o bem coletivo. Não podem ser alteradas pela vontade das partes e devem, efetivamente, atender à coletividade, sem restrições.

E o dispositivo do parágrafo único enfatiza que o Estatuto estabelece normas de ordem pública e interesse social “que regulam o uso da propriedade urbana em prol do bem coletivo, da segurança e do bem-estar dos cidadãos, bem como o equilíbrio ambiental”.

Está bastante claro que a utilização da propriedade privada urbana está submetida ao interesse de toda a coletividade, como a dizer que o dominus está autorizado a buscar os serviços que o bem imóvel oferece, mas sempre com respeito aos não proprietários. O bem-estar dos cidadãos, o direito ao meio ambiente, a segurança, são valores que necessária e obrigatoriamente norteiam todo e qualquer tipo de atividade econômica que se pretenda dar à propriedade urbana.

A apropriação do imóvel tem como norte o interesse do proprietário sem perder de vista o interesse dos não proprietários, submetendo a propriedade à utilidade social.

A Lei em estudo enfatiza a função social da propriedade, e autoriza o Poder Público a estabelecer o equilíbrio entre o proprietário e as necessidades de todos os cidadãos, respeitando a qualidade de vida na regulamentação da atividade econômica que se assegura ao proprietário de imóvel.

Nessa linha, o Plano Diretor assume papel importante, como instrumento norteador da política urbana, porque ele acolhe as regras legais e estabelece as diretrizes básicas para o desenvolvimento do Município.

O art. 2º destaca o objetivo da política urbana, que é ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana.

Destaca-se a preocupação com as funções sociais da cidade, ou seja, a garantia de acesso aos serviços, aos equipamentos urbanos, desenvolvendo distribuição dos benefícios e dos ônus que decorram da urbanização, em gestão democrática e norteada pelo bem de todos.

A propriedade do solo urbano insere-se nessa nova ordem – em que o bem coletivo se afirma -, e por isso mesmo a propriedade do solo, como atividade econômica, não fica afastada da função social. Por isso ela integra a política urbana, e participa do processo de distribuição de benefícios e ônus que decorrem da urbanização, que se renova todos os dias, integrando os princípios gerais da atividade econômica. (art. 170, II e II da CF)

Para implementar a política urbana, como está nos incisos do art. 2º, estabelece diretrizes gerais visando ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana, podendo ser citadas as seguintes regras, entre outras: a) o uso excessivo ou inadequado dos imóveis urbanos; b) a proximidade de usos incompatíveis ou inconvenientes; c) o parcelamento do solo, a edificação ou o uso excessivos ou inadequados em relação à infraestrutura urbana correspondente; d) a retenção especulativa de imóvel urbano, que resulte na sua subutilização ou não utilização; e) deterioração de áreas urbanizadas; f) a poluição e a degradação ambiental, entre outras atribuições. Determina, ainda, justa distribuição dos benefícios e ônus decorrentes do processo de urbanização, entre outros pontos.

O art. 3º contempla a competência da União no interesse da política urbana, atribuindo-lhe a edição de normas gerais de direito urbanístico, entre outras medidas contidas nos incisos do dispositivo legal citado.

É sua atribuição, também, simplificar a legislação de parcelamento, uso e ocupação do solo e das normas edilícias, visando redução dos custos e o aumento de oferta dos lotes, (art. 2º, XV)

O Poder Público Municipal é competente para gerir os espaços urbanos, o que decorre das normas constitucionais citadas, bem como dos arts. 2º, 4º e 39 da Lei n. 10257/2001.

O art. 4º relaciona vários outros instrumentos que são disponibilizados para atender ao fim da Lei, atribuindo ao Município o planejamento municipal de forma ampla, dando ênfase, nas alíneas, a aspectos importantes que afetam diretamente o proprietário de imóvel urbano. Entre eles estão o Plano Diretor, a que já nos referimos, a disciplina do parcelamento, do uso e da ocupação do solo, atendendo ao que estabelece a Lei n. 6.766/79, como normatização geral, mas voltado para as particularidades da cidade; lançar mão de institutos tributários (inciso IV), melhorando a gestão financeira, econômica e tributária, o que permite haja melhor desenvolvimento urbano; criar limitações administrativas, instituir zonas especiais de interesse social; instituir unidades de conservação, entre outras medidas.

2- Já fiz referência ao Plano Diretor. Ele está previsto no § 1º do art. 182 da Constituição Federal, e referido pelo inciso III, a, do art. 4º do Estatuto da Cidade, entre os instrumentos de planejamento municipal.

