Dr. Marco Aurelio S. Viana

Advocacia Cível

ARTIGOS

Incorporação Imobiliária. Do Contrato de Construção: pelo Regime de Empreitada pelo Regime de Administração, por Conta e Risco do Incorporador

Marco Aurelio S. Viana
Doutor em Direito Civil (UFMG) – Advogado em Belo Horizonte

01/07/2020

Resumo: o artigo é voltado para o contrato de empreitada no âmbito da incorporação imobiliária, bem como a construção pelo regime de administrado, e por conta e risco do incorporador, a adoção da teoria da imprevisão, a aplicação subsidiária do Código de Defesa do Consumidor. As regras legais que informam o contrato no âmbito da Lei nº 4.591/64.

1- O construtor obriga-se a executar a obra contratada (o edifício coletivo), assume os riscos econômicos do empreendimento e deve entregar a obra conforme o convencionado, e mediante o pagamento do preço. Ele atua com autonomia e edifica segundo o projeto e o memorial descritivo das edificações, (art. 53, III), com base nos custos unitários referidos no art. 54.

O preço a ser pago pelo adquirente poderá ser fixo ou reajustável.

Se o preço for reajustável o índice deve se previamente determinado. (art. 55, caput da Lei nº 4.591/64) Ausente previsão de reajustamento tem-se como sendo a obra a preço fixo. (§ 6º do art. 55)

Adotado o preço reajustável, os reajustamentos têm lugar na forma e nas épocas previstas no contrato, obedecendo as variações dos índices adotados, com previsão obrigatória no contrato. (§ 2º do art. 55) A escolha do índice fica a critério dos contratantes, sendo obrigatória cláusula especificando o orçamento atualizado da obra, que será calculado de acordo com as normas do inciso III do art. 53, com base nos valores unitários fixados pelo Sindicato da Estadual da Construção Civil, quando o preço estipulado for inferior ao do orçamento.

Em toda propaganda escrita referente à empreitada com reajustamento, em que conste o preço, serão discriminados o preço da fração ideal do terreno e o preço da construção, com a indicação expressa do reajustamento. As mesmas indicações são obrigatórias em todos os papéis utilizados para a realização da incorporação; cartas-proposta, escrituras, contratos e documentos semelhantes, entre outros, dispensando-se a exigência apenas em “anúncios classificados” de jornais. Em todos os documentos de ajuste será atendido ao que determina o art. 39.

Se o preço for fixo, não se admite qualquer reajustamento, independente das variações que sofra o custo efetivo das obrais quaisquer que sejam suas causas. (§ 1º do art. 55) Voltarei mais abaixo ao tema, para abordar a aplicação da cláusula rebus sic standibus. No momento lembro o entendimento de E.V. MIRANDA CARVALHO, segundo o qual a vantagem da empreitada a preço fixo reside em “premunir o dono da obra contra as incertezas do seu custo, sujeito não raro a variações sensíveis e inesperadas”. Adverte, também, quanto à sua desvantagem, que entende ser removível, “ou, ao menos, grandemente diminuível por uma severa fiscalização a obra e outras garantias contatuais de sua perfeita execução”, o que pode assegurar o dono a ter uma obra mal acabada, “em razão de machinações e fraudes de que o empreiteiro pouco escrupuloso pode lançar mão, para amenizar o prejuízo oriundo de haver contratado a obra por um preço não compensador”. (Contrato de Empreitada, pág. 25)

A lição é atual, e, em se tratando de incorporação imobiliária, são vários os donos da obra, e por maior que seja a fiscalização, e cuidados que se tenha na elaboração do contrato, se o empreiteiro caminhar para o seu não cumprimento, os efeitos na economia dos adquirentes será violada. Não encontrei até hoje uma incorporação imobiliária em que a construção seja ajustada por preço fixo.

Atua na construção por empreitada a Comissão de Representantes que fiscaliza o andamento das obras e a obediência ao projeto e às especificações, exercendo as demais funções inerentes à sua função de representar os contratantes e fiscalizar a construção. Se o preço for reajustável incumbe a ela fiscalizar, também, o cálculo do reajustamento. (§ 3º, art. 53) Observo que toda incorporação imobiliária terá uma Comissão que é nomeada, por designação ou eleição da Assembleia dos adquirentes, convocada no início da obra. Ela é composta por três membros, escolhidos entre os contratantes, com os poderes especificados pela Lei nº 4.591/64.

Aplica-se subsidiariamente ao contrato de construção no âmbito da incorporação imobiliária, as regras do CODECON e do Código Civil, inclusive no que diz respeito à responsabilidade civil, bem como a proteção contra cláusulas abusivas e se assegura a revisão do contrato. (art. 6º, IV e V)

Quanto à aplicação da cláusula rebus sic standibus fora do âmbito da incorporação imobiliária há divergência doutrinaria. (A respeito do tema: Marco Aurelio S. Viana, Manual do Condomínio e das Incorporações Imobiliárias, pág. 114)

Sua adoção no território da incorporação imobiliária tem sido afastada, ao argumento de que a “lei não deixa qualquer margem de dúvida sobre a imutabilidade do preço”. Para afastar o apelo à teoria da imprevisão ou da excessiva onerosidade, vedou-se o reajuste “quaisquer que sejam as causas”. (Nascimento Franco e Nisske Gondo, Incorporações Imobiliária cit., pág. 168)

A meu ver as oscilações normais do mercado, que constituem risco comum do negócio não constituem razão para qualquer alteração no preço. Mas se fatores extraordinários e imprevisíveis atuam na economia do contrato, tornando a prestação de uma das partes extremamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, presente ato ou fato novo substancial e estranho à vontade dos contratantes, com tal força que torne impossível o cumprimento das obrigações que foram ajustadas, sem ruína de uma delas, a questão deve ser considerada.  Esse o pensamento de HELY LOPES MEIRELLES no estudo do art. 1.246 do Código de 1916, referente à empreitada fora do âmbito da incorporação imobiliária. (Direito de Construir cit., pág. 237)

Em que pese a literalidade do § 1º do art. 55 da Lei nº 4.591/64, quanto à imutabilidade do preço, não fica afastada a interpretação, não se podendo ficar adstrito à letra fria da lei. As exigências da concreção justificam a necessidade de interpretar, considerando o indivíduo situado, e não abstratamente considerado. Ainda que se argumente com a posição do construtor do ponto de vista técnico, não se pode descurar de que ele pode ser alcançado por fatores que não se podia considerar no momento da contratação, capazes de interferir no equilíbrio do contrato e levar à impossibilidade de se cumprir com o ajustado, mas, igualmente, prejudicar o adquirente. O mesmo ocorre em relação ao adquirente.

Não se pode adotar a parêmia “in claris cessat interpretatio”, ou seja, sendo a disposição legal clara fica dispensada a interpretação, porque não se pode considerar apenas a literalidade do texto, nem abordá-lo abstratamente. A interpretação meramente gramatical perdeu espaço faz tempo. Sob esse ângulo, atende-se ao princípio da razoabilidade, à função social do contrato (art. 421 do CC), à boa fé (art. 112 do CC), à equidade, afastando-se, outrossim, o enriquecimento sem causa. O art. 5º da Lei de Introdução às Normas de Direito Brasileiro e o art. 8º do CPC sinalizam nesse sentido.

De outro lado, o Código Civil autoriza a resolução por onerosidade excessiva, sendo o contrato de execução continuada ou diferida, quando há vantagem extrema para a outra parte, o que decorre de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis. (art. 478) Cuida-se de solução que se apoia na equidade, e cuja aplicação ao contrato de construção por empreitada no território da incorporação imobiliária não pode ser contestada, seja a favor do incorporador, seja em proteção ao adquirente. Não se pode negar que a pandemia afetou a economia de todos os países do mundo, é  são claros seus efeitos no Brasil, o que permite falar em acontecimento extraordinário e imprevisível. Aqueles que queiram conhecer melhor a imprevisão podem ler artigo que publiquei nesse sentido e publicado no meu site, cujo título é Imprevisão.

2-No contrato de construção pelo regime de administração, também denominado a preço de custo (art. 58 da Lei nº 4.591/64), o construtor é o responsável pela execução do projeto, e os adquirentes pagam o preço do custo integral da obra. Tratando-se de incorporação imobiliária os aderentes rateiam entre eles o preço ajustado, na proporção das respectivas frações ideais. Assim, o construtor é o responsável técnico e assume a direção dos trabalhos, enquanto os adquirentes respondem pelo custo da construção.

Nesse regime o pagamento do custo integral da obra, como dito, é responsabilidade do adquirente, observando-se o seguinte: a) todas as faturas, recibos e quaisquer documentos referentes ao negócio ou aquisições para construção, serão emitidas em nome do condomínio dos contratantes da construção. (art. 58, I) Essa regra assegura transparência e facilita a atuação da Comissão de Representantes na sua atividade de fiscalização; b) todas as contribuições dos condôminos, para qualquer fim que se relacione com a construção, serão depositadas em contas abertas em nome do condomínio dos contratantes em estabelecimento bancário, cuja movimentação se faz segundo o que for acordado entre os contratantes. (art. 58, II) A solução legal facilita a fiscalização na aplicação do numerário entregue ao construtor.

Considerando que os adquirentes são os responsáveis pelo pagamento do custo da obra deve constar do respectivo contrato o montante atualizado do orçamento da obra, cuja elaboração se faz com estrita observância dos critérios e normas a que se refere o inciso II do art. 53, indicando, ainda, a data em que será iniciada efetivamente a obra. (art. 59) Nos contratos elaborados até o término das fundações o montante não poderá ser inferior ao da estimativa atualizada a que se refere o § 3º do art. 54. Naqueles ajustes celebrados após as fundações, este montante nunca será inferior à última revisão levada a efeito na forma do art. 60. (art. 59, §§ 1º e 2º)

O custo é estimativo, mas não significa seja aleatório, o que justifica e explica a preocupação legal com as regras que devem orientar o cálculo do orçamento do custo da obra. Assumindo os encargos econômicos do empreendimento, o adquirente responde não apenas pelo custo estimativo, mas por uma série de outras despesas, estando, em regra, presente nos contratos, que ele paga, também, despesas com confecção de projetos e sua aprovação, salários em geral, emolumentos, taxas, impostos, vigias, água, força e luz, combustível, lubrificantes, diaristas, etc.. Por isso a cautela em se assinar o contrato porque não se paga apenas o valor da obra, mas outros serviços, como encarecido. Na verdade, somente ao final da obra é que se sabe realmente o quanto a unidade autônoma custou.

Deve-se levar em contar que não é raro que incorporadores sem escrúpulos lancem incorporações imobiliárias oferecendo negócio a partir de orçamento irreal, iludindo o adquirente, levando-o a assinar contrato acima de suas possibilidades financeiras. Como o orçamento é irreal, ele fica desatualizado com o tempo, com reflexos no andamento da obra, que fatalmente atrasa. Esse estado de coisas acaba por levar à rescisão de vários contratos, pela incapacidade financeira do adquirente, enquanto outros aderentes pagam um valor muito superior ao estimado, o que favorece o incorporador, que ganha com as rescisões e com a demora na conclusão da obra, porque ele cobra a taxa de administração por maior lapso de tempo. Formalmente tudo está certo, mas o aumento do custo e consequente atraso é uma decorrência do orçamento apresentado inicialmente, mas baixo do que o verdadeiro custo, expediente que foi utilizado para atrair os adquirentes. Se tal ocorre, deve o incorporador responder pelo sobre preço da construção, que é o aumento do custo básico informado inicialmente e sua atualização, bem como pelas perdas e danos. (art. 402 e segs. Do CC) (Nascimento Franco e Nisske Gondo, Incorporações Imobiliárias cit., pág. 53; Caio Mário da Silva Pereira, Condomínio cit., pág. 215; Marco Aurelio S. Viana, Manual do Condomínio e das Incorporações Imobiliária cit., pág. 101)

O construtor é remunerado, em regra, com a denominada taxa de administração, que incide sobre o valor efetivo da obra, ou seja, além do custo estimativo aquelas outras despesas que assinalei acima.

