Dr. Marco Aurelio S. Viana

Advocacia Cível

ARTIGOS

Loteamento de Acesso Controlado.

      Marco Aurelio S. Viana
Doutor em Direito Civil (UFMG) – Advogado em Belo Horizonte

10/01/2019

SUMÁRIO

1-Colocação do Tema; 2- Loteamento de Acesso Controlado. Regulamentação pelo Município.

Resumo: é desenvolvido estudo a respeito do loteamento de acesso controlado, previsto no º 8º da Lei sobre parcelamento do solo urbano, incluído pela lei nº 13.465/17. Aborda-se a figura legal, suas particularidades e a disciplina pelo Município.

1-Colocação do Tema

Já tive a oportunidade de dizer que “os centros urbanos pagam um tributo elevado, que decorre da visão pouco dilatada daqueles que assumiram a gestão da coisa pública. A inexistência de uma politica urbana, de uma disciplina de uso e ocupação do solo, desembocou na situação extremamente penosa em que vivemos: a diminuição da qualidade de vida”. (Marco Aurelio S. Viana, Condomínio Fechado e Condomínio Horizontal, pág. 17).

Alia-se a esse fenômeno a insegurança que se alastra cada vez mais, o que impele o cidadão a buscar meios de proteção para a família, e uma desses meios é justamente um lugar seguro para morar. Não se tem retorno dos altos impostos que são pagos, em setor algum.

Com a Constituição Federal de 1988 destaca-se a função social da propriedade, trazendo a preocupação com o não proprietário, e abrindo capítulo para a política urbana. O art. 182 da Lei Maior enfatiza que a “política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público Municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes”.

A Lei nº 10.275/2001 (Estatuto da Cidade) estabelece as diretrizes gerais da política urbana, fornecendo “uma base instrumental a ser utilizada em matéria urbanística”, como adverte Carlos Alberto Dabus Maluf, In Comentários à Constituição Federal de 1988, pág.2029.

Acrescente-se o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, que o art. 225 da Constituição Federal consagra, considerando-o bem de uso comum do povo, elemento essencial à sadia qualidade de vida,

Nesse ambiente é compreensível que a Lei nº 6.766/79 avançasse, preocupando-se com a modernização da utilização do solo urbano sob a forma de loteamento ou desmembramento, de forma a adequar a legislação infraconstitucional aos novos rumos da vida urbana. Dento dessa ótica constitucional ela foi alterada pela Lei nº 13.465/2017, que introduz na cidadela do direito positivo, com caráter geral, o denominado loteamento de acesso controlado. (art. 2º, § 8º).

Anteriormente, já se encontrava o fechamento de ruas, ou de quadras de loteamentos já implantados, ou a aprovação de loteamentos sob a forma de loteamento fechado.

Ocorre que nem todos os Municípios admitiam tal solução, em que pese se tratar de matéria urbanística, e ser atribuição municipal a ordenação do desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana (art. 2º, caput do Estatuto da Cidade), e disporem de instrumentos de política urbana, entre eles o planejamento municipal, que envolve o plano diretor e a disciplina do parcelamento, do uso e da ocupação do solo. (art. 4º, III do Estatuto da Cidade).

O exame da doutrina, que não cabe nos limites do presente trabalho, revela o esforço para se alcançar o consenso a respeito de novas formas de parcelamento do solo, os denominados loteamentos fechados e o loteamento horizontal, que conheciam outras denominações, e que nada mais faziam do que revelar que a atividade econômica ligada ao parcelamento do solo, decorrente dos serviços que o proprietário podia obter no exercício do direito de propriedade, ia muito além do que se fazia até então. A doutrina e a jurisprudência desenvolveram as bases conceituais para que o direito positivo acolhesse, em forma de norma geral, novas modalidades de loteamentos.

 

2- Loteamento de Acesso Controlado. Regulamentação pelo Município.

Não se confunda o loteamento fechado com o loteamento de acesso controlado.

O loteamento fechado distingue-se do loteamento tradicional porque a gleba é subdividida em lotes, como qualquer loteamento, são abertas vias de circulação, logradouros públicos etc., atendendo em tudo os requisitos urbanísticos para o loteamento. (art.4º da Lei nº 6.766/79) O acesso ao loteamento é controlado e a gleba é cercada. Ocorre que, na etapa material do loteamento, que se desenvolve perante a Prefeitura ou o Distrito Federal, conforme o caso, o loteador informa que o loteamento será fechado, ficando as vias internas de circulação, as praças dentro dele, espaços livres de uso exclusivo dos proprietários.

Essa outorga pelo Município é feita pela permissão de uso ou concessão de uso, o que significa que da aprovação do loteamento já consta esse ponto, que integrará o ato administrativo, que concede ou permite o uso, a ser apresentado ao oficial do registro de imóveis.