A Lei Maior, no dispositivo legal citado, estabelece a competência da Câmara Municipal para sua aprovação, e sua obrigatoriedade para cidades com mais de vinte mil habitantes. A norma constitucional em exame diz que o Plano Diretor “é o instrumento básico de política de desenvolvimento e expansão urbana”.

Em outras palavras, o desenvolvimento urbano está submetido necessariamente a um plano estabelecido previamente, que é o Plano Diretor, para cidades com mais de vinte mil habitantes.

Busco as palavras de HELY LOPES MEIRELLES, para quem o Plano Diretor “é uno e único, embora sucessivamente adaptado às novas exigências da comunidade e do progresso local, num processo perene de planejamento que realize a sua adequação às necessidades da população, dentro das modernas técnicas de administração e dos recursos de cada Prefeitura. O Plano Diretor não é estático; é dinâmico e evolutivo. Na fixação dos objetivos e na orientação do desenvolvimento do Município é a lei suprema e geral que estabelece as prioridades nas realizações do governo local, conduz e ordena o crescimento da cidade, disciplina e controla as atividades urbanas em benefício do bem-estar social”. (MEIRELLES, Hely Lopwa. Direito de Construir. São Paulo. 3ª. Ed. Revista dos Tribunais, pág. 102). O Plano Diretor indica os caminhos que o Município pretende atingir, no interesse coletivo. Ele não é imutável, devendo a lei que o instituir ser revista a cada 10 (dez) anos, o que evidencia sua adaptação periódica. Sendo assim, ele acompanha as necessidades da urbanização e as mudanças que afetam a vida das cidades, que apresentam suas peculiaridades.

O art. 39 estatui que a propriedade urbana cumpre sua função social “quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade”, que se cristaliza no Plano Diretor, que deve assegurar o atendimento das necessidades dos cidadãos no que diga respeito à qualidade de vida, à justiça social e ao desenvolvimento das atividades econômicas, tendo em vista as diretrizes gerais que o art. 2º contempla.

O dominus fica vinculado aos rumos traçados pelo Plano Diretor, que estabelece os princípios a orientarem o plano de expansão ou de formação de novos núcleos urbanos, ou seja, urbanização por loteamentos, entre outros pontos que afetam o proprietário, todas essas atividades estão subordinadas às diretrizes traçadas por ele.

O Plano Diretor define os usos adequados da propriedade urbana de forma ampla, estabelecendo como se fará a utilização do solo em termos de uso.

Além do Plano Diretor não se deve esquecer que o proprietário urbano deve obedecer a regulamentação urbana, dispondo sobre a delimitação da zona urbana, o traçado urbano, o uso e ocupação do solo urbano, o zoneamento, o controle das construções, a estética urbana e a proteção ambiental, “tudo isso através das limitações urbanísticas do direito de construir e de normas de ordenamento das atividades urbanas que afetem a vida da comunidade”. (Hely Lopes Meirelles, Direito de Construir cit. pág. 103)

3- O art. 182,§4º da Constituição Federal faculta ao Poder Público municipal, mediante lei específica para área incluída no Plano Diretor, obedecida a lei federal, exigir do proprietário do solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado, que promova seu adequado aproveitamento, sob pena de: a) parcelamento, edificação ou utilização compulsórios; b) imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana progressivo no tempo; c) desapropriação com pagamento mediante títulos da dívida pública de emissão previamente aprovada pelo Senado Federal, com prazo de resgate de até dez anos, em parcelas anuais, iguais e sucessivas, assegurados o valor real da indenização e os juros legais.

Esses institutos encontram no Estatuto da Cidade a Lei federal que estabelece os parâmetros de atuação do Município para editar a legislação específica para cada um deles. São instrumentos da política urbana que se assentam na necessidade de afastar a especulação imobiliária.

Não são poucos aqueles proprietários que nada investem no solo de sua propriedade, não vendem ou lhe dão qualquer destinação economicamente adequada, deixando-os ociosos, aproveitando-se da valorização que decorre de investimentos feitos pelo Poder Público municipal em termos de infraestrutura e demais serviços que são prestados, e que levam à valorização. Essa é uma prática antiga, e que a Lei Maior combate, na forma indicada, entregando ao Município meio para dar ao solo não aproveitado, em uma das formas indicadas, a função social que se espera da propriedade urbana.

Os instrumentos citados fazem com que a riqueza seja gerada e flua pelo organismo social, afastando o egoísmo e privilegiando a coletividade.

É comum encontrar nos grandes centros urbanos áreas sem aproveitamento, sem qualquer utilidade, quando se enfrenta uma crise de moradia. Essa posição do proprietário merece ser atacada, fazendo com que a propriedade urbana atenda à sua função social.