O art. 60 prevê o reajustamento do custo estimativo das obras, e estatui que isso ocorra pelo menos semestralmente, o que se faz em comum entre a Comissão de Representantes e o construtor. Não há impedimento que se façam alterações no esquema de contribuições quanto ao total, ao valor e à distribuição no tempo das prestações, se isso for necessário e haja estipulação no contrato. Friso que o que se permite, em havendo previsão contratual, é a alteração do esquema de contribuição e não do valor total do custo estimativo.

Nada impede que se avence que o reajustamento se faça trimestralmente, por exemplo, não sendo a regra do artigo 60 cogente. Tudo depende do interesse das partes contratantes.

Se a Comissão de Representantes e o construtor entendem pela majoração das prestações, os contratantes devem ser informados com antecedência mínima de 45 (quarenta e cinco) dias da data em que se deverão ser efetuados os depósitos das primeiras prestações alteradas. (parágrafo único do art. 60)

Nessa modalidade de construção a Comissão de Representantes tem papel muito importante, razão pela qual o art. 61 edita que ela é investida de poderes para atuar em nome dos contratantes e na forma prevista no contrato para:

a) examinar os balancetes organizados pelos construtores, dos recebimentos e despesas do condomínio dos contratantes, cabendo-lhe aprova-los ou impugná-los, após exame da documentação respectiva. Em regra o construtor presta contas mensalmente a respeito do andamento da obra, envolvendo os recebimentos e despesas do condomínio. A Comissão de representantes recebe a documentação, promove o seu exame, em regra com assessoria adequada, e, estando as contas em ordem, aprova; caso apure irregularidade, recusa. Os contratos, no interesse do bom andamento das obras, estipula que a análise das contas se processe com celeridade. Por isso é que os contratos, em regra, estipulam que o parecer seja dado em prazo de até dez dias, e findo o prazo, sem manifestação, as contas ficam aprovadas. A solução evita que as contas fiquem abertas. A prudência recomenda a Comissão de Representantes seja convocada por escrito com recibo de entrega da convocação. A meu ver não se deve referendar legalidade para cláusula que isenta o construtor, e constitui aprovação, sem ressalva das contas, com visto de apenas um dos membros da Comissão de Representantes. Viola-se o objetivo da lei, que é a tutela dos adquirentes. O construtor pode indicar pessoa da sua confiança para membro da Comissão de Representantes, que atua segundo seus interesses, o que torna inócua a atividade fiscalizadora. O mais adequado é fixar prazo razoável para análise dos balancetes e documentação respectiva, considerando-se a prestação de contas correta ao fim do prazo assinalado; b) como se promovem concorrências para aquisição de materiais necessários à obra ou aos serviços que envolvem a edificação, cabe-lhe a fiscalização. Esta cautela justifica-se porque pessoas desonestas poderiam obter ganho extra na compra de materiais e prestação de serviços, atuando de comum acordo com comerciante igualmente pobre de valores morais. A exigência de concorrência evita atuação desonesta, garantindo uma aplicação correta das economias dos contratantes da construção. Mas não se confunda preço mais baixo com o melhor preço, porque o preço baixo pode ser resultante de material ou serviço de menor qualidade, o que acaba por refletir na qualidade da construção. Importante que a Comissão de Representantes leve em conta a qualidade do material e a idoneidade do fornecedor ou prestador de serviços, que são elementos importantes para proteção da economia dos adquirentes. Não são poucos os aventureiros, que constituem sociedade sem qualquer lastro, seja econômico-financeiro ou técnico, e que acabam por prejudicar a obra. A Comissão de Representantes ao examinar as concorrências deve contar com boa assessoria; c) o condomínio pode contratar com qualquer condômino modificações que ele solicite em sua respectiva unidade, serviços e obras que são administradas pelo construtor, desde que não prejudiquem a unidade de outro condômino e não estejam em desacordo com o parecer técnico do construtor. É possível que o adquirente busque modificar sua unidade de forma a adequá-la às suas necessidades. Se não houver prejuízo para a comunidade ou para unidade de outro condômino, é possível que o pleito seja atendido; d) fiscalizar a arrecadação das contribuições destinadas à construção. Como cabe aos adquirentes o pagamento do custo integral da obra é de suma importância que os pagamentos se façam em dia. O atraso na arrecadação das contribuições repercute no andamento dos serviços, prejudicando o organograma ajustado, com prejuízo para todos, porque o construtor depende do numerário para dar andamento normal aos serviços e para a aquisição de material. É atribuição da Comissão de Representantes considerar esse aspecto, exigindo pontualidade, porque a cada mês que a obra atrasa seu custo aumenta; e) exercer as demais obrigações inerentes à sua função representativa dos contratantes e fiscalizadora da construção, praticando todos os atos necessários para que o condomínio funcione regularmente. O enunciado legal dispensa maiores esclarecimento e depende das circunstâncias que envolvem a construção.

Já assinalei que na obra por administração é obrigatória a referência ao montante do orçamento do custo da construção, elaborado segundo as normas e critérios fixado pela ABNT. Deve constar, também, a data de início da obra.

Na hipótese de o contrato ser celebrado até o término das fundações, o montante do custo não poderá ser inferior ao da estimativa atualizada, referida pelo § 3º do art. 54. O dispositivo legal citado determina que os orçamentos ou estimativas baseadas nos custos unitários estabelecidos pelos sindicatos estaduais da construção civil só serão considerados atualizados, em certo mês, se baseados nos custos unitários relativos ao próprio mês ou a um dos dois meses anteriores. Se o contrato é firmado após o término das fundações, este montante não poderá ser inferior ao da última revisão levada a efeito pelo construtor de comum acordo com a Comissão de Representantes.

Ocorrendo transferências e sub-rogações do contrato, em qualquer fase da obra, os princípios acima enunciados serão obrigatoriamente observados.

Quando, na publicidade ou propaganda escrita para promoção a venda do empreendimento contratado, houve referência ao preço, é obrigatória a indicação expressa ao preço da fração ideal de terreno e o montante atualizado do custo da construção, dentro dos princípios examinados (arts. 59 e 60) como referência ao mês a que se refere o orçamento e o tipo padronizado a que se encontra vinculado. Tais indicações constarão de todos os papéis utilizados para a realização da incorporação, tais como cartas-propostas, escrituras, contratos e outros semelhantes. A dispensa alcança apenas os “anúncios classificados” dos jornais.

Tem aplicação o art. 39, no que couber.

3- A Lei nº 4.591/64 disciplina a construção por conta e risco do incorporador. (arts. 41 e 43) Nessa modalidade o incorporador promete vender as unidades autônomas a preço certos, ou reajustáveis, conforme disponha o contrato.

O art. 41 edita que “quando as unidades imobiliárias forem contratadas pelo incorporador por preço global compreendendo quota do terreno e construção, inclusive com parte do pagamento após a entrega da unidade, discriminar-se-ão, no contrato, o preço da quota de terreno e da construção”. O incorporador atua como promitente vendedor, vendendo “parte ideal do terreno e custeia o material e a mão-de-obra empregados na construção da unidade contratada”. (Nascimento Franco e Nisske Gondo, Incorporações Imobiliárias cit., pág. 98)

Os juristas observam que se cuida de venda de coisa futura cuja disciplina se faz pelo direito comum no que se refere à promessa de compra e venda e por aquelas que regulam a construção do edifício. Reportam-se ao direito francês, art. 33 da lei francesa de 16.7.1971 (lei n. 71.759) esclarecendo que suas disposições têm aplicação apenas quando o incorporador atua na qualidade de vendedor. E acrescentam que “de qualquer forma, dadas das peculiaridades da incorporação imobiliária, podem os adquirentes reunir-se em assembleia geral e deliberar sobre todos os assuntos de interesse coletivo, mesmo nesse tipo de contratos em que todos os encargos da construção cabem ao vendedor. (arts. 41, 43 e 49)”.  (Incorporações Imobiliárias cit., pág. 98)

Na promessa de compra e venda de unidade autônoma construída ou a construir por conta e risco do incorporador, modalidade prevista no art. 43 não incide a regra do § 1º do art. 63. ((Nascimento Franco e Nisske Gondo, Incorporações Imobiliárias cit., pág. 98)

A promessa de compra e venda, que será objeto de análise mais à frente, obedece ao direito comum, arts. 462 a 466 do Código Civil e deve conter quadro-resumo, nos termos do art. 35-A, dispositivo acrescido pela Lei nº 13.786/2018, que disciplina a resolução do contrato por inadimplemento do adquirente de unidade imobiliária em incorporação imobiliária e parcelamento do solo urbano.

Correto que se permita que os adquirentes se reúnam em assembleia geral e possam deliberar sobre assuntos de interesse coletivo, porque não seria adequado à tutela que se dá à economia popular que o incorporador atuasse sem fiscalização. Por essa razão as regras previstas no art. 43 e 49 são plenamente aplicáveis, por força do caráter protetor que elas encerram em favor dos compradores das unidades autônomas.

Os §§ 1º e 2º do art. 41 disciplinam a inadimplência do incorporador, observando ARNALDO RIZZARO que as disposições não alcançam a incorporação por administração e por empreitada em geral. (Direito das Coisas cit., pág. 1358)

Observo que a regra do art. 41, § 1º, que cuida da mora do adquirente, estabelecendo que se houver atraso no pagamento da parcela relativa à fração ideal de terreno, os efeitos da mora recairão não apenas sobre a aquisição da fração ideal, mas, também, sobre a parte construída, ainda que totalmente paga. O § 2º do art. 41 dispõe que as partes podem estipular, também, que o atraso no pagamento da parcela relativa à fração ideal de terreno reflita não apenas sobre a aquisição da fração ideal, mas, igualmente, sobre a parte construída.

O art. 42 contempla a hipótese de a rescisão do contrato relativo à fração ideal de terreno e partes comuns, dizendo que nessa hipótese ocorre sub-rogação da parte em favor da qual a resolução operou nos direitos e obrigações contratualmente atribuídas ao inadimplente relativamente à construção..

Observo que em sendo o contrato ajustado tendo por objeto a entrega da unidade a prazo e preços certos, é vedado o reajuste do preço das unidades, ainda que ocorra elevação dos preços dos materiais e da mão de obra. Somente com previsão a respeito de reajustamento é que o incorporador poder exigir o reajustamento. Não é permitido ao incorporador, ainda, modificar as condições de pagamento. (inciso V do art. 43)

Cumpre, ainda, ao incorporador, informar os adquirentes o estado em que se encontra a obra, por escrito, no mínimo de seis em seis meses. Observa CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA que há edifícios, “cuja construção se arrasa por tempo demasiadamente extenso, atrasando-se a conclusão sem que os interessados saibam o que ocorre”. (Condomínio e Incorporações cit., pág. 229, nº 143)

Tal estado de coisa afeta os adquirentes, porque o custo da mão de obra e dos materiais aumenta e a demora prejudica não apenas a obra em si como pode inviabilizar o empreendimento a médio longo prazo, o que explica e justifica a exigência legal. Com os boletins escritos os dados se perpetuam, impondo cuidado ao incorporador, e permitindo que seja acompanhado o andamento da obra. (art. 43, I)

De pouco adiantaria impor ao incorporador a obrigação de informar se ele não fosse responsabilizado civilmente pelos danos que venha causar aos adquirentes ou compromissário. O inciso II do art. 43 estatui que o incorporador responderá pela execução da incorporação, e lhe impõe o dever de indenizar, que envolve todos os prejuízos que advierem da não conclusão da edificação ou  retardar injustificadamente a conclusão das obras. Ressalva-se o direito de o incorporador direito de regresso contra o construtor, quando for o caso e se ele for culpado pela não conclusão da edificação ou retardar injustificadamente a conclusão das obras.