O contrato padrão que integra a documentação que é entregue ao registro imobiliário (art. 18 da Lei nº 6.766/79), além das indicações previstas no art. 26 da Lei citada, fará menção a respeito da existência da permissão ou concessão de uso. E isso porque o adquirente deverá arcar com despesas para manutenção das vias de circulação e logradouros que integram o loteamento, e outras, que podem ser exigidas segundo a estrutura do loteamento.

Nessa linha, loteamento fechado, em que pese não existir condomínio nas vias de comunicação, praças e espaços livres que integram o loteamento, que são de propriedade do município, há comunhão incidente no uso dessas vias e espaços livres. (Elvino  Silva Filho, Loteamento Fechado e Condomínio Deitado, Revista de Direito Imobiliário, nº 14).

O que caracteriza o loteamento fechado é que o proprietário do lote exerce direito de propriedade como todo e qualquer proprietário de loteamento tradicional, com as restrições seguintes

a) gleba é cercada ou murada em seu perímetro;

b) o acesso é feito por um único local, como regra, mas nada impede que haja mais de um, havendo sempre portaria ou portão, com porteiro, estando o acesso interno submetido a identificação prévia;

c) as ruas, praças e vias de comunicação e outros logradouros ou espaços livres têm seu uso limitado aos proprietários dos lotes, mediante permissão ou concessão de uso, outorgado pelo Município;

d) as vias de comunicação, praças e espaços livres continuam sendo propriedade do Município, alterando-se apenas o direito de uso, que é retirado da coletividade e assegurado somente aos moradores do local. Estabelece-se uma comunhão relativamente ao uso;

e) há domínio comum sobre determinados bens, tais como a cerca, o alambrado ou muro que cerca o loteamento, a portaria, as quadras de esporte, piscina etc., enfim, serviços e coisas que pertencem a todos;

f)necessária a manutenção e conservação das vias de comunicação, praças e espaços livres, quando o Município não se incumba disso;

g) o mesmo ocorre com relação à manutenção de portaria, serviço de vigilância e segurança, além daquelas com serviços e partes comuns, como serviços de coleta de lixo, rede elétrica e de iluminação, rede de água e esgoto, pavimentação, telefone, etc., quando o Município ou a concessionária do serviço não se incumbe dessa obrigação;

h) finalmente, reclama-se uma administração, que se incumbirá das tarefas afetas ao funcionamento interno do loteamento, da gestão do dinheiro necessário à manutenção e conservação das partes comuns, serviços e outras necessárias à vida do loteamento.

No loteamento com acesso controlado não se assegura aos proprietários dos lotes permissão ou concessão de uso, permanecendo as vias e praças, os espaços livres e as áreas destinadas a edifícios públicos e outros equipamentos urbanos, na propriedade do Município. Isso quer dizer que os bens pertencem ao Poder Público municipal, com uso assegurado a qualquer um do povo, conforme a natureza do bem público.

Mister atentar que essa modalidade de parcelamento só alcança o loteamento (§ 1º do art. 2º da Lei nº 6.766/79).

O art. 99, I do Código Civil estatui que são bens públicos os de uso comum do povo, tais como rios, mares, estradas, ruas e praças. Tais espaços estão franqueados a qualquer um do povo, com fruição assegurada a todos, segundo sua destinação, abertas à utilização pública e não dependem de permissão ou autorização. Como foi dito por DIÓGENES GASPARINI, “todos os locais abertos à utilização pública adquirem esse caráter de comunidade, de uso coletivo, de fruição própria do povo”. (Diógenes Gasparini, apud Marco Aurelio S. Viana, Código Civil Comentado – Parte Geral, pág. 209).

Na parte final do § 8º do art. 2º da Lei nº 6.766/79 esse ponto fica bastante claro, porque está dito que é “vedado o impedimento de acesso a pedestres ou a condutores de veículos, não residentes, devidamente identificados ou cadastrados”.

O que se controla é o aceso ao loteamento, mas não perdem o caráter de comunidade, de uso coletivo, de fruição própria do povo, repetindo o magistério de DIÓGENES GASPARINI.

A utilização dos bens comuns, que integram o loteamento, continua franqueada a qualquer um do povo, com a uma diferença: o acesso só se permite, em se tratando de não residentes, sejam condutores ou pedestres, mediante prévia identificação ou cadastramento.

Obviamente, o pedido o pedido para se dar ao loteamento o perfil citado deve vir na etapa material, que se desenvolve junto à Prefeitura municipal, quando o loteador solicita a definição das diretrizes para uso do solo, traçados dos lotes, do sistema viário, dos espaços livres e das áreas reservadas para equipamento urbano e comunitário. (art. 6º da Lei nº 6.766/79).