Tais instrumentos de política urbana são aplicados sucessivamente, ou seja, não havendo atendimento pelo proprietário à notificação para cumprimento da obrigação, o Poder Público municipal fica autorizado, segundo os prazos previstos em Lei, a lançar mão de outra medida.

Examina-se, a seguir, cada um dos institutos citados.

4- O art. 5º regulamenta o parcelamento, edificação e utilização compulsórios, dizendo que isso se faz por lei municipal específica para área incluída no Plano Diretor. Ressaltei que o Plano Diretor é a base dos projetos executivos, porque é ele o instrumento básico da política de desenvolvimento e expansão urbana, como está na dicção do §1º do art. 182 da Constituição Federal. Por isso é nele que se especifica a área que será objeto da medida indicada, o que se faz por lei municipal, atendendo ao delineamento feito por Lei federal, que é o Estatuto da Cidade.

A Lei municipal, além de indicar a área, deve fixar as condições e os prazos para a obrigação. O inciso I, § 1º define que se tem como subutilizado o imóvel cujo aproveitamento seja inferior ao mínimo definido no Plano Diretor ou em legislação dele decorrente, entregando ao Município ampla competência para definir a subutilização, que pode variar segundo as peculiaridades locais.

Os §§ 2º, º e 4º do art. 5º disciplinam o processo de informação ao proprietário a respeito da obrigação. E para assegurar o seu cumprimento, o art. 6º cuida da hipótese de transmissão do imóvel inter vivos ou causa mortis, estatuindo que se ela se der posteriormente à data da notificação determinada pelo § 2º, a obrigação é transferida ao adquirente.

Entendendo que, em que pese estar no suporte de fato do dispositivo legal que a transmissão posterior à data da notificação implica na transferência da obrigação, o terceiro só poderá ser penalizado se a notificação estiver averbada no registro de imóveis. O § 2º do art. 5º contempla um ato complexo, que se desenvolve em duas fases, ou seja, reclama a notificação e sua averbação no cartório de registro de imóveis. O proprietário, uma vez notificado, tem conhecimento da obrigação. Mas o efeito em relação a terceiro depende da averbação, porque é por ela que se dá a necessária publicidade.

O princípio da publicidade, que é um dos princípios que informar o registro imobiliário, tem justamente a finalidade de informar terceiros de mutações que ocorram em relação ao imóvel.

5- Outro mecanismo criado pelo Estatuto da Cidade, com o intuito de afastar a especulação imobiliária é o IPTU progressivo no tempo. Sua disciplina está no art. 7º do Estatuto.

Sua aplicação se faz quando o proprietário deixa de atender à notificação para empreender em imóvel subutilizado. É o que está no dispositivo do art. 7º, dizendo que “em caso de descumprimento das condições e dos prazos previstos” no art. 5º da Lei, ou não havendo o cumprimento das etapas previstas no § 5º do art. 5º, aplica-se o imposto predial e territorial urbano progressivo no tempo.

As etapas referidas no § 5º do ar. 5º referem-se aos empreendimentos de grande porte que podem, segundo especificado em Lei municipal, e em caráter excepcional, ser concluído em etapas.

O instrumento em estudo permite que a alíquota incidente sobre o imposto seja elevada até o limite de 15%, o que se faz durante cinco anos consecutivos. Decorrido o prazo de cinco anos, e não tendo a obrigação sido cumprida, a cobrança do imposto se fará pela alíquota máxima até que a obrigação se cumpra, sem prejuízo da desapropriação na forma do art. 8º da Lei.

Para dar efetividade à medida, a tributação progressiva não admite isenções ou anistias.

6- É possível que a obrigação não seja cumprida, e, decorridos cinco anos do IPTU progressivo, o proprietário mantenha-se inerte. Nessa hipótese, resta ao Município a desapropriação com pagamento de títulos da dívida pública. É o que está previsto no art. 8º do Estatuto.

A solução é facultada ao Município, estando no suporte fático da regra legal que o “Município poderá proceder à desapropriação”, o que referenda o entendimento. Nada impede que continue cobrando o IPTU pelo valor da alíquota máxima.

A emissão dos títulos da dívida pública depende de aprovação pelo Senado Federal, e o prazo de resgate é de 10 (dez) anos. O pagamento se faz em prestações anuais, iguais e sucessivas, assegurados o valor real da indenização e juros legais de 6% (seis por cento) ao ano.