Sendo o incorporador o responsável pela incorporação imobiliária (art. 31, caput), e não mero intermediário é correta a solução legal, que tutela de forma mais efetiva o adquirente ou compromissário. Ele somente se escusa, como dito, se o retardamento ou a não conclusão da obra originar de motivo justo.

No caso de quebra do incorporador e não sendo possível prosseguir na construção das edificações, solução que se assegura à maioria dos adquirentes, os subscritores ou candidatos à aquisição das unidades são considerados credores privilegiados pelas quantias que houverem pagado ao incorporador, e os bens pessoais destes respondem subsidiariamente pelo prejuízo causado. (art. 43, III)

No inciso IV do art. 43 veda a alteração do projeto especialmente no que se refere à unidade autônoma do adquirente e às partes comuns, modificação nas especificações, ou desvio do plano de construção.  A Lei especial tutela de forma efetiva o adquirente afastando qualquer tentativa que o incorporador busque realizar em prejuízo da comunidade dos adquirentes. Para que seja possível qualquer alteração é indispensável  a unanimidade dos interessados ou que haja exigência legal nesse sentido. A concordância unânime justifica-se porque se cuida de contrato bilateral e uma dos seus polos é constituída pela totalidade dos subscritores. (Caio Mário da Silva Pereira apud Marco Aurelio S. Viana, Manual do Condomínio e das Incorporações Imobiliárias, pág. 111)

No que diz respeito à exigência legal, se a autoridade administrativa exigir alteração ela deve estar apoiada na legislação. Nesse caso, procede-se à alteração, mas o incorporador responde civilmente por prejuízo que venha a causar aos adquirentes, porque ele ajustou negócio jurídico que fere a lei que regulamenta as construções, não pode se escusar porque deve conhecer a respeito das regras legais que envolvem o projeto.

A deliberação a respeito da alteração do projeto é feita em Assembleia Geral dos adquirentes.

O inciso VI do art. 43 cuida da paralisação das obras, sem justa causa, por mais de trinta dias, ou ser retardado excessivamente o andamento. Em qualquer uma das hipóteses citadas, o incorporador poderá ser notificado judicialmente, para que, no prazo  mínimo de trinta dia, reinicie ou torne a dar-lhe andamento normal. Não sendo atendida a notificação, o incorporador poderá ser destituído pela maioria dos votos dos adquirentes, sem prejuízo da responsabilidade civil ou penal que couber. Deliberando pela destituição, e promovida a notificação judicial, findo o prazo legal, não se faz necessário pedir em juízo a resolução do contrato, porque a Lei especial assegura aos adquirentes o direito de destituição do incorporador, pela vontade da maioria absoluta, ou seja, metade mais um dos adquirentes de unidades, e não da metade mais um dos presentes à assembleia.

A solução legal afasta demanda judicial, que se arrastaria por anos a fio, como inegáveis prejuízos. A própria natureza do empreendimento justifica a solução legal. A toda evidência se o incorporador tiver motivo para a paralisação ou o retardamento excessivo, deve contra notificar os adquirentes e ir a juízo pedir o reconhecimento da justa causa. Toda e qualquer lesão a direito individual poderá ser levada ao Poder Judiciário, como assegura a Lei Maior.

Cabe aos adquirentes a prova da paralisação das obras ou o retardamento excessivo. Pondera CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA, que a primeira hipótese legal não é de difícil averiguação, “uma vez que a suspensão das atividades é circunstância de verificação material direta”. Mas a segunda é menos singela, embora comprovável no regime instituído na lei nº 4.591/64, uma vez que o ritmo da construção é acompanhado de perto pelos interessados, e constitui obrigação do incorporador informar aos subscritores e adquirentes, por escrito, a situação da construção semestralmente. Há, pois um dado ao alcance dos adquirentes, para confronto, além dos demais meios de prova, resultantes da queda na entrada de materiais, diminuição do número de operários, rompimento do ritmo de desenvolvimento, e qualquer outro fato que permita induzir o retardamento na construção, que, se for excessivo, se equipara para o mesmo efeito à paralisação”. (Condomínio e Incorporações cit., pág. 232, nº 143)

Concretizada a destituição, os adquirentes podem continuar com as obras, segundo o que deliberarem em Assembleia Geral. Eles estão autorizados, ainda, ajuizar execução para a restituição das importâncias comprovadamente devidas.

No inciso VII do art. 43, ocorrendo insolvência do incorporador que tenha optado pelo regime de afetação e não sendo possível à maioria prosseguir na construção, a assembleia geral poderá deliberar pela venda do terreno, das acessões e demais bens e direitos que integram o patrimônio de afetação. O quorum para a deliberação da assembleia se faz por dois terços dos adquirentes.

Deliberada a venda, na forma prevista, procede-se a leilão, ou outra forma que se estabelecer. O produto líquido será distribuído entre eles, na proporção do aporte que cada um deles tenha efetuado. Esse aporte deve ser comprovado.

O dispositivo legal estabelece que a venda se faça por leilão, mas permite que a assembleia geral delibere por outra forma que entenda mais adequada.  Com a venda são pagas as dívidas do patrimônio de afetação e deduzido e entregue ao proprietário do terreno a quantia que lhe couber, obedecido ao mandamento do art. 40, e o restante é distribuído entre os adquirentes na forma prevista na regra legal.

Se a venda não for o bastante para a reposição dos aportes levados a efeito pelos adquirentes, devidamente reajustados na forma da lei e de acordo com o que foi ajustado com o incorporador, os adquirentes serão credores privilegiados pelos valores da diferença não reembolsada, e os bens pessoais do incorporador responderão pela dívida.

Bibliografia:

CARVALHO, E.V. de Miranda. Contrato de Empreitada. Rio: Freitas Bastos, 1953.

FRANCO, J. Nascimento e GONDO, Nisske. Incorporações Imobiliárias. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1972.

MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e Aplicação do Direito. 9ª. ed., Rio: Forense, 1979.

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito de Construir. 3ª. ed., São Paulo, Revista dos Tribunais, 1979.

RIZZARDO, Arnaldo. Direito das Coisas. 2ª. ed., Rio: Forense, 2006.

SILVA PEREIRA, Caio Mário da. Condomínio e Incorporações. 2ª. ed., Rio: Forense, 1969.

VIANA, Marco Aurelio S. Manual do Condomínio e das Incorporações Imobiliárias. São Paulo, Saraiva, 1982.

Barra Separao

Contrato de Construção

Marco Aurelio S. Viana
Doutor em Direito Civil (UFMG) – Advogado em Belo Horizonte

29/06/2020

Resumo: em que pese não ser contrato típico na sistematização do Código Civil, é regulamentado pela Lei nº 4.591/64, e tem ampla aplicação pela indústria da construção. Ressalta as forças que atuam na sua constituição, sua forma, efeitos, seu objeto, a possibilidade de subempreitada

1-Contrato de Construção

O Código Civil de 2002 não contemplou o contrato de construção como contrato nominado ou típico, o que se dava quando em vigor o Código de 1916. Ele não é instituto autônomo na Lei civil, mas encontra regulamentação na Lei nº 4.591/64, que disciplina as incorporações imobiliárias. Como adverte HELY LOPES MEIRELLES, em que pese não conhecer autonomia, é reconhecido como “espécie diversificada dos ajustes tradicionais, e a prática o tem consagrado como instrumento legal da moderna indústria da construção civil”. (Direito de Construir, pág. 196)

No contrato de construção atuam duas forças em posição diferentes: de um lado o construtor, habilitado para construir. Ele responde pela direção da obra, desenvolve sua execução, segundo projeto aprovado pelo Município. Ele atua como pessoa natural ou jurídica, sendo indispensável sua inscrição no CREA. Sendo o responsável técnico da obra, a sua filiação é indispensável, por ser o órgão que congrega os profissionais da área.  De outro lado encontra-se o dono da obra, pessoa em regra sem conhecimento técnico suficiente para contratar em plano de igualdade. Na interpretação e aplicação da lei aos casos concretos de conflito de interesses não se pode perder de vistas as regras legais que pertinentes à empreitada, regida pelo art. 610 e seguintes do Código Civil, e a proteção do dono da obra pela razão já apontada. Este dispõe, ainda, do Código de Defesa do Consumidor.

O objeto do contrato é a execução de obra material certa e determinada. O construtor obriga-se a construir um prédio, uma ponte, uma casa residencial etc., ou certa porção dela. (E.V.de Miranda Valverde, Contrato de Empreitada, pág. 31)

A execução da obra material depende de projeto previamente aprovado pelo Município. As partes ajustam a respeito das condições para a execução da obra tais como preço, prazo de entrega, qualidade de materiais, etc. Existem normas administrativas – o Código Sanitário, o Código de Obras, legislação urbanística, o direito de vizinhança, etc. – que desenvolvem a disciplina das exigências de interesse público para as edificações. Elas incidem-na omissão do contrato, e não podem ser afastadas por cláusula inserta no contrato, sob pena de nulidade.

Em que pese ser assegurado o direito de construir é indispensável a tutela dos vizinhos e respeito aos regulamentos administrativos. (art. 1.299, do CC). O proprietário pode construir na superfície do solo, no subsolo e no espaço aéreo, mas sempre observando o critério da utilidade. (art. 1.229 do CC. A respeito do tema: Marco Aurelio S. Viana, Comentários ao Novo Código Civil, v. XVI, pág. 374)

O contrato é válido entre as partes contratantes, independentemente de qualquer formalidade, mas para que alcance terceiros deve ser levado ao registro no Cartório de Títulos e Documentos, porque somente assim ganha publicidade e pode ser oposto a terceiro para que a parte possa se eximir da obrigação. (Hely Lopes Meirelles, apud Marco Aurelio S. Viana, Contrato de Construção e Responsabilidade civil, pág. 3)

Classifica-se o contrato como bilateral, consensual, comutativo e oneroso.

Ele é bilateral por ser fonte de obrigações para ambas as partes; consensual pois reclama apenas o acordo de vontade dos contratantes para que se aperfeiçoe; comutativo em razão da equivalência entre as obrigações das partes; oneroso uma vez que o construtor é remunerado pelo serviço que presta, que é representado pelo preço cobrado.

Sendo contrato consensual basta o acordo de vontades para que se aperfeiçoe. A prudência recomenda que ele seja reduzido à forma escrita, o que permite melhor apuração das condições para que a obra seja executada. Havendo conflito entre os contratantes o que está firmado por escrito permite um quadro real do que foi ajustado. (Marco Aurelio S. Viana, Contrato de Construção e Responsabilidade Civil, pág. 2)

O contrato pode ser firmado por empreitada ou por administração.

Na modalidade de empreitada é responsabilidade do construtor executar a obra mediante remuneração. O dono da obra responde pelo pagamento do preço que pode ser fixo ou reajustável, unitário ou global. Mediante o pagamento do preço o dono da obra irá recebê-la na forma convencionada. O construtor atua como autonomia e assume a responsabilidade pelos riscos econômicos da obra, e deverá constar do contrato a especificação do material ao ser utilizado e os serviços ao serem executados.

Na obra por administração ou a preço de custo, a responsabilidade do construtor envolve a administração da obra, encarregando-se da execução do projeto, ficando os encargos econômicos do empreendimento como obrigação do dono da obra. A remuneração do construtor pode ser fixa ou consistir em percentual sobre o custo da obra. Este é estimativo, mas isso não significa que ele seja aleatório, razão pela qual deve constar do contrato o seu cálculo.

A referência ao projeto e o número do alvará de sua aprovação devem integrar o contrato, bem como a forma de pagamento do preço. Importante, também, o prazo de entrega, e as hipóteses de eventual prorrogação. É prudente que conste a possibilidade alterações no projeto, seja por acordo entre os contratantes, seja por determinação dos órgãos públicos.  Cláusula prevendo as despesas com ligação dos serviços públicos sejam eles explorados diretamente pelo Poder Público, seja por empresa concessionária merece atenção, também.