Cabe ao Poder Público municipal regulamentar o controle de acesso, o que se faz em função do planejamento municipal, em especial o plano diretor.

A meu ver nada impede que na regulamentação o Município exija contraprestações, voltadas para o interesse público, como medidas que assegurem o meio ambiente ecologicamente equilibrado, tais como a  manutenção de área verde, se existente no loteamento, a captação de água pluvial etc.

Falando em controle de acesso e permitindo-o a não residentes, reclamando apenas que sejam identificados ou cadastrados, fica claro que há despesas a ser suportadas, com a manutenção de porteiros e procedimentos visando a identificação e o cadastramento dos não proprietários.

É possível, ainda, que no regulamento que seja elaborado pelo Poder Público municipal haja exigências que desembocam em despesas para os proprietários.

Entendo que o loteador, segundo as diretrizes traçadas pelo Município no regulamento, que impliquem em despesas para os adquirentes e futuros proprietários de lotes, faça constar no compromisso de compra e venda, além das indicações mínimas, previstas no art. 26, I a VI da Lei nº 6.766/79, as despesas que os adquirentes deverão suportar para atendimento do regulamento do Município, e outras que decorram de restrições convencionais, para a devida publicidade.

Agindo nesse sentido, cria-se despesa que assume o caráter de obrigação propter rem, porque elas não se resumem ao adquirente, mas terceiros que venham a adquirir, de comprador originário, o lote. A presença da previsão e obrigatoriedade de contribuir para tais despesas produz eficácia em relação a terceiros. Tais despesas ficam vinculadas ao lote e não ao seu titular, ou seja, o direito de propriedade, como direito real, é acompanhado da faculdade de reclamar uma prestação pessoal do seu titular, que fica submetido à sua satisfação. (Marco Aurelio S. Viana, Manual do Condomínio Edilício, pág. 89).

Há um ponto que não encontra disciplina legal específica no § 8º do art. 2º da lei sobre parcelamento do solo urbano, que é a gestão da vida interna dessa modalidade de loteamento. A questão que se põe é estabelecer como se fará a cobrança das despesas, quem representará os proprietários em relação a terceiros, visando a contratação de pessoal e mão de obra, quando necessário, e como se fará a escolha do administrador, entre outras. Tais matérias não podem ser objeto do regulamento da Prefeitura, porque não envolvem direito urbanístico, mas direito civil, fora, portanto, da sua competência legislativa.

O melhor será que o loteador crie uma associação, constando tal matéria no compromisso de compra e venda, de forma tal que o adquirente sabe que a aquisição implica na vinculação à associação com todos os seus efeitos legais. Com essa solução há a necessária publicidade e não se poderá alegar depois que não se sabia ou desconhecia a situação jurídica existente, afastando demandas futuras, como ocorreram e ocorrem em loteamentos fechados.

O fundamento legal está no art. 36-A da Lei nº 6. 766/79, incluído pela lei nº 13.465/17, que disciplina as atividades pelas associações de proprietários de imóveis, titulares de direitos ou moradores em loteamentos ou empreendimentos assemelhados.

Em julgamento para efeitos repetitivos (art.543-C do CPC/1973), REsp. 1.439.163 – SP, com relatoria do Min. Ricardo Villas Bôas Cuevas, ficou assentado que:

“as “taxas”, contribuições de manutenção ou de conservação criadas por associação de moradores ou administradora de loteamento só podem ser impostas a proprietário de imóvel adquirido após a constituição da associação ou que a ela se tenha associado ou aderido ao ato que instituiu o encargo”.

O adquirente adere à associação com a aquisição do lote, exercendo o direito de associar-se, e sabe que ao imóvel adere uma obrigação propter rem, que vincula o lote e não o seu proprietário. O direito real de propriedade, como direito real, é acompanhado da faculdade de reclamar uma prestação pessoal do seu titular, impondo-lhe sua satisfação. Há sujeição do titular ao cumprimento de uma obrigação.

BIBLIOGRAFIA

FILHO, Elvino  Silva, Loteamento Fechado e Condomínio Deitado, Revista de Direito Imobiliário, nº 14.

LOPES, João Batista. Condomínio. 10ª. ed., São Paulo, Revista dos Tribunais.

MALUF, Carlos Alberto Dabus. Comentários à Constituição Federal de 1988. Rio: Forense, 2009, coord. Paulo Bonavides, Jorge Miranda e Walber de Moura Agra.

VIANA, Marco Aurelio S., Condomínio Fechado e Condomínio Horizontal. Rio: Aide, 1991.

______________________ Manual do Condomínio Edilício,. Rio: Forense, 2009.

______________________ Comentários ao Novo Código Civil. 4ª. ed., Rio: Forense, v. XVI, 2013.

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