O § 2º do art. 8º dispõe a respeito do valor real da indenização, que refletirá o valor da base de cálculo do IPTU, e dele desconta-se o montante incorporado em função de obras realizadas pelo Poder Público na área onde o imóvel está localizado após a notificação prevista no § 2º do ar. 5º. O desconto do valor incorporado destaca o interesse coletivo, porque todos colaboraram com os recursos para que as obras fossem realizadas, e não é justo socialmente que o dominus seja beneficiado, uma vez que lhe foi dada a oportunidade de dar utilização adequada, no interesse de todos, e não o fez.

Não se considera, ainda, expectativa de ganhos, lucros cessantes e juros compensatórios, o que se coaduna com a finalidade da medida.

Os títulos da dívida pública “não terão poder liberatório para pagamento de tributos.” (§ 3º do art. 8º)

Procedida à desapropriação, passando a ser o proprietário do imóvel, cabe ao Município dar-lhe aproveitamento adequado, tendo para tanto o prazo de 05 (cinco) anos, que se conta da sua incorporação ao patrimônio público.

O§ 5º do art. 8º estatui que o aproveitamento possa ser efetivado diretamente pelo Poder Público, ou seja, ele promoverá a utilização adequada, ou mediante alienação ou concessão a terceiros, precedido pelo procedimento licitatório. O adquirente, por sua vez, fica submetido ao cumprimento da obrigação de parcelar, edifica ou utilizar o imóvel como previsto no art. 5º do Estatuto.

Com pertinência à obrigatoriedade de licitação para alienação ou concessão a terceiros, decorre de mandamento constitucional, estando no art. 37, XXI da Lei Maior que a exige para os contratos de obras, serviços, compras e alienações, e do art. 175 que estabelece tal procedimento para a concessão e a permissão de serviços públicos.

A Lei n. 8.666/93 exige licitação para obras, serviços, inclusive de publicidade, compras, alienações, concessões, permissões e locações. (art. 2º)

Com pertinência à destinação a ser dado ao imóvel desapropriado, pelo Município, entendo que é o mesmo que se exigia do desapropriado, porque a subutilização seria vencida na forma que foi determinada na Lei municipal. Esse entendimento é reforçado pelo § 6º do Estatuto, que determina que o adquirente do imóvel fique sujeito a essa exigência.

A aquisição pela desapropriação – penso eu – faz com que o imóvel integre os bens dominais, porque podem ser objeto de alienação ou concessão a terceiros. Não teria sentido se eles integrassem os bens de uso comum do povo ou de uso especial e, uma vez vencido o prazo de cinco anos, viesse a ser necessária a desapropriação.

7- O Estatuto regulamenta, ainda, uma subespécie de direito de superfície, a usucapião especial urbana, a outorga onerosa do direito de construir, e a transferência do direito de construir, que será objeto de estudo em outra oportunidade.

8- Cabe à legislação municipal estabelecer o coeficiente de aproveitamento que orienta o direito de construir. Encare ARNALDO RIZZARDO que “o normal é estender-se o domínio sobre a propriedade física, sejam em terras ou terreno, sejam em construções ou prédios. Aos Municípios, de outro lado, assiste o direito de estabelecer limitações, como no tocante às alturas dos edifícios e outras obras, e, inclusive, nas demais dimensões, como no recuo, no alinhamento ou nas áreas non aedificandi – Todavia, nos últimos tempos, em vista da valorização dos imóveis urbanos e da falta de espaço físico, partiu-se para uma nova figura, que passa a integrar o direito de propriedade, que é o solo criado. Ou seja, as leis municipais que cuidam do solo urbano fixam a altura que podem atingir os prédios, o recuso, o afastamento da calçada, as áreas verdades ou ajardinamentos. Entrementes, em um dado momento, autorizam a entrega de um bem, ou a desapropriação dos terrenos que ficam nas margens de uma via, com a finalidade de alargar uma rua, ou de implantar um equipamento, em troca da entrega dos índices ou coeficientes de altura ou da frente para a via. Há um coeficiente de altura permitido, ou de largura dos recuos. Alteram-se o alinhamento, o aproveitamento de terreno, e até o zoneamento, para proceder a venda de espaços, e autorizando-se, para quem adquire, erguer mais alto um prédio, ou com menor recuo em frente para a via. – Prosseguindo-se na caracterização do solo criado, sabe-se que está fixado um percentual específico de aproveitamento dos terrenos urbano, ou uma taxa de ocupação. Apenas dentro da limitação, autorizam-se as construções e outras maneiras de utilização do solo, de transmissão do domínio. – Não se resume aí a controvérsia, Introduziu-se na prática jurídica a espécie ou figura que se convencionou denominar “solo criado”. Não se trata, todavia, de solo, mas de espaço, sendo não apropriada a expressão “solo criado”. Seja como for, deve existir uma lei municipal instituidora do “solo criado”, pela qual se outorga uma licença onerosa, que autoriza a construção além da taxa de ocupação ou do coeficiente de aproveitamento previsto no Município”. (RIZZARDO, Arnaldo, Direito das Coisas, 2ª. ed., pág. 236)