O modo natural de extinção do contrato é a sua execução, com a entrega da obra como encomendada e o pagamento do preço, o que permite falar em cumprimento das obrigações que as partes assumiram.

O contrato pode ser resolvido por inadimplemento de uma das partes, que deixa de cumprir com qualquer das obrigações ajustadas. Permite-se a rescisão sem justa causa se houve convenção nesse sentido e as cominações respectivas estiverem previstas.

A foça maior ou o caso fortuito levam à impossibilidade de execução, sendo possível a resolução, igualmente, pela onerosidade excessiva, aplicando-se o arts. 478 e seguintes do Código Civil.

Quanto à extinção do contrato de construção, a morte do construtor, que atua como pessoa natural, inibe o cumprimento do ajuste, ao contrário do que se dá com a pessoa jurídica, porque o falecimento de algum dos seus sócios não inibe a continuação da atividade. Lembro, no entanto, o mandamento do art. 626 do Código Civil que diz não ser causa de extinção do contrato de empreitada a morte de qualquer das partes, salvo se ajustado em consideração às qualidades pessoais do empreiteiro. A interpretação do dispositivo legal é de se fazer com cautela, porque em se cuidando o empreiteiro de pessoa natural não se poderá exigir de possíveis herdeiros o cumprimento do ajuste, por lhes faltar condições técnicas ou habilitação para tal. Nem sempre será possível aos herdeiros ou sucessores continuarem com os serviços. Se houver crédito em favor do empreiteiro, os sucessores e herdeiros podem responder na proporção das forças da herança pelo crédito existente. Se o dono da obra falece é intuitivo que a regra legal merece reserva porque é possível que os herdeiros ou sucessores não se interessem pelo serviço, ou não disponham de recursos para conclusão da obra. Nesse caso o que se pode fazer é o pagamento de serviços prestados e encerrar o contrato. (A respeito do tema: Arnaldo Rizzardo, Contratos cit., pág. 647)

2- Subempreitada

A construção tornou-se uma indústria, e as obras, em regra, envolvem várias atividades, e a necessidade de contratar técnicos, empresas especializadas, que oferecem serviço a custos mais baixo e de melhor qualidade. Em razão disso a subempreitada em largo alcance nesse segmento econômico.

A possibilidade de subempreitar abriu debate no direito anterior. E.V. DE MIRANDA CARVALHO, estudando o Código de 1916 sustentava que as condições pessoais dos contratantes encerravam uma “obrigação de fazer, que se regia ab initio pelo art. 878, e tornada mais patente pela analogia que decorria dos arts. 1.232 e 12333 do Código Civil, aplicáveis à locação de serviços propriamente dita, de que a empreitada é uma espécie”. Tal não, entretanto, não desnaturaria a pessoalidade da obrigação, o fato de o empreiteiro confiar a terceiro a sua execução, porque a regra do art. 878 só exige a execução pessoal se tal for convencionado, ou seja, que o devedor a faça pessoalmente. Se não houver convenção em contrário, seja expressa ou tácita, que o devedor a execute por si ou por outrem (Contrato de Empreitada cit., pág. 19, F)

Nesse sentido, posicionou-se HELY LOPES MEIRELLES, afastando o caráter personalíssimo do contrato, entendendo ser seu caráter pessoal. Em razão disso a execução por terceiro não seria negada, mas sob a responsabilidade do empreiteiro. (Direito de Construir cit., pág. 199)

CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA entendia ser o contrato intuito personae, o que não impedia a subempreitada, mantendo-se a responsabilidade do construtor. (Instituições de Direito Civil (Contratos), v. 3, pág. 218)

Não vejo igualmente impedimento na subempreitada, quando justificável à luz dos interesses envolvidos, e desde que não se tenha ajustado que a prática está interditada. Muitas vezes o que leva à contratação são as qualidades pessoais do empreiteiro. (Orlando Gomes, Contratos, pág. 299, nº 230) Se assim não for, é perfeitamente possível a subempreitada com a responsabilidade do construtor.

O contrato de subempreitada é espécie de subcontrato, negocio jurídico bilateral que fica subordinado ao contrato de construção, que é o contrato base ou principal. O subcontrato é novo, mas não goza de autonomia e sua gênese está vinculada ao contrato básico, e coexistem os dois contratos. (Darcy Bessone, Do Contrato, pág. 235, nº 112)

Entendo que a faculdade de contratar mão de obra e trabalhos especializados é da natureza mesma do contrato de construção. Pessoas jurídicas detêm não raro tecnologia em certas áreas, que atendem de perto à construção civil, barateando o custo e oferecendo serviços de melhor qualidade, o decorre da especialização. Por isso não se deve vedar a subempreitada parcial. Isso não se coloca somente quando há cláusula impeditiva, ou ficar evidenciado o caráter intuito personae. O construtor não se libera da responsabilidade civil em relação ao dono da obra pelo trabalho que o subempreiteiro desenvolve.

Nada impede que haja cessão de contrato, ou seja, que seja transmitido o complexo de direitos e obrigações de uma das partes, o que comumente envolve mais o construtor.

A construção tornou-se uma indústria, e as obras, em regra, envolvem várias atividades, e a necessidade de contratar técnicos, empresas especializadas, que oferecem serviço a custos mais baixo e de melhor qualidade. Em razão disso a subempreitada em largo alcance nesse segmento econômico.

A possibilidade de subempreitar abriu debate no direito anterior. E.V. DE MIRANDA CARVALHO, estudando o Código de 1916 sustentava que as condições pessoais dos contratantes encerravam uma “obrigação de fazer, que se regia ab initio pelo art. 878, e tornada mais patente pela analogia que decorria dos arts. 1.232 e 12333 do Código Civil, aplicáveis à locação de serviços propriamente dita, de que a empreitada é uma espécie”. Tal não, entretanto, não desnaturaria a pessoalidade da obrigação, o fato de o empreiteiro confiar a terceiro a sua execução, porque a regra do art. 878 só exige a execução pessoal se tal for convencionado, ou seja, que o devedor a faça pessoalmente. Se não houver convenção em contrário, seja expressa ou tácita, que o devedor a execute por si ou por outrem (Contrato de Empreitada cit., pág. 19, F)

Nesse sentido, posicionou-se HELY LOPES MEIRELLES, afastando o caráter personalíssimo do contrato, entendendo ser seu caráter pessoal. Em razão disso a execução por terceiro não seria negada, mas sob a responsabilidade do empreiteiro. (Direito de Construir cit., pág. 199)

CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA entendia ser o contrato intuito personae, o que não impedia a subempreitada, mantendo-se a responsabilidade do construtor. (Instituições de Direito Civil (Contratos), v. 3, pág. 218)

Não vejo igualmente impedimento na subempreitada, quando justificável à luz dos interesses envolvidos, e desde que não se tenha ajustado que a prática está interditada. Muitas vezes o que leva à contratação são as qualidades pessoais do empreiteiro. (Orlando Gomes, Contratos, pág. 299, nº 230) Se assim não for, é perfeitamente possível a subempreitada com a responsabilidade do construtor.

O contrato de subempreitada é espécie de subcontrato, negocio jurídico bilateral que fica subordinado ao contrato de construção, que é o contrato base ou principal. O subcontrato é novo, mas não goza de autonomia e sua gênese está vinculada ao contrato básico, e coexistem os dois contratos. (Darcy Bessone, Do Contrato, pág. 235, nº 112)

Entendo que a faculdade de contratar mão de obra e trabalhos especializados é da natureza mesma do contrato de construção. Pessoas jurídicas detêm não raro tecnologia em certas áreas, que atendem de perto à construção civil, barateando o custo e oferecendo serviços de melhor qualidade, o decorre da especialização. Por isso não se deve vedar a subempreitada parcial. Isso não se coloca somente quando há cláusula impeditiva, ou ficar evidenciado o caráter intuito personae. O construtor não se libera da responsabilidade civil em relação ao dono da obra pelo trabalho que o subempreiteiro desenvolve.

Nada impede que haja cessão de contrato, ou seja, que seja transmitido o complexo de direitos e obrigações de uma das partes, o que comumente envolve mais o construtor.

3- Incorporação Imobiliária

A Lei nº 4.591/64, no Capítulo III disciplina a construção de edificações em condomínio. Na seção I regulamente a construção em geral, reunindo preceitos legais que visam a tutela do adquirente, estabelecendo que a construção se faça pelo regime de empreitada ou de administração, podendo ser incluído no contrato de incorporação, ou ser ajustado diretamente com o construtor. (art. 48 da Lei nº 4.591/64)

O projeto e o memorial descritivo das edificações farão parte integrante do contrato (§ 1º, art.48), e do ajuste deverá constar o prazo da entrega das obras e as condições e formas de sua eventual prorrogação. (§ 2º, art. 48)

Na seção II dispõe sobre a construção por empreitada e na secção III regulamenta a construção pelo regime de administração.

No Código de 1916 o contrato de construção não conheceu autonomia, situação que persiste no Código de 2002, sendo adotadas as regra legais pertinentes à empreitada (arts. 610 e seguintes do CC)

A Lei sobre incorporações imobiliárias desenvolve disciplina própria, que considera seus aspectos gerais, as obrigações das partes, e as modalidades que ele pode revestir, ou seja, empreitada (art. 55), administração (art. 58), construção por conta e risco do incorporador, em que ele promete vender unidades autônomas a prazo e preço certo, ou reajustável, na forma prevista no contrato. (arts. 41 a 43, caput e nº V) (Nascimento Franco e Nisske Gondo, Incorporações Imobiliárias, pág.98, nº 80)

Participam do contrato em estudo, de um lado, o construtor, pessoa física ou jurídica, que disponha de habilitação para construir, e de outro lado está o adquirente, pessoa leiga, que participa da incorporação imobiliária e que busca adquirir uma unidade autônoma no prédio.

A execução da obra fica a cargo do construtor, que pode ser pessoa natural ou jurídica, mas legalmente autorizada para a atividade, como se dá no contrato de construção fora da órbita da incorporação imobiliária.  O contratante pode ser pessoa leiga, mas a obra material é necessária e obrigatoriamente atribuída ao profissional habilitado, que dispõe da formação específica para o desenvolvimento dessa atividade.

Seu objeto é a execução de uma obra material certa e determinada, vale dizer, como a construção de um prédio residencial ou comercial, prédio misto, ou casas geminadas, ou, ainda, edifício garagem.

Em se tratando de construção objeto de incorporação imobiliária, o construtor pode ajustar o negócio jurídico diretamente com o adquirente, ou estar o ajuste incluído no contrato de incorporação. (art.48) Mas mesmo que haja ajuste direto entre construtor e adquirente o incorporador é solidariamente responsável pelo cumprimento do contrato de construção. (art.31)

Integram o contrato de construção, no âmbito da incorporação imobiliária, o projeto e o memorial descritivo das edificações, e dele constará o prazo de entrega das obras e as condições e formas de eventual prorrogação. Também deve haver previsão quanto ao preço e forma de pagamento e custeio da obra.

Não se confundem o contrato de construção e o de incorporação imobiliária, porque este é celebrado entre o incorporador e os adquirentes e visa viabilizar o empreendimento, enquanto aquele encerra ajuste entre o incorporador e o construtor, ou este acorda diretamente com o adquirente, e o objeto é construir o edifício coletivo.

O contrato de construção fora do território da incorporação imobiliária pode ser consensual, mas em se tratando de incorporação imobiliária será necessariamente reduzido a instrumento público ou particular, o que se deduz da natureza do empreendimento e pela exigência de o incorporador celebrar os contratos pertinentes, como previsto no art. 35.

Respeitadas as regras legais que tutelam o adquirente, previstas na disciplina específica da modalidade contratual ajustada, pela Lei nº 4.591/64, e as exigências previstas no art. 48 a 54, há espaço para o tráfico da vontade. Lembro, ainda, que o contrato deverá obedecer as normas administrativas, que trazem exigências de interesse público para a edificação, e que levam à nulidade da cláusula contratual que ofenda tais regras. (Hely Lopes Meirelles apud Marco Aurelio S. Viana, Contrato de Construção e Responsabilidade Civil, pág. 3) Aplica-se, aqui, o que ficou dito a respeito do contrato de construção fora do território da incorporação imobiliária. (nº1, supra)

Na esfera da incorporação imobiliária, no contrato de construção, independentemente do regime adotado, deve constar de forma expressa quem responde pelas despesas com ligações de serviços públicos, devidas ao Poder Público, bem como as despesas indispensáveis à instalação, funcionamento e regulamentação do condomínio (art. 51) O parágrafo único do art. 51 dispõe a respeito do serviço público explorado mediante concessão, dizendo que os contratos deve especificar a quem caberão as despesas com as ligações que incumbam às concessionárias, no caso de não estarem obrigadas a fazê-las, ou, em estando, se houver recusa ou for alegada impossibilidade.

Pondera CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA que não se trata de minúcia despicienda, porque o assunto merece atenção dos adquirentes, o que dá tom de cautela razoável à exigência legal, que é ponto de atrito com relevante frequência. (Incorporações Imobiliárias., pág. 247, nº 152)

A previsão a respeito do assunto é salutar porque não se deixa para o fim da obra a solução dessa questão, trazendo-a a debate para momento em que as partes não estão mais envolvidas emocionalmente, com o desgaste que acaba por vir em razão do desenvolvimento das obras, como assevera o jurista.

NASCIMENTO FRANCO e NISSKE GONDO observam que as taxas cobradas pelas concessionárias podem envolver serviços de alto custo, em especial quando o edifício está situado a certa distância da rede distribuidora. Se a concessionária não estiver obrigada, pelo contrato de concessão, a responder pelo prolongamento da rede até o edifício, o ônus recai sobre os condôminos, que pagarão as despesas e atenderão à demais condições. Os juristas citam o exemplo de São Paulo em que os adquirentes devem doar ao concessionário os equipamentos e obras necessárias para ligar o edifício à rede de distribuição do serviço público desejado. (Incorporações Imobiliárias cit. pág. 129, nº 102)

O contrato deve prever, também, a quem cabem as despesas de organização legal e de regulamentação do condomínio, com consta da parte final do art. 51.

NASCIMENTO FRANCO e NISSKE GONDO exemplificam com as despesas com honorários advocatícios ou com quem for encarregado de redigir os instrumentos públicos ou particulares de instituição, especificação, discriminação, atribuição das unidades autônomas e a convenção de condomínio, emolumentos notariais e registros de imóveis, etc.  E alertam que tais gastos são indispensáveis, porque a instituição do condomínio é ato subsequente ao “habite-se”, como está na dicção do art. 44, que “exige a imediata averbação da construção, para efeito de individualização e discriminação das unidades”. (Incorporações Imobiliárias cit., pág. 129, nº 103)

Efetivamente a instituição do condomínio é ato que envolve a criação do condomínio, que se faz mediante o atendimento de condições de ordem técnica (art. 1.332 do CC) Ela importa em divisão atípica, e é por ela que se põe fim à indivisão que até então pendia sobre as áreas de uso privativo. Somente com a constituição do condomínio são atribuídas as unidades autônomas aos seus titulares, com a delimitação da propriedade sobre o terreno e partes comuns, mediante a determinação das frações ideais. (Marco Aurelio S. Viana, Manual do Condomínio Edilício, pág. 17)

Como advertem NASCIMENTO GONDO e NISSKE GONDO a instituição é ato subsequente ao habite-se, e tudo isso impõe despesas, razão pela qual é salutar que o contrato disponha de forma clara a respeito de todos os pontos indicados.

E na omissão do contrato?

A meu ver se o contrato for omisso ou se a cláusula existe, mas é capaz de gerar dúvida, interpreta-se de forma favorável ao adquirente.

No caso de omissão, tutela-se o adquirente porque o construtor/incorporador dispõe de estrutura legal que o assessora e tem pleno conhecimento da exigência legal e seu alcance. A solução é autorizada pela probidade e pela boa-fé objetiva (arts. 422 e 113 do CC) bem como norteada pela equidade. Cuida-se outrossim  de relação de consumo, o que atrai a tutela devida ao consumidor. E no âmbito específico das relações de consumo o art. 47 do CODECON socorre o exegeta as enunciar que “as cláusulas contratuais serão interpretadas de maneira mais favorável ao consumidor

Na hipótese de dúvida, busco em POTHIER a regra sétima, em que o jurista já ensinava que, em caso de dúvida, a interpretação é desenvolvida contra aquele que estipula alguma coisa e em favor daquele que tenha contraído da obrigação. (Tratado de las Obligaciones,  pág. 62, nº 97)

No contrato de construção, por força do art. 53 e incisos, deverá constar o critério e normas para cálculo de custos unitários de construção para uso dos sindicatos na forma do art. 54; os critérios e normas para execução de orçamentos de custo de construção para o regime de administração (art. 59), os critérios e normas para avalição do custo global de obra, como exigido pela alínea há do art. 32, obrigação legal do incorporador, o modelo de memorial descritivo dos acabamentos de edificação para atender aos fins do art. 32, integrando a documentação a ser arquivada pelo incorporador no registro de imóveis, o critério para entrosamento entre o cronograma das obras e o pagamento das prestações, que poderá ser introduzido nos contratos de incorporação, inclusive para o efeito de aplicação do disposto no § 2º do art. 48. O cronograma fixa as épocas estimativas das várias etapas técnicas, como preparação do terreno, fundações etc..

Os sindicatos devem expedir tabelas informativas referentes aos três padrões de construção (baixo, normal, alto) (art. 53, § 1º, b), levando em conta as condições de acabamento, a qualidade dos materiais empregados, os equipamentos, o número de elevadores e as inovações de conforto. O orçamento é elaborado de acordo com os custos unitários indicados pelo sindicato estadual da construção civil com base nas normas e critérios estabelecidos pela Associação Brasileira de Normas Técnicas, para cada tipo de prédio que padronizar.

Com as normas para cada tipo de prédio é possível alcançar uma padronização dos critérios de custo unitário, que permite segurança para a elaboração do orçamento do custo da construção, para a avaliação do custo global da obra, bem como o modelo de memorial descritivo dos acabamentos, o critério pelo qual se ajustam o cronograma das obras e o pagamento das prestações. (art. 53) (Caio Mário da Silva Pereira, Incorporações cit., pág. 247, nº152)

A disciplina do aspecto técnico do contrato de construção visou dar segurança ao adquirente, parte que não conhece, em regra, nada a respeito desse ponto, promovendo a lei, nesse particular, a igualdade contratual.

A construção por empreitada tem sua disciplina desenvolvida pelos artigos 55 a 57 da Lei n° 4.591/64, e de administração é regulamentado pelos arts. 58 a 62 da lei citada.

Na construção por empreitada o preço poderá ser fixo e a preço reajustável por índices previamente determinados. O art. 55, § 1º do art. 55 estia que se o contrato envolve preço fixo ele será irreajustável, independentemente das variações dos índices adotados e quaisquer que sejam as causas. A meu ver, é possível a resolução por onerosidade excessiva, desde que concorram os requisitos previstos no art. 478, do CC, o que se justifica em tempos de pandemia, como se dá atualmente com efeitos econômicos ainda imprevisíveis, que irá afetar diretamente a economia dos contratos.

Na construção por administração, também denominada como a preço de custo os proprietários ou adquirentes respondem pelo custo integral da obra, e por essa razão é necessário que conste do contrato o custo da obra segundo os critérios estabelecidos pela Lei n° 4.591/64.

Em qualquer uma das formas de construção é obrigatória uma comissão de representantes, que fiscalizará a obra e a obediência do projeto e especificações, representando os adquirentes.  Na hipótese de obra por administração a comissão é investida de poder para atuar em nome dos contratantes para os fins do art. 61, e suas alíneas.

É possível a subempreitada e a cessão de contrato.

Bibliografia:

CARVALHO, E.V. de Miranda. Contrato de Empreitada. 1ª. ed., Rio: Freitas Bastos, 1953.

FRANCO, Nascimento e KONDO, NissKe. Incorporações Imobiliárias. São Paulo, Revista dos Tribunais, 1972.

GOMES, Orlando. Contratos. 2ª. ed., Rio: Forense, 1966.

MARTINEZ, Pedro Romano. O Subcontrato.  Coimbra: Livraria Almedina,1989.

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito de Construir. 3ª. ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 1979.

POTHIER, R.J. Tratado de Obligaciones. Buenos Aires: Atalaya, 1947.

RIZZARDO, Arnaldo. Contratos. 6ª. ed., Rio: Forense, 2006.

SILVA PEREIRA, Caio Mário da. Instituições de Direito Civil (Contratos).Rio: Forense, v. 3, 1963.

VIANA, Marco Aurelio S. Contrato de Construção e Responsabilidade Civil. 2ª. ed., São Paulo: Saraiva,1981.

__________________Manual do Condomínio Edilício. Rio: Forense, 2009.

_________________Comentários ao Novo Código Civil. 4ª. ed.. Rio: Forense, v. XVI, 2013,

Barra Separao

Cessão de Posição Contratual

Marco Aurelio S. Viana
Doutor em Direito Civil (UFMG) – Advogado em Belo Horizonte

23/06/2020

Resumo: o estudo é desenvolvido a respeito da cessão de contrato ou de posição contratual, sua base legal no direito brasileiro, como se opera, seus requisitos e partes envolvidas no ajuste de cessão, sua forma, seus efeitos, e faz distinção do subcontrato.

Palavras chaves: cessão de posição contatual; princípio da atipicidade contratual; numerus apertus; fixação do conteúdo do contrato; contrato de construção; contrato de incorporação imobiliária, transmissão de obrigações; cessão de crédito; assunção de dívida; subcontrato, liberdade de contratar.

O Código Civil de 2002 não disciplina a cessão de posição contratual, na linha do Código Civil de 1916. Em que pese cuidar-se de transmissão das obrigações, regulamentou a cessão de crédito (arts. 286 e segs.) e a assunção de dívida (arts. 299 e segs.), mas não contemplou o instituto jurídico em questão.

            A transferência do crédito e do débito é construção do direito moderno, que se afasta do direito romano, em que a obrigação conhecia cunho personalista. Visa o instituto atender à vida econômica, dando tegumento jurídico ao fato econômico. Por isso a disciplina da cessão de crédito e da assunção de dívida, e a necessidade de se considerar o contrato como valor econômico, a permitir que uma das partes tenha sua posição contratual assumida por terceiro, operando-se a substituição de um dos contratantes por outra pessoa, que assumo sua posição no contrato. Com a cessão da posição contratual a operação se faz em um único ajuste, com a cessão do crédito e das obrigações do contratante, que é substituído.