O Estatuto da Cidade permite que o Plano Diretor destine áreas onde o direito de construir possa ser exercido acima do coeficiente de aproveitamento básico, o que se faz mediante contrapartida a ser prestada pelo beneficiário. (art. 28 da Lei n. 10.257/2001) Cuida-se da outorga onerosa do direito de construir, que tem sido denominada como solo criado. Em verdade, como adverte ARNALDO RIZZARDO não se cuida de solo, mas de espaço, que se outorga ao proprietário para que ele edifique acima do coeficiente de aproveitamento básico, como está na dicção do art. 28 da Lei n. 10.257/2001), mediante contrapartida por parte do proprietário, sendo, assim, outorga onerosa.

Prevista no Estatuto da Cidade, depende de previsão na legislação municipal. O § 1ºdo art. 28 esclarece que o coeficiente de aproveitamento é a relação entre a área edificável e a área de terreno, e a outorga onerosa do direito de construir consiste na autorização para que se construa se acima do coeficiente de aproveitamento básico previsto para determinada área. O proprietário obtém autorização para construir para além da relação estabelecida mediante o pagamento ao Município pelo direito de edificar acima do coeficiente de aproveitamento.

O Estatuto da Cidade estabelece as normas gerais que regem a espécie, estabelecendo: a) que o Plano Diretor poderá fixar o coeficiente de aproveitamento básico único para toda a zona urbana ou diferenciado para áreas específicas dentro da zona urbana. (§ 2º do art. 28). b) defina os limites máximos a serem atingidos pelos coeficientes de aproveitamento, levando em conta a proporcionalidade entre a infraestrutura existente e o aumento de densidade esperado para cada área (§ 3º); c) no art. 29 autoriza o Plano Diretor fixar áreas nas quais poderá ser permitida a alteração de uso do solo, mediante contrapartida pelo beneficiário.

No art. 30 estabelece que Lei municipal deverá estabelecer as condições a serem observadas para a outorga onerosa do direito de construir e de alteração de uso, determinando: a) a fórmula de cálculo par a cobrança (I); b) os casos passíveis de isenção do pagamento da outorga (II); c) a contrapartida do beneficiário (III).

O art. 31 estabelece a destinação a ser dada com os recursos auferidos pelo Município com a outorga onerosa do direito de construir e da alteração de uso, reportando-se aos incisos I a IX do art. 26 da Lei n. 10.257/2001. Há uma vinculação entre a receita auferida e sua destinação. Se a destinação for atendida o instrumento criado trará efeitos importantes.

9- A Lei n. 10.287/2001 disciplina a transferência do direito de construir. Consiste a figura legal na faculdade que a Lei municipal com base no Plano Diretor concede ao proprietário de imóvel urbano, privado ou público, de exercer o direito de construir em outro local previsto nas normas urbanísticas. O proprietário pode alienar, mediante escritura pública, o direito de construir, segundo previsão no Plano Diretor ou em legislação urbanística.

O art. 35 estatui que “Lei municipal, baseada no plano diretor, poderá autorizar o proprietário de imóvel urbano, privado ou público, a exercer em outro local, ou alienar, mediante escritura pública o direito de construir previsto no plano diretor ou em legislação urbanísticas dele decorrente…”

O exercício do direito de transferência do direito de construir, em uma das modalidades previstas no art. 35, se faz segundo os fins de: a) implantação de equipamentos urbanos e comunitários (I); b) preservação, quando o imóvel for considerado de interesse histórico, ambiental, paisagístico, social ou cultural (II); c) servir a programa de regularização fundiária, urbanização de áreas ocupadas por população de baixa renda e habitação de interesse social (III).

O exercício do direito de transferência, previsto no art. 35, está ligado necessariamente às hipóteses previstas nos incisos do art. 35. Além dos casos citados, o § 1º do art. 35 permite que o direito seja concedido ao proprietário que doar ao Poder Público seu imóvel, ou parte dele, para um dos fins previstos nos incisos do artigo.

As condições que devem nortear a aplicação da transferência do direito de construir devem constar da Lei municipal que disciplina a espécie. (§ 2º do art. 35)

Referências bibliográficas:

MEIRELLES, Hely Lopwa. Direito de Construir. São Paulo. 3ª. Ed. Revista dos Tribunais.
RIZZARDO, Arnaldo. Direito das Coisas. Rio. 2ª. ed., Forense.

 

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