    No direito anterior, CARLOS ALBERTO MOTA PINTO esclarecia que se cuidava de transferência ex contractu da posição contratual de uma das partes para terceiro com o consentimento do outro contraente e que, em pese não fosse objeto de regulamentação geral, entendia que era de se reconhecer a existência da cessão do contrato, em que pese o silêncio da lei. (Cessão de Contrato, pág. 431)

Também ORLANDO GOMES ensinava que são três as figuras necessárias à sua realização: o cedente, o cessionário e o cedido. O cedente é o contratante originário que transfere para terceiro a sua posição contratual; o cessionário é quem substitui o contratante originário; a outra parte, que se conserva na relação contratual, cujo consentimento é indispensável, e que pode ser designada como contratante cedido. (Contratos, pág,. 142, nº 108)

     Como encarece CARLOS ALBERTO DA MOTA PINTO, a cessão de posição contatual é dirigida “à circulação da relação contratual, isto é, à transferência ex negocio por uma das partes contratuais (cedente), com o consentimento do outro contraente (cedido) para um terceiro (cessionário) do complexo de posições ativas e passivas criados por um contrato”. (Cessão de Contrato, pág. 60)

        No direito português tem previsão no art. 424º do Código Civil, que admite a solução nos contratos de prestações recíprocas, e assegura a qualquer das partes de transferir a terceiro a sua posição contratual, desde que o outro contraente, antes ou depois da celebração do contrato, consinta na transmissão. Se o consentimento do outro contraente for anterior à cessão, está só produz efeitos a partir de sua notificação ou reconhecimento.

      Comentando o dispositivo legal do direito português PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA ensinam que se utiliza a terminologia cessão de contrato ou assunção de contrato, também, não se confundindo com a cessão ou transmissão dos créditos ou das dívidas, porque “tem por seu conteúdo a totalidade da posição contratual, no seu conjunto de direitos e obrigações“. (Código Civil Anotado, pág. 400)

A cessão da posição contratual reclama a existência de dois contratos: o contrato-base e o contrato-instrumento da cessão. Este é o que é utilizado para que se opere a transmissão de uma das posições derivadas do contrato-base, envolvendo três sujeitos: o contratante que transmite a sua posição (cedente), o terceiro que adquire a posição transmitida (cessionário) e a contraparte do cedente no contrato originário, que passa a ser a contraparte do cessionário (contraente cedido, ou, simplesmente, cedido). “A relação contratual que tinha como um dos titulares o cedente é a mesma de que passa a ser sujeito, após o novo negócio, o cessionário”. (Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil cit., pág. 400)

 JOSÉ DE MATOS ANTUNES VARELA no estudo da transmissão das obrigações adverte que “o fenômeno da transmissão dos direitos de créditos e obrigações, por meio de negócios entre vivos, pode ainda revestir uma outra forma, de sentido mais amplo do que qualquer das analisadas nas seccões precedentes”. (Das Obrigações em Geral, v. II, pág. 381)

Depois de passar em revista a evolução ocorrida até a sua consagração legislativa, observa que a figura era desconhecida do Código Civil de Portugal de 1867 como figura de caráter geral, o jurista observa que o dogma da intransmissibilidade das obrigações só foi vencida pelo Código Civil francês, que o consagra (arts. 1689 e segs.), mas era completamente omisso quanto à transmissão das dívidas. Já a assunção de dívida só aparece legislativamente reconhecida no Código Civil alemão (§§ 414 e segs.). A cessão da posição contratual é o último passo da escalada, encontrando assento legislativo no Código italiano de 1942 (arts. 1406 e segs.) E enfatiza que a permissão da transferência de todos os direitos e obrigações nascidas do contrato bilateral, em termos gerais, como previsto naquele diploma legislativo, “corresponde a necessidades próprias de economias bastantes evoluídas, e só foi verdadeiramente compreendida, em todo o seu alcance, a partir da época em que a moderna doutrina das obrigações pôs a descoberto a complexidade da teia de vínculos compreendidos no seio da relação creditória”. (Das Obrigações em Geral cit., v. II, pág. 386)

No mesmo tom orientava-se ORLANDO GOMES, no estudo do tema sob as luzes do Código de 1916, ensinando que os contratos podem ser cedidos em bloco. O jurista dizia que nessa hipótese a “posição contratual de uma das partes é assumida por terceiro. Assim, a cessão consiste, em última análise, na substituição de um dos contratantes por outra pessoa que passa a figurar na relação jurídica como se fora a parte de quem tomou o lugar. Esclarece ANDRELOLI que é a transferência negocial a um terceiro do conjunto de posições contratuais”. (Contratos cit., pág. 142, nº 108)

Acusava, então, como está na doutrina portuguesa citada, a presença de três figuras, que são necessárias à sua realização: o cedente, o cessionário e o cedido. O cedente é o contratante originário, que transfere a terceiro a sua posição contratual; cessionário é quem substitui o contratante originário e a outra parte, que se conserva na relação contratual, é “figura indispensável por imprescindível seu consentimento. Pode ser designada como contratante cedido”. (Contratos cit., pág. 142, nº 108) “Acrescenta que a “cessão é operação que se baseia na ideia de que o contrato é um valor econômico” e, como tal, comporta transferência, o que leva a se falar em circulação do contrato”. (Contratos cit., pág. 142, nº 108)

DARCY BESSONE admitia, também, a cessão de posição contratual, observando que ela somente podia ocorrer depois da celebração do contrato e antes da sua execução total. Antes de o contrato estar formado não há, com efeito, o que ceder. Executado integralmente encerra-se o ciclo da sua existência, o que inibe a transmissão. (Do Contrato cit., pág. 143, nº 109)

O Código Civil de 2002 não desenvolveu a regulamentação legal da cessão de posição contratual em termos gerais, mas avançou quando disciplina a transmissão das obrigações, dispondo a respeito da cessão de crédito (art. 286 e segs.), como já o fizera o Código de 1916 (art. 1.065 e segs.), e introduziu a assunção de dívida (arts. 299 e segs. do CC).  Assim, o direito positivo admite que o credor ceda o seu crédito e que terceiro assuma a obrigação do devedor.

Ocorre que na cessão da posição contratual não se tem multiplicidade de contratos, mas um único ato em que a operação é realizada, ocorrendo a transferência da totalidade dos direitos e obrigações da parte cedente, na sua unidade orgânica. O negócio de cessão é único e simples. (Orlando Gomes, Contratos cit., pág. 143, nº 108)

O que se dá é que na cessão de crédito (art. 286, do CC) há a substituição do lado ativo, mantendo-se inalterado o lado passivo da relação obrigacional. Na cessão do contrato tem-se uma transmissão unitária.

As lições alinhadas são bastante claras a autorizar a cessão de posição contratual, que alcança também o contrato de construção e o contrato de incorporação imobiliária, e deve ser analisada à luz da natureza da relação contratual em questão, que envolve relação de consumo, o que reclama para o caso concreto, a tutela que é devida ao consumidor.

Em que pese não estar disciplinado entre os contratos típicos, o art. 425 do Código Civil de 2002 permite que as partes estipulem contratos atípicos, fixando o conteúdo do contrato, o que se contém no território da liberdade de contratar. É possível, ainda que não haja um modelo previsto na Lei civil, o dispositivo citado autoriza a estipulação, dentro do limite traçado pelas normas gerais prevista no diploma civil.  Prevalece o princípio da atipicidade ou de numerus apertus, ficando autorizada a livre convenção, desde que respeitem as normas gerais traçadas pelo Código, ou seja é possível ajustar tudo que não seja proibido. (Darcy Bessone, Do Contrato cit., pág. 42)

É de se respeitar o interesse das partes e salvaguardar a ordem pública e a facilidade e segurança do comércio jurídico. (Mário Júlio de Almeida Costa, Curso de Obrigações cit.., pág. 200)

A cessão do contrato deve ser reduzida a instrumento público ou particular. A operação envolve contrato bilateral, porque ele comporta obrigações recíprocas e é necessário que as prestações dos contratantes não tenham sido satisfeitas no todo. (Orlando Gomes, Contratos cit., pág. 144, nº 110)

Na cessão do contrato comparecem o cedente, o cessionário e o cedido. O consentimento deste é indispensável seja ela prévia ou simultânea ou posterior. Nada impede que, ao celebrar o contrato de construção ou de incorporação imobiliária, venha ajuste no sentido de o construtor ou o incorporador possa ceder a sua posição contratual. Nessa hipótese é indispensável a notificação do outro contratante dando-lhe ciência. O consentimento do cedido pode ocorrer simultaneamente, no mesmo instrumento, ou vir posteriormente, após  assinatura do contrato pelo cedente e o cessionário. Para que o contrato seja aperfeiçoado indispensável a adesão do outro contratante. (Orlando Gomes, Contratos cit., pág.136, nº 1112; Carlos Alberto da Mota Pinto, Cessão de Contrato, pág. 432)

ARNALDO RIZZARDO observa, examinando sua estrutura, que ocorre a substituição de uma contratante por outro, “transferindo-se todo o conteúdo do contrato. O cessionário se investe nos mesmos direitos do cedente, assumindo-lhe a posição contatual. O vínculo contratual criado pelos estipulantes originais modifica-se subjetivamente. Daí ser imperativo, nesta forma, o consentimento do contratante cedido, mesmo quando não ocorre a exoneração da responsabilidade do cedente”. (Contratos, pág. 90)

Os efeitos da cessão são os seguintes: o cessionário assume o complexo de direitos e obrigações do cedente, e pagará a este a contraprestação que tenham ajustado, como preço da cessão. Se a cessão for gratuita, nada será devido como contrapartida de cessão. O cedente obriga-se a garantir ao cessionário a existência, a validade e a legitimidade para dispor da relação contratual. Se não houver cláusula especial no sentido de garantia da solvabilidade do cedido, o cedente nada garante quanto a essa solvabilidade, nem em relação ao cumprimento da avença. Na relação entre cedente e cedido, ocorre a transmissão da relação contratual do cedente e do cessionário, extinguindo-se subjetivamente os direitos e obrigações contratuais entre eles. Mas é possível que se processe a cessão do contrato sem liberação do cedente, existindo cláusula a respeito.  O cedente continua vinculado ao cedido se o cessionário não cumprir o que foi ajustado. Entre cedido e cessionário eles ficam vinculados à relação contratual cedida, no estádio de evolução em que se encontrava no momento da cessão, na esfera jurídica do cedente. (Carlos Alberto da Mota Pinto, Cessão do Contrato, pág.442, nº 82)

Não se confunde a cessão de contrato com o subcontrato. A distinção teórica é desenvolvida por PEDRO ROMANO MARTINEZ, que alerta que “na cessão transfere-se um direito para terceiro, há uma modificação subjetiva pela qual um dos contraentes originários (o cedente) deixa de ser parte no contrato. Mesmo que o cedente fique garante do cumprimento das obrigações (art. 426º, 2), só responderá, em regra, subsidiariamente. Pelo contrário, no subcontrato, como subsiste o vínculo inicial, o intermediário continua adstrito às mesmas obrigações para com o primeiro contraentes, e, por força de um novo contrato (derivado), gera-se outro direito: não há substituição mas sobreposição de sujeitos”. (O Subcontrato, pág. 88)

DARCY BESSONE não diverge dizendo que são figuras distintas. No subcontrato há um contrato-pai, e um contrato-filho, “no sentido de que este descende daquele. O subcontrato é novo, mas não autônomo, precisamente porque nasce e permanece vinculado ao contrário básico. No surgimento de um segundo contrato, para coexistir com o primeiro, a ele se ligando umbilicalmente, acha-se a diferença fundamental entre o subcontrato e a cessão da posição contratual, que não suscita tal simultaneidade de contratos”. ( Do Contrato cit., pág. 235, nº 112)

Efetivamente, na cessão de contrato opera-se a transferência pelo cedente ao cessionário do complexo de direitos e obrigações que assumiu no contrato-base, havendo mutação subjetiva, desligando-se o cedente, que é substituído pelo cedido. No subcontrato o que se tem é um novo contrato, que não goza de independência porque subsiste o vínculo contratual anterior.  Há  subordinação ao contrato-pai ou contrato-base. Como exemplo tome-se a subempreitada em relação ao contrato de construção de onde deriva. A complexidade da construção nos tempos atuais impõe uma significativa diversidade de operações, materiais e equipamentos, o que reclama a presença de técnicos e artífices que atuam durante a execução da obra. A necessidade de subcontratar mão de obra e empresas para as diferentes etapas de uma obra, visando baratear custo  é inquestionável. Mas o construtor está autorizado a subempreitar, sem que o contrato principal (contrato de construção) seja extinto, estando o contrato de subempreitada ligado a este.

Bibliografia:

BESSONE, Darcy. Do Contrato (Teoria Geral  3ª. ed., Rio: Forense, 1987.

GOMES, Orlando. Contratos. 2ª. ed., Rio: Forense, 1966.

LIMA, Pires de, VARELA, Antunes. Código Civil Anotado. 4ª. ed., Coimbra: Coimbra Editora, v. I, 1987)

MARTINEZ, Pedro Romano. O Subcontrato. Coimbra: Livraria Almedina, 1989.

PINTO, Carlos Alberto da Mota. Cessão de Contrato. São Paulo: Saraiva, 1985.

RIZZARDO, Arnaldo. Contratos. 6ª.a ed., Rio: Forense, 2006.

VARELA, João de Matos, Antunes. Das Obrigações em Geral. 5ª. ed., Coimbra:  Almedina, vol. 2;.

VIANA, Marco Aurelio S. Curso de Direito Civil (Contratos). Rio: Forense, 2008.

 

Barra Separao

Imprevisão. Contratos de execução continuada ou diferida. Contrato bilateral. Onerosidade Excessiva.

Marco Aurelio S. Viana
Doutor em Direito Civil (UFMG) – Advogado em Belo Horizonte

18/06/2020

Resumo: a adoção da teoria da imprevisão no direito positivo e sua importância em razão da pandemia. Seu campo de atuação em razão das alterações da situação econômico ao tempo da contratação e sua execução. A onerosidade excessiva disciplinada pelo Código Civil, seus requisitos. A interpretação que reclama se socorro à razoabilidade, à proporcionalidade, a proteção da dignidade da pessoa humana, a solução que deve se ater ao caso concreto.

Palavras Chave: cláusula rebus sic stantibus; teoria da imprevisão; força obrigatória dos contratos; pacta sunt servanda; equidade; logos do razoável; princípio da razoabilidade; princípio da proporcionalidade; dignidade da pessoa humana; princípio da concretude; pandemia.

O ambiente econômico que permitiu que o contrato se formasse pode não ser o mesmo quando de sua execução. Ocorrem modificações nas condições econômicas entre o momento da celebração e o cumprimento das obrigações. Apresenta-se fator imprevisível que afeta a execução do contrato por um dos contratantes, tornando-a particularmente onerosa.

O individualismo que informou a sociedade romana não se preocupou com esse estado de coisas, e somente na Idade Média, por obra dos canonistas é que se formula a cláusula rebus sic stantibus, que se tinha como presente nos contratos de duração e de execução diferida visando temperar a força obrigatória dos contratos, que impõe o seu fiel cumprimento. O poder vinculante decorrente da força obrigatória do contrato (pacta sunt servanda) ficava subordinada à manutenção ou continuação do estado de fato vigente ao tempo da contratação. Se o estado de fato alterava-se, gerando situação imprevisível ao tempo da celebração, admitia-se a desvinculação, por parte daquele que fosse atingido, tornando o cumprimento da obrigação excessivamente majorada. Inicialmente veio baseada na presença de cláusula resolutiva implícita e na mudança do estado de fato que presidiu a formação do vínculo.

Houve evolução natural com a adição do elemento imprevisibilidade, a impossibilidade de se prever a mudança do ambiente econômico, do estado de fato que cercou o ajuste. Esse o caminho da teoria da imprevisão. O individualismo que continuou a grassar na sociedade humana e tão presente no Código Civil brasileiro de 1916 contribuiu para que a teoria fosse esquecida, retornado, no entanto no século XX.

A Primeira Guerra Mundial trouxe significativos desequilíbrios na economia dos contratos, alcançando a economia em geral, resultando dos reflexos na vida social, e “passado o esplendor individualista, que foi o século XIX, convenceu-se o jurista de que a economia do contrato não pode se confiada ao puro jogo das competições particulares.”. (Caio Mário da Silva Pereira, Instituições de Direito Civil (Contratos), v.3, pág. 161, nº 216. No mesmo sentido: Carlos Alberto Bittar, A Teoria da Imprevisão: evolução e contornos atuais, In Contornos Atuais da Teoria dos Contratos, pág. 100)

Nos dias que atuais, em que a pandemia atinge toda sociedade humana, nos diversos continentes, sem fazer distinção do grau de saúde das economias dos Estados, é de bom alvitre que o jurista debruce sobre o tema em razão dos reflexos significativos e imprevisíveis trazidos para o ambiente econômico, que afeta de perto o cumprimento dos contratos, e que passa a exigir do intérprete e aplicador da lei muita sensibilidade e dose de equidade, assentado na razoabilidade, tendo em vista o indivíduo situado, e não abstratamente considerado, um dos princípios que informa o direito obrigacional no direito pátrio. O princípio da concretude, que autoriza a solução para o caso concreto veio com o Projeto de Código Civil.  MIGUEL REALE, pondera que “não interessa ao jurista o indivíduo isolado, como pura abstração, mas sim, repito, o homem situado, o integrado na sua circunstância. O ensinamento de Ortega y Gasset, Eu sou eu e a minha circunstância, é válida, também, para o jurista”. (Estudos de Filosofia e Ciência do Direito, pág. 175)

O Código de Processo Civil de 2015, no art. 8º determina que o juiz na aplicação do ordenamento jurídico deve atender aos fins sociais e às exigências do bem comum, “resguardando e promovendo a dignidade da pessoa humana e observando a proporcionalidade, a razoabilidade, a legalidade, a publicidade e a eficiência”.

Repete o que se continha no art. 5º da Lei de Introdução ao Código Civil de 1916, e que consta do art. 5º da Lei de Introdução às Normas do Direito Privado Brasileiro, no que diz respeito aos fins sociais e às exigências do bem comum. É certo que o dispositivo em questão já contemplava o logos do razoável. LUIZ RECASENS SICHES advertiu que a lógica formal não esgota a totalidade do logos, da Razão, sendo apenas um setor ou província. E é nessas outras zonas ou regiões que se encontra o logos dos problemas humanos de conduta prática, que é o denominado logos do razoável. (Luiz Recasens Siches, apud Alípio Silveira, Hermenêutica Jurídica, vol. 1, pág. 168)

Por isso a lógica jurídica é a lógica do razoável, e ela conduz à decisão adequada ao caso concreto, não sendo possível dispensar o conteúdo existencial, porque ele se instaura em torno de um problema concreto. Em outras palavras: a solução se faz para o caso concreto.

Antes da Primeira Guerra Mundial que afetou as relações econômicas, em 1906, a Itália foi agitada pela questão das indenizações securitárias dos incêndios provocados pelo terremoto, em Messina e Reggio di Calabria. Em que pese a regra insculpida no art. 1.123, do Código Civil italiano de 1865, que estatuía a força obrigatória do contrato, não impediu que as seguradoras fossem eximidas do pagamento do prêmio no caso dos incêndios. E é na Itália que se tem o primeiro texto disciplinando objetivamente a questão (Decreto- lei n° 739, de 25 de maio de 1925) O art. 1º estatuía: “Para todos os efeitos do art. 1.226 do CC, a guerra é considerada como caso de força maior, para exonerar o devedor das responsabilidades decorreres dos contratos celebrados antes do decreto de mobilização geral, não só quando torne possível a prestação, mas também quando acarrete excessiva onerosidade”. O Código Civil de 1942, em que pese adotar o princípio da força obrigatória, no art. 1.372, permite a revisão no art. 1.467. (Francesco Messineo, Dottrina Generale del Contrato, pág. 501)

Na Inglaterra a questão levada aos tribunais envolveu a controvérsia dos “casos das localidades da coroação” – coronatio nat cases. A coroação de Eduardo VII levou à locação de balcões, janelas, terraços, etc. a preços altíssimos, de onde o locatário poderia assistir ao cortejo real. Com a doença do monarca a coroação foi adiada, o que levou à revisão dos contratos, concluindo os tribunais que  os locatários estavam dispensados do pagamento dos aluguéis, a despeito de terem os lugares ficado à sua disposição. (Darcy Bessone, Contratos cit., pág. 227)

A imprevisão mereceu repúdio inicialmente da Corte de Cassação na França. O art. 1.134 do Code Napoléon edita que “Las conventions  légalement formées tiennent lieu à ceux qui les ons faits..” O dispositivo revela a força obrigatória dos contratos, e o entendimento era no sentido da aplicação do contrato segundo ao vontade claramente exprimida pelas partes, partindo da al. 3 do art. 1.134, que fazia referência à boa-fé na execução do contrato. (Pierre Voirin, Manuel de Droit Civil, pág. 412, nº 859) O jurista observa que o legislador interveio e organizou a revisão das cláusulas dos contratos, buscando adaptar à situação econômica nova. (Manuel de Droit Civil, pág. 412, nº 859)

E na Alemanha, em que pese o silêncio do Código Civil, a tese revisionista passou a ser admitida com apoio na teoria da falta ou perda da base negocial. (Marco Aurelio S. Viana, Curso cit. (Contratos), pág. 127)

O Código Civil colombiano não consagrou de maneira direta e positiva a teoria da imprevisão e suas consequências. Muito ao contrário haveria obstáculo no art. 1.602 que dispõe ser o contrato legalmente celebrado lei para os contratantes e não pode ser invalidado senão por mútuo consentimento, ou por causas legais. Mas se tem pretendido que ela é admitida implicitamente, como se dá com o art. 1.603 do diploma civil, que determina que a boa-fé presida a execução dos contratos. Os juízes colombiano, alheios à construções teórica de alguns países estrangeiros e indiferentes às fórmulas de interpretação, têm negado a criar a figura da imprevisão por via jurisprudencial, e preferem seguir os rígidos modelos subjetivistas do art. 1.602. (Antonio da La Vela Vélez, Bases del Derecho de Obligaciones, pág. 204/2015)

No direito argentino a redação do art. 1198, do Código Civil, permite a resolução de contrato bilateral, comutativo e unilaterais onerosos e comutativos de execução diferida ou continuada, se a prestação a cargo de uma das partes se torna excessivamente onerosa, em razão de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis. O mesmo princípio tem aplicação aos contratos aleatórios quando a excessiva onerosidade é produto de causas estranhas ao risco próprio do contrato. A doutrina aponta que a excessiva onerosidade deve ser derivada de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, e exemplifica com uma guerra, uma revolução, una inflação não se tinha como prever.  E adverte que o prejudicado não pode ter obrado com culpa ou estar em mora, porque o acontecimento, que produz o desequilíbrio de contraprestações foi posterior à mora do devedor, ele não pode pretender se eximir de um prejuízo que não sofreria se houvesse cumprido cabalmente suas obrigações. (Guillermo A. Borda, Manual de Obligaciones, pág. 95/96)

O Código Civil português permite a resolução ou modificação o contrato por alteração das circunstâncias. O art. 437º, 1,  cuida das condições de admissibilidade dispondo que “se as circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar tiverem sofrido uma alteração anormal, tem a parte lesada direito à resolução do contrato, ou à modificação dele segundo juízos de equidade, desde que a exigência das obrigações pro ela assumidas afecte gravemente os princípios da boa-fé e não esteja coberta pelos riscos próprios do contrato”. A doutrina entende que “haja alteração anormal das circunstâncias em que as partes tenham fundado a decisão de contratar”. Esclarece, ainda, que a lei não exige que a alteração seja imprevisível, ao contrário do que faz o Código italiano, mas que “o requisito da anormalidade conduzirá praticamente quase ao mesmo resultado (cfr. a ano. de Vaz Serra ao acórdão do S.T.J, de 17 de fevereiro de 1980, na Ver. De Leg. E de Jur., ano 113º, págs. 306 e segs.)”. (Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, pág. 412)

O exame do direito comparado permite concluir que alguns Códigos adotam a teoria da imprevisão, outros não o fazem, mas legislação ordinária permite sua incidência nas relações que disciplina, e que a jurisprudência caminhou nesse sentido em vários países.

O Código Civil de 1916 não acolheu a revisão, o que se explica pelo cunho individualista que o alimentou. Havia divergência doutrinária a respeito do tema. Em estudo a respeito do contrato de construção apontei esse ponto no que dizia respeito à sua aplicação fora da incorporação imobiliária. Uma corrente admitia sua incidência, como está em HELY LOPES MEIRELLES, SILVIO RODRIGUES, CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA, SERPA LOPES. (Manual do Condomínio e das Incorporações Imobiliárias, pág. 114) Outros doutrinadores não a acolhiam, como CARVALHO DE MENDONÇA, WASHINGTONDE BARROS MONTEIRO e RUBENS AGUIAR MAGALHÃES. No território das incorporações imobiliárias CAIO MARIO DA SILVA PEREIRA não a admitia fora de acordo expresso, entendimento esposado por ZOLA FLOREZANO. (Marco Aurelio S. Viana, Manual do Condomínio e das Incorporações Imobiliárias, pág. 114)

A jurisprudência admitia a aplicação da cláusula rebus sic stantibus nos contratos de construção, exceção feita àqueles pertinentes às incorporações imobiliárias e às empreitadas a prazo breve. (RE 75.111, rel. Min. Aliomar Baleeiro) Esse entendimento era seguido pelos tribunais regionais. (Marco Aurelio S. Viana, A Empreitada de Construção nas Decisões dos Tribunais, pág. 78, nº 12)

Naquela oportunidade refutei o entendimento que não admitia a aplicação na empreitada a preço fixo, na órbita da incorporação imobiliária, também, ao argumento segundo o qual em regime de estável não se justificava que o construtor assumisse sozinho os efeitos da presença de fatos imprevisíveis, no momento da celebração do contrato, quando a imprevisão era admitida fora do território da lei especial.  Sustentei que cabia ao juiz, no exame do caso concreto, apurar a ocorrência de elementos que levassem a concluir que a onerosidade era fruto de fatos imprevisíveis, extraordinários, que o construtor não tinha como prever no momento da contratação, sob pena de ofensa a equidade. (Marco Aurelio S. Viana, A Empreitada de Construção cit., pág. 86)

Em que pese a divergência doutrinária e a distinção levada a efeito pela jurisprudência, fato é que a legislação extravagante acolhia a imprevisão, o que se apura com a crise econômica dos ano de 1930. Surgem medidas de emergência para atender ao panorama criado pela crise citada. É o que se apura como Decreto nº 19.573/31, que se refere à cláusula rebus sic stantibus na sua exposição de motivos. Permitiu-se, então, a rescisão de locação de funcionário público ou militar, no caso de remoção ou redução dos seus vencimentos; a Lei de luvas, Decreto nº 24.150/34, que acolhe a teoria da imprevisão no art. 31. (Darcy Bessone, Do Contrato cit., pág. 286) No território das relações de consumo, a Lei nº 8.078/1990, o denominado Código de Defesa do Consumidor admite a revisão contratual, dizendo no inciso V, do art. 6º, que “a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas”.

Na jurisprudência a resistência dos tribunais é vencida pelo então juiz Nelson Hungria, em julgado de 1930 (RF 100/178), que admitiu e reconheceu a interrupção do contrato por motivo superveniente. A jurisprudência constrói-se a partir da primeira instância, e a cultura do juiz é fundamental para a evolução. Em seguida, as Súmulas 324, 490 e 562 do Supremo Tribunal Federal acolhem a teoria. A jurisprudência, como regra, admite a imprevisão. (Arnoldo Wald, Obrigações e contratos, pág. 210)

O Anteprojeto de Código de Obrigações, de 1941, da lavra de Orosimbo Nonato, Philadelpho Azevedo e Hahnemann Guimarães, contemplava, no art. 322, da teoria da imprevisão. Também naquele apresentado por Caio Mário da Silva Pereira, em 1963, nos arts. 358 a 361, presente o instituto, que se aplicaria aos contratos de execução diferida ou sucessiva. O Projeto de Código Civil de 1977  acolheu a matéria nos artigos 477 a 479.

No plano interno o caminho estava sedimentado e propício para que a teoria fosse contemplada em texto legal, o que efetivamente se deu com o Código Civil de 2002, arts. 478 a 479.  A adoção tem inspiração na equidade e permite que se estabeleça justo equilíbrio entre os contratantes. (Filadelfo Azevedo , In RT, 307/179)

O Código Civil, arts. 478 a 480 disciplina a resolução do contrato por onerosidade excessiva.

A resolução é admitida nos contratos de execução continuada ou diferida. No direito português, o Código Civil não faz a distinção. (art. 437, I) A doutrina, na interpretação do dispositivo legal, admite a incidência em qualquer espécie contratual. Dentro dessa linha não se exige que as prestações sejam correspectivas, admitindo-se que o contrato unilateral esteja entre aqueles aos quais se aplica a teoria da imprevisão. (Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil cit., pág. 413; Mário Júlio de Almeida Costa, Direito das Obrigações, pág. 271)

No mesmo sentido o direito argentino, art. 1.198 do Código Civil.

A meu ver a equidade permite que, no caso concreto, a aplicação se faça sempre e independentemente da espécie de contrato, desde que não seja de execução imediata, e alguma das prestações deva ser realizada no futuro. Na verdade o que justifica a incidência da norma é o desequilíbrio na economia do contrato que pode alcançar contrato bilateral, por exemplo, quando a prestação de uma das partes é para ser cumprida no futuro, e isso se dá em momento ela se torna excessivamente onerosa em razão de fato extraordinário e imprevisível, como se dá, atualmente, com os efeitos da pandemia.

A resolução é admitida quando a prestação se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra para a outra parte, e que isso decorra de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis. (art. 478, do CC)

Não é bastante que a prestação se faça onerosa, mas que seja excessivamente onerosa. O excesso é que justifica a incidência da regra legal. É de se apurar o ambiente econômico ao tempo da contratação e promover a comparação com o que se apresenta no momento da execução.  Quando da vinculação o estado das coisas era um, e no momento da execução houve uma mudança nas circunstâncias de tal monta que a prestação se torne excessivamente onerosa sob o ponto de vista econômico, levando a uma prestação completamente distinta daquela originariamente pensada. (Mário Júlio de Almeida Costa, Direito das Obrigações cit., pág. 266)

Um dos contratantes experimenta empobrecimento em razão da onerosidade excessiva, o que permite uma vantagem para o outro, que se enriquece em razão do benefício exagerado, ferindo a economia do contrato.  É de se apurar a presença da excessiva onerosidade e a extrema vantagem, o que não significa que se deva exigir a ruína econômica de uma das partes, mas que o cumprimento da prestação, em decorrência da modificação quantitativa, faça-se tão vultosa que impõe sacrifício econômico para ser atendida. (Orlando Gomes, Contratos, nº20) A economia do contrato não reflete mais o equilíbrio necessário entre a posição das partes, que decorre do fato imprevisível. (Carlos Alberto Bittar, A Intervenção Estatal na Economia Contratual e a Teoria da Imprevisão, pág. 37)

Além da onerosidade excessiva mister a extrema vantagem para a outra parte. Em que pese ser a vantagem  regra em matéria negocial, ocorre uma quebra de equilíbrio, que se estabelecera originariamente e que não pode ser tolerada, porque torna penosa a situação da parte prejudicada, impondo-lhe sacrifício econômico e alterando de forma extrema o benefício perseguido pelo outro contratante, que escapa dos parâmetros de normalidade, que informaram as circunstâncias que cercaram a vontade dos contratantes. O justo para o caso concreto reclama a utilização da equidade, que ameniza o rigor da lei, levando à justiça ideal, impedindo que o rigor da lei se torne em atendado ao próprio direito: ”summum ius, summa iniuria”. (Caio Mário da Silva Pereira, Instituições cit.,, vol. I, pág.76, nº 13

A prestação de uma das partes se torna excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, como decorrência de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis. O Código Civil italiano fala, igualmente, em acontecimentos extraordinários e imprevisíveis. (art. 1.467) A doutrina ensina que acontecimento extraordinário é aquele que não é normal se verificar e que a parte não podia imaginar no momento da celebração do contrato, levando à imprevisibilidade do evento. (Messineo, Dotrrina Generale cit., pág. 503) No mesmo sentido, no direito pátrio, entende ORLANDO GOMES, que incidem circunstâncias extraordinárias que determinam radical alteração no estado de fato contemporâneo à celebração. (Contratos cit., nº 20)

O prejudicado não pode estar em mora, porque se o acontecimento, que produz o desequilíbrio de contraprestações foi posterior à mora do devedor, ele não é saudável pretender se eximir de um prejuízo que não sofreria se houvesse cumprido cabalmente suas obrigações. É o entendimento da doutrina no direito argentino, como ficou dito no estudo do direito comparado, que pode orientar a solução no direito pátrio.

O prejudicado deve ir ao Judiciário para obter a resolução do contrato, viabilizando sua liberação, não lhe sendo possível romper unilateralmente o ajuste. Aquilo que foi pago antes do ingresso em juízo, não é alcançado pela sentença, porque houve pagamento espontâneo. Somente o que foi recebido ou dado na pendência da lide será modificado na execução da sentença que acolher a pretensão relativa ao reconhecimento da onerosidade excessiva. Na parte final do art. 478, do CC, consta que “os efeitos da sentença que a decretar retroagirão à data da citação”.

O art. 479, do CC faculta ao réu oferecer modificação equitativa das condições do contrato para afastar a resolução. É o que se tem no direito português, como visto. Há um juízo de equidade, que se analisa objetivamente, permitindo que se recomponha o equilíbrio contratual. O réu demonstrará objetivamente que a modificação que é oferecida é realmente capaz de modificar equitativamente as condições do contrato. Se a proposta não for aceita, cabe ao juiz definir pela resolução, ou manter o contrato com as modificações propostas.

O art. 480, do CC dispõe a respeito de contrato em que as obrigações caibam a apenas uma das partes e assegura a ela pleitear redução ou  alterado o modo de executá-la, com o fim de evitar a onerosidade excessiva. PAULO NADER entende que a dicção do artigo em exame é aplicável aos contratos unilaterais. (Curso de Direito Civil (Contratos), v. 3, pág. 188)

Em razão da pandemia, que afeta profundamente a economia mundial, muitos contratos celebrados antes do evento, em ambiente econômico diferente do que atualmente se apresenta, ficarão sujeitos à resolução com fundamento na onerosidade excessiva. Não se pode negar que se cuida de acontecimento extraordinário e imprevisível, porque ninguém teria como supor que um fato dessa natureza e alcance se colocaria como ocorreu. Já os ajustes firmados durante a pandemia não podem gozar do mesmo tratamento porque foram concretizados em clima econômico já desgastado, sem nenhuma certeza ou possibilidade de solução em curto prazo.

Sempre a busca da conciliação é o melhor caminho, evitando-se a busca do Judiciário para dirimir o conflito de interesses.

Se não for possível a solução amigável a interpretação e aplicação das regras pertinentes à onerosidade excessiva passa a ser atribuição do juiz. É de atentar que a solução se faz para o caso concreto, em função do indivíduo situado, firme na equidade e na razoabilidade, o que se permite a teor do art. 8º, do CPC, e o art. 5º da Lei de Introdução às Normas de Direito Privado. (nº 1, supra)

As ferramentas legais que permitem adotar o caminho indicado existem e devem ser manejadas, porque somente assim se faz justiça para o caso concreto.

Bibliografia:

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BITTAR. Carlos Alberto. A Intervenção Estatal na Economia Contratual e a Teoria da Imprevisão, In Contornos Atuais da Teoria dos Contratos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1993, coord. Carlos Alberto Bittar.